domingo, 30 de dezembro de 2012

Passando a régua

Eu poderia começar dizendo que muitas coisas aconteceram em 2012. Mas um ano tem 365 dias (ou 366, nesse caso), que é tempo pra caralho, e muitas coisas acontecem mesmo.

Eu poderia depois dizer o quanto eu mudei com as experiências que tive. O que seria mentira, porque mesmo que eu tivesse mudado alguma coisa, um objeto fora de seu estado natural tende a retornar a esse estado - e vocês não tem ideia da força da gravidade que reina por aqui.

Eu poderia então continuar dizendo que conquistei e fiz muitas coisas. Mas eu só fiz mesmo meia dúzia de páginas de histórias em quadrinhos e gravei uma demo com um ano de atraso.

Eu poderia dizer que realizei meu sonho, mas eu não tenho sonho nenhum. Poderia dizer que cumpri meus objetivos, mas isso também seria mentira.

Eu poderia terminar desejando um ótimo 2013 pra todo mundo. E eu até gostaria que isso acontecesse, mas vou só desejar que o próximo ano não seja pior.

O que, cá pra nós, já tá de bom tamanho.

terça-feira, 25 de dezembro de 2012

O Cachorro

Ele abriu a porta e percebeu que seu olfato não estava enganado. Voltou para o interior da casa, pegou uma pá e começou a recolher a montanha de cocô que O Cachorro gentilmente deixou em frente à entrada. Não é o tipo de coisa que o incomodava mais. No começo, quando O Filho levou O Cachorro ainda filhote para lá, balbuciando entre lágrimas e soluços que A Ex não queria o bicho em casa, aceitou adotá-lo sem pensar duas vezes. Em tempos de divórcio, é bom fazer pontos com as crianças, e além disso seria interessante ter outro organismo respirando na mesma casa e que pudesse atender pelo nome. Depois, quando O Cachorro começou a crescer demais, e finalmente ficou do tamanho de dois andares, Ele também não ligou muito. E quando precisava diariamente recolher a pilha de esterco que se acumulava sobre o seu capacho que tempos atrás dizia "Bem-vindo", também não recriminava o animal. Foi sua culpa não tê-lo ensinado o lugar certo de cagar, o que é um erro comum de donos de primeira viagem, embora poucos destes possam dizer que tiveram que cuidar de um vira-latas de seis metros de altura.

Quando o azulado do céu pendia mais para o negro que pro amarelo e Ela tocou a campainha, já não havia mais cocô nem resquício do seu cheiro. O Cachorro estava preso nos fundos, a casa estava belamente iluminada por luzes de velas, e o ar era preenchido apenas pelo aroma da comida sobre a mesa e o desconforto instigante que nasce do atrito entre as expectativas dos casais no primeiro encontro. Ela estava linda, e Ele já havia readquirido o jeito depois dos últimos encontros fracassados. Após jantarem e conversarem fluidamente, a campainha tocou mais uma vez.

O Vizinho estava furioso. A dicção ébria por trás do tráfego congestionado de cuspes e o bigode que cobria a boca tornavam impossível entender o que ele dizia, mas o tom de voz era familiar e já explicava tudo: O Cachorro escapou e fez bagunça no seu quintal. Sem graça, Ele pediu licença à encontrante e saiu para procurar seu pulguento.

Encontrou-o ainda na esquina, brincando com uma pilha de sacos de lixo. Notou, entre seus dentes, uma forma esférica e dourada, que refletia as luzes do poste. Ao pegá-la, viu que era oca, e que havia dentro um pedaço de tecido amarelado com o desenho de um mapa estilizado e uma marcação em X no que parecia ser a Colômbia ou a Venezuela.

Um tesouro escondido nos escombros de alguma desconhecida civilização pré-colombiana. Construções antigas acessíveis apenas por passagens na rocha sob os lagos azuis e limpos, mantidas em segredo durante tantos séculos. Fantasmas ancestrais, armadilhas ainda ativas, respostas para perguntas que a humanidade já desistiu de solucionar, locais jamais tocados por nenhum homem, o Eldorado, Atlântida ou qualquer outra cidade tão secreta que nem as lendas conheciam.

Ele arrumou o lixo, puxou O Cachorro pela coleira, pediu desculpas ao Vizinho, prendeu O Cachorro nos fundos - não sem antes verificar o travamento da corrente -, voltou à mesa, pediu desculpas a Ela e continuou sua história sobre como A Ex fugiu para a casa da Sogra durante duas semanas e prometeu voltar apenas se ele nunca mais conversasse com A Mocinha do RH, nem mesmo no trabalho.

Ele só queria uma vida normal.

domingo, 23 de dezembro de 2012

O mundo não acabou

- O mundo não acabou.

Quando o Rafa finalmente disse isso em voz alta, já haviam se passado cinco minutos, e todos já tinham percebido o que ocorrera - ou, pra ser mais exato, o que não ocorrera. O céu continuava lá em cima, a terra continuava embaixo, as pessoas continuavam suas vidas normalmente.

- Que caralho aconteceu?

A revolta da Rebeca - que nunca dizia um palavrão - era justificada. Ela passou as últimas 24 horas transando praticamente sem intervalos. Primeiro com o namorado, Marcos, depois com o Darlan, depois com o Rafa, depois com a Ana. Nem era exatamente o que ela queria, mas "o mundo vai acabar amanhã!", todos repetiam, e parecia um desperdício inacreditável não passar as últimas horas na Terra numa orgia com os seus melhores amigos, o tipo de coisa que ela jamais faria se houvesse amanhã.

O Marcos, diga-se, não era a favor da ideia. Ele queria ficar só com a Rebeca, mas aqueles filhos da puta ficaram forçando - e ele só não quebrou a cara do Darlan porque havia outras coisas a fazer e pouco tempo, e como a própria Rebeca não foi muito contra ele decidiu não lutar por uma causa perdida. Então saiu do apartamento, mochila nas costas e lágrimas na cara, e resolveu distribuir o amor que ele tinha guardado para a ruivinha fajuta. Abraçou desconhecidos, conversou com velhinhos, comprou cigarros para os mendigos, até tocou a escaleta toda babada da menina que performava Belchior com o pai. Poucas horas depois, foi atropelado por um Civic preto guiado por um rapaz que resolveu aproveitar antes que a nova Lei Seca entrasse em vigor, e perdeu mais sangue do que podia ainda na sarjeta da Líbero Badaró.

Ninguém ia muito com a cara do Darlan, mas o poder de influência que ele tinha sobre o grupo era incontestável. Às vezes ríspido, às vezes racional ao extremo, não era o melhor amigo de ninguém ali, mas mesmo assim o grupo jamais funcionaria sem ele. Portanto não era de se estranhar que tenha partido dele a ideia de reunir todo mundo no seu apartamento para que passassem as últimas 24 horas juntos: os grandes amigos, unidos até que o mundo acabasse. O trabalho começou bem antes, na verdade, desde o ano passado, quando ele abusou de seu poder de argumentação para convencer a todos de que o mundo realmente acabaria dia 21 de dezembro.

O Pato foi o mais difícil de convencer, pois era o mais inteligente. A bem da verdade, é provável que nunca tenha se convencido de que o mundo acabaria, e que ele só se deixou seduzir pela ideia de passar 24 horas no mesmo lugar que outras pessoas que não fossem seus pais ou seus colegas de trabalho. O caso é que Pato nunca se sentiu parte do grupo, ou parte de nada, e talvez esse tenha sido o grande trunfo do Darlan: fazê-lo sentir-se incluído, prometer maconha e álcool, e pronto: se o Pato acreditava que o mundo acabaria, a tese do líder estaria muito mais estofada.

Mas o Pato ficou lá, de canto, só chapando. Quando o Darlan sugeriu que era injusto só o Marcos poder comer a Rebeca e começou a confusão, ele ficou de fora. Quando o Marcos foi embora, só ele o abraçou. Quando todos resolveram estuprar a moça do cabelo pintado de vermelho - foi como ele viu a situação -, o Pato simplesmente saiu pela porta, desceu o elevador, pegou o ônibus e torceu para não estar drogado a ponto de não saber como voltar pra casa. Se o mundo realmente acabasse, ele morreria virgem - mas com dignidade, e isso haveria de valer algo no Juízo Final, no qual ele nem acreditava.

O que levou o Pato a achar que aquilo era uma filha da putagem organizada pelo Darlan era que havia outra moça no apartamento: a Ana. E ainda que aquela japonesa toda tatuada e com uma mancha de nascença enorme na bochecha esquerda não fosse o tipo de mulher que parasse o trânsito, se o mundo iria acabar logo, não lhe parecia justo que a esnobassem completamente. Mas a Ana nunca foi o tipo de gente que encanava demais com as coisas. Talvez por isso todos achavam que ela era a mais legal do grupo, embora sua gentebonisse fosse, assim como as tatuagens e os piercings, apenas camadas de escamas que ela vestia pra que ninguém notasse seu complexo de inferioridade, sua notória perspectiva de fracasso na vida e, claro, a mancha enorme na cara. E todas essas camadas foram obliteradas a golpes de marreta quando, depois de tanto tempo, a Rebeca simplesmente a convidou para fazer amor. E então, depois de passar mais de vinte horas observando cenas abjetas, perdendo o respeito pelos amigos e se sentindo humilhada, ela recebeu a proposta de passar as últimas horas da sua vida sendo amada pela sua melhor amiga, de um jeito que ela nunca esperou.

Rebobina.

- O mundo não acabou.
- Que caralho aconteceu?
- Calma - disse Darlan, lento -, é um processo, não acontece de uma hora pra outra.
- Não é o que você tinha dito, você disse que acabaria de uma vez, que a gente não ia nem ver.
- Calma.
- Calma porra nenhuma, vou ligar pro Marcos.

Ela ligou. Outra pessoa atendeu. Página de rosto com reticências no centro.

- E aí? - Rafa perguntou.
- É. Acabou.

sexta-feira, 9 de novembro de 2012

Patriamada


Essa semana eu fui ao estádio ver o meu apreciado São Paulo Futebol Clube jogar, o que, ainda que eu esteja meio em débito esse ano, é algo relativamente comum. Mas algo incomum aconteceu pouco antes do jogo começar.

Caso você não esteja ligado nos detalhes da bateção de bola ou não seja um conterrâneo, cabe explicar que há uma lei que obriga a execução do hino nacional brasileiro em qualquer evento esportivo realizado no estado de São Paulo (pelo menos os oficiais, né, sei lá se tocam essa porra no Ceefó). Pois que nessa vez, ao dia sete de novembro de dois mil e doze, por volta das quinze para as dez da noite, no estádio Paulo Machado de Carvalho, eu cantei o hino nacional.

Tá, não tem nada de mais, mas é que eu me toquei que nunca tinha cantado ele antes de jogo. E comecei a tentar analisar o que isso poderia significar.

Pode ser porque eu estou ficando velho, e quando você envelhece tende a gostar mais da pátria, sei lá. Pode ser resultado da minha primeira viagem internacional, que, ao me afastar desse solo abençoado em que se plantando tudo dá, reconectou-me ao cordão umbilical da Mãe Gentil. Pode ser... bom, eu vou parar por aqui, porque obviamente não é nada disso.

Eu não sou uma pessoa absoluta. Não tenho opiniões, desejos e posturas que me sejam característicos. Eu sou relativo, eu dependo dos outros pra me posicionar (devo ter falado disso em alguns posts já). E tem me saltado aos olhos ultimamente (em ano de eleição rola uma amplificação do fenômeno) a proliferação desses sujeitos, ah, esses sujeitos, que pra tudo arrumam um jeito de falar mal do Brasil. É o derrotista disfarçado de indignado, o cara que acha que deveria ter nascido na Europa quando merecia ter sido parido debaixo do viaduto do Gasômetro, o camarada que não abre mão dos direitos mas finge que não viu os deveres, a pessoa pra quem não há crueldade maior do que pagar imposto (a menos que lhe roubem o iPhone, aí é bala na cabeça desses vagabundos). E eu, que só torço pelo Brasil na Copa, que voto nulo, que sei toda a discografia dos Beatles de trás pra frente mas nunca ouvi o Chega de Saudade, de repente estou cantando o hino a plenos pulmões, com a mão no peito. Só pra contrariar os pau no cu.

Pensei numa piada hilária com essa última frase, mas não vou falar, porque é mentira.

Sei lá se algum dia na vida eu vou virar um ufanista, ou, pior, virar um desses daí de cima, e passar as minhas tardes escrevendo comentários em caixa alta no site da Folha. Mas hoje a vida me levou a ser esse Ditto ao contrário, esse imbecil sem personalidade. Eu não ligo muito, e sinceramente estou orgulhoso demais pelo fato de ter colocado uma referência a Pokémon pra me importar em como terminar esse texto.

É por isso que eu nunca vou ser levado a sério como escritor ou como adulto.

terça-feira, 23 de outubro de 2012

Clube dos Corações Solitários

Eu devo começar metade dos posts desse blog tentando identificar se você é um leitor antigo ou não (e a outra metade dizendo que eu já comecei várias vezes um texto do mesmo jeito), mas a verdade é que deve ter umas três ou quatro pessoas aí do outro lado, então vou parar com esse negócio de achar que tô falando com um auditório. Desliga o microfone.

Enfim, eu já falei aqui, tenha você lido ou não, que faço parte de uma bandinha que toca musiquinhas cretinas. A gente é ruim, mas se esforça e tal. O que eu esqueci de falar é que nós - que atendemos pela razão social Volto Logo Joyce - gravamos uma demo esse ano e lançamos pela grande distribuidora INTERNET™. E já que você é benevolente e destituído de senso crítico o bastante pra acompanhar as coisas que eu escrevo aqui, talvez queira acompanhar as coisas que eu escrevo lá. Dá até pra ouvir o doce som da minha guitarra e o esquálido ganir da minha voz. E, se você for um ouvinte realmente atento, dá pra escutar também a gente comemorando o gol da Ponte Preta.

Mentira.

quarta-feira, 10 de outubro de 2012

Pé na estrada


Há uns 15 dias eu deixei as fronteiras desse querido Brasil pela primeira vez na vida. Não foi assim aquela superviagem pra desbravar horizontes desconhecidos, enfiar-se na cultura alheia, nadar nu com os índios ou dormir em um motel pulguento na beira da estrada. Não foi um longo mochilão por um continente, nem um intercâmbio para aprender outra língua. Também não foi uma viagem de negócios, embora eu tenha comprado uns negócios (turum-psh). Na verdade foi rapidim, quatro dias, eu falei portunhol a maior parte do tempo e tudo que eu recebi do sonho americano foi um calor insuportável e um ar que não se move (que maneira mais afetada de dizer que não tinha vento).

E enquanto a Hebe morria aqui no Brasil eu tava lá em Miami enchendo a sacola de bosta. Se você me conhece, deve imaginar que eu só trouxe video game, brinquedos e instrumentos musicais. Pois você me conhece muito bem. Aí teve um pulinho na praia, uma andadinha num museu, e pega o avião e volta pra casa.

Até aí tudo bem, foi uma viagem agradável e é legal passar pela experiência de conhecer um lugar diferente (mesmo que ele se pareça com uma 25 de Março cheia de limusines e bandeiras dos Estados Unidos - em TODO lugar tem bandeira do país, veja a necessidade de lembrar à cubanaiada que eles não estão em casa). O negócio é que, lá no fundo, eu percebi que não era isso que eu queria ver. E isso estava lá no fundo porque é uma coisa meio ruim de se falar: eu queria ver tragédia.

Ah, eu sinto muito, eu sou horrível, eu sei. Mas vocês sabem como é frustrante viver num lugar maravilhoso que não tem furacões, trombas d'água, vulcões, terremotos, nevascas e tsunamis? Evidente que sabem como é morar aqui, mas provavelmente não compartilham a frustração (espero que não). Já falei disso antes, veja só. Aliás, vá lá ler o outro texto (é curtinho) e repare que, da lista de tragédias, eu tirei os aerolitos. Porque um caiu aqui na rua onde eu trabalho e atingiu um cara na cabeça. Sério. O centro de São Paulo é o lugar mais legal do mundo.

O máximo que eu vi da fúria da natureza foram relâmpagos quando sobrevoava a Venezuela. Era bonito e pá, mas convenhamos, relâmpagos são meio meh. Em Miami, só sol, gente bonita e mar tranquilo. Provavelmente é uma situação ideal pra qualquer turista, mas eu tenho lá minhas peculiaridades.

Mas então eu saí do país, conheci outro lugar, meu passaporte perdeu a virgindade. E a tendência que eu vejo nessa juventude que me contemporaniza (existe?) é planejar a próxima viagem, então façamos isso. Minha pergunta a você, estimado leitor, é: pra que lugar eu devo ir para ser trucidado pelas forças da natureza? Pode ser varrido por um tornado (tudo bem que com meu peso qualquer ventinho já serve, mas pensemos grande), banhado pelo vômito de um vulcão ou engolido pelas profundezas da terra fendida por um tremor de 10 pontos na escala Richter. Obviamente esses são só exemplos, use a sua criatividade pra me ajudar a desaparecer em grande estilo.

Mas pense bem, porque se eu sobreviver vou cobrar a passagem de volta do seu bolso, seu filho da puta.

quinta-feira, 20 de setembro de 2012

Viu, vó (ou Tribute to a work in progress)

Se eu fosse uma dessas pessoas injustas que nunca assumem a culpa, vó, eu ia dizer que a senhora me estragou. Fique tranquila que eu não vou lhe jogar essa bomba em cima, mas não pense que está salva não, dona Helena. Não pense que eu esqueci de todas as bolachas que a senhora escondia pra mim quando a minha mãe me proibia de comer porcaria, nem do Nescau que me dava pra tomar quando minha mãe insistia no Sustagen, nem do Sustagen que me dava pra tomar quando minha mãe desistia mas a senhora sabia que havia muito trabalho a fazer naquele moreninho mirrado.

Não pense que eu não via que a senhora me beneficiava claramente a despeito do meu irmão, esse coitado que teve o azar de não ser o primeiro neto só por um ano e meio. Eu sei, vó, que a senhora ajudava a pagar minha escola quando tava difícil pro meu pai, e que quando eu fui estudar na ETESP e o pobre do seu filho perdeu o emprego no Sudameris a senhora me dava dois reais todo dia pra comprar lanche. Confissão, vó (ai que vergonha): eu nunca comprava lanche, guardava tudo pra comprar mangá. Vixe, vó, não tem ideia da quantidade de pastel que eu deixei de comer pra ler Yu Yu Hakusho. A senhora (vergonha é tua agora) foi diretamente responsável por eu crescer fraco, desnutrido e viciado nessas porcarias japonesas.

E quando eu fui pra faculdade, vó, e toda noite a senhora ligava pra saber se eu tava chegando? A senhora achava que o escadão era perigoso porque tava sempre cheio de maconheiro, mas maconheiro nunca fez mal pra ninguém nessa vida. E então essa bosta que a senhora tem na cabeça começou a evoluir e aí era uma farra do boi da porra, a senhora me ligava no meio da aula, ou ligava 10 minutos depois quando eu dizia que ainda ia levar uma hora.

Mas a senhora já teve sua quantidade de sofrimento comigo também. Lembra como eu sempre dava um jeito de derrubar a sua santa de gesso e quebrar a cabeça dela? Se a Igreja soubesse da quantidade de mães de Jesus que eu decapitei eu tava bem lascado. E aquela vez que eu tinha acabado de tirar carta de motorista e fui te levar no posto, e deixei a Elba do vô morrer na subida? A senhora dizia "tem nada, não se preocupa, não fica nervoso", e depois desatava a cantar música de igreja. Hahahaha. E nessa mesma corrida, quando eu já tinha chegado na rua de casa na volta e a senhora quis saber onde a gente tava, foi que eu percebi que tinha começado.

Tem sido uma viagem longa, né, vó. Longa e ruim. Primeiro não sabia onde estava, depois tacava todas as minhas meias na cândida, depois ficou difícil articular os pensamentos, a fala, os movimentos. E quando a senhora já pouco se articulava, e ficava o dia inteiro com aquela cara de brava simplesmente andando de um lado pro outro porque era a única coisa que a senhora conseguia fazer, a senhora tinha a moral de chorar quando me via. De chorar, vó! Eu tenho uma macheza a perpetuar, vó, a senhora não pode fazer essas coisas! Tudo bem que a senhora acha que eu sou só um menino educado e gentil, e eu sou mesmo, mas os outros não podem saber.

E o motivo de eu estar escrevendo tudo isso agora, vó, é que eu preciso te dizer essas coisas enquanto a senhora está viva. Eu sei que a senhora não tem mais condições de ler nada, mas também não ia entender se eu falasse, e eu sempre fui melhor com as letras que com a voz. Além do que, vai que a gente acha que a senhora tá aí nessa viagem pelos domínios da demência sem saber de nada e na verdade a senhora está é conectada a um ambiente virtual e consegue acessar tudo que aparece na internet com a mente. Já leu Neuromancer, vó? Deve ter em pdf, dá uma procurada.

Viu, vó, eu sei que joguei um monte de coisa na sua cara, e a senhora, convenhamos, foi meio filha da puta mesmo com a minha mãe (essa mesma que agora te dá banho e te limpa a bunda, minha mãe é uma pessoa boa demais), mas a senhora me amava, né. Deve amar ainda, espero. E nessa a senhora meteu os pés pelas mãos e fez coisas que fariam os psicólogos infantis buscarem asilo no Tibet, mas, cá pra nós, foda-se essa merda toda. Amor bom é assim, irracional, sem limites, cheio de Trakinas de chocolate escondidas no guarda-roupa. Além do que, nunca vi alguém ficar com cicatrizes emocionais por causa de um monte de bons momentos. Deixa esses palhaços falarem, vó. São um bando de otários criados pelas avós (hihihi).

Daqui, do meu lado, eu só quero dizer que a senhora, no meu time, é o 9. E brigado, viu. Por ter casado com o meu vô (esse homem incrível), por ter dado à luz o meu pai, por ter comprado aquele jogo de cama muito foda dos Transformers. Um beijo pra senhora - isso eu posso fazer pessoalmente depois, mas essa carta precisa terminar de algum jeito.

(Aproveitando, prometa não surtar, mas eu não acredito mais em Deus. Beijo, tchau!)

quinta-feira, 6 de setembro de 2012

Marília


Quando eu abri os olhos, só vi o teto da sala borrado, e duas pessoas que me olhavam, também borradas, mas que logo murmuraram alguma coisa e saíram. À medida em que o universo ia ficando nítido e eu me levantava, reparei que estava em um cômodo amplo e cheio de cadeiras, talvez uma sala de aula, repleto de pessoas que eu não conhecia. E isso me incluía: quem diabo era eu?

Não lembrava meu nome, não tinha carteira nem documento nos bolsos, não sabia o que estava fazendo naquele lugar. Nenhuma daquelas pessoas me conhecia, nem parecia se abalar com o meu problema (ou com o fato de que eu estava desmaiado não havia nem um minuto). A bem da verdade, saber quem se é é um drama existencial, individual e intransferível, então não me dei ao trabalho de aborrecer ninguém com isso.

O que eu entendi é que iria haver um sorteio. Uma batedeira Arno. Por que eu estava querendo ganhar uma batedeira? Será que, na minha vida pregressa, eu fazia bolos? Ou estaria querendo dar um presente pra minha esposa, se é que eu tinha uma? Ou, não vamos descartar hipóteses aqui, será que essa batedeira continha algum tipo de segredo ou chave para resolver um problema maior? Um tesouro, talvez, ou a solução de um crime! Quem poderia dizer que eu não era um agente especial infiltrado numa escola de ensino médio procurando pela última pista que faltava pra resolver um grande mistério? Parece improvável, eu sei, mas eu estava zerado ali: podia tanto ser um homem-sanduíche como um astronauta, um mendigo ou o presidente de um país da América Central. Ou talvez tudo isso junto. Por que não? Comecei a gostar da ideia de não ser ninguém, porque isso me permitia ser todo mundo.

Uma mulher se posicionou atrás da única mesa que havia na sala, de frente para todos os outros. Usava uma blusa de seda feia, uma calça rosa, e tinha um nariz que muito provavelmente era maior que a minha rola, embora eu ainda não tivesse tido tempo - nem a oportunidade - de conferir qual era o tamanho dela. Em uma voz nasalada surpreendentemente frágil pra alguém com uma napa tão grande, ela agradeceu a participação de todo mundo e disse que ia chamar o sorteado pelo nome. Puxou um papel recortado fino e comprido, olhou, fez um draminha barato em troca de uns sorrisos amarelos, e anunciou:

- Marília!

Ficou um silêncio. Ninguém comemorou. Ninguém se moveu. Ninguém era Marília. A menos que…

***

Saí da escola com uma caixa branca e um nome. Mesmo em minha confusão, eu sabia identificar que esse era um nome de mulher, mas se ninguém mais era Marília, então devia ser eu.

O sol estava cinquenta centímetros acima da minha cabeça, então preferi atravessar a rua pra pegar a sombra que se derramava na calçada do lado de lá. Enquanto percorria a largura da avenida, um grupo de moleques veio de bicicleta na minha direção, desviando de mim e passando ao meu redor. Um deles esbarrou no meu braço, a caixa caiu e a batedeira se esparramou pelo chão. Outro viu me chamou de viado, naquele degradê de volume que a voz faz quando está em movimento. É a chave do mistério!, respondi, mas eles já iam longe. Recolhi as peças que se espalharam no chão, joguei todas dentro da caixa e continuei meu caminho, rumo ao refrescante reino de trevas sob os muros baixos das casas da vizinhança.

Marília. Existe uma cidade do interior chamada Marília, sopra um participante dentro do meu cérebro. Teria eu nascido lá? Seria esse um apelido, então? Tem cara de ser coisa que algum filho da puta começou a chamar de sacanagem, eu me enfezei, e acabou pegando. Esse meu humor volátil sempre me trouxe dor de cabeça. Provavelmente.

Encontrei um ponto de ônibus e me sentei pra descansar. Coloquei no colo o meu patrimônio, uma caixa de papelão meio rasgada que guardava todos os bens que eu possuía nessa vida: uma batedeira. Por que não chamar a batedeira de Marília também? Se eu sou Marília porque nasci em Marília, por que a batedeira não pode ser Marília por ser minha? Passou um ônibus, encheu minha cara de fumaça, subiu um monte de gente.

Só duas pessoas continuaram no ponto: eu e uma mulher. Bonita, até, bem vestida, até. Usava óculos escuros, essa coisa que faz todo mundo parecer mais belo e mais suspeito. Não havia nada para suspeitar da moça, mas se eu fosse mesmo um agente secreto, era melhor me manter atento. Eu podia sofrer de amnésia, mas ninguém poderia dizer que não era profissional.

Passou outro ônibus, Pinheiros, e a moça suspeita entrou. Fui atrás. Pra onde mais iria? Ela não tirou os óculos nem dentro do veículo. Muito suspeito. Passou na catraca, ficou de pé perto da porta do fundo. Eu parei ao lado de uma mulher gorda, que se ofereceu pra segurar Marília pra mim. A caixa pressionou os seios dela, e eu ganhei algum entretenimento no chacoalhar monótono e sem fim da viagem. Confirmado: o nariz da mulher do sorteio era maior mesmo.

A mulher que me batizou.

O homem que estava sentado ao lado da minha princesa se levantou para sair, e eu ofereci o lugar vago à suspeita. Não é o tipo de conduta que os manuais dos agentes secretos aprovariam, mas eu me sentia ousado. Talvez fosse a testosterona. A mulher agradeceu e sentou-se na cadeira do corredor quando a gorda moveu-se para a janela. O novo ângulo me desfavorecia e a suspeita não oferecia grandes atrações no olhar plongée, o que me permitiu voltar à investigação.

Uns 30 anos, eu diria. O cabelo era avermelhado, mas as evidentes raízes negras mostravam que ela não o pintava havia algum tempo. Nos ombros, algo que parecia ser caspa. Caspa não combina com mulher bonita, mas eu estava apaixonado por uma rapariga que pesa 30kg a mais que eu só porque ela segurou minha batedeira, então não tinha autoridade para opinar nesse assunto. A pele estava daquela cor estranha meio esverdeada que as pessoas adquirem quando ficam muito tempo sob luz fluorescente. Não conseguia me conformar que eu lembrava esse tipo de detalhe mas não a porra do meu nome. Marília não é meu nome, não é nome de homem. Ou de batedeira. Eu devia estar preocupado era com isso, não com a pobre workaholic que não arranja tempo nem pra ir no cabeleireiro.

Mais um ponto, e aquela que foi o grande amor da minha vida por 20 minutos me devolveu Marília, levantou e foi embora. Eu disse obrigado, mas queria dizer te amo, não vá, casa comigo. A suspeita deslizou para perto da janela e eu me sentei a seu lado, a caixa no colo. Ela olha para o meu tesouro por alguns segundos, olha pra janela. Algum tempo depois, outra rabada de olho na batedeira, volta pra paisagem. Mais um minuto, ela puxou assunto.

- Você pegou o ônibus naquele ponto da Coronel, não foi?
- Isso - não faço ideia.
- Você estava na escola?
- Aham.
- Ah, você participou do sorteio da batedeira, então?
- Sim.
- Puxa, que legal. Eu estava lá também, mas atrasou muito e eu precisei sair.

Comecei a suar frio. Meu coração disparou, minhas mãos tremiam.

- Você se chama Marília?
- Sim! Como você sabe?
- Eu sou você.

sexta-feira, 22 de junho de 2012

A elasticidade do tempo


Eu toco no Volto Logo Joyce há dois anos e meio. Quando saí da TerraForum, em março, estava com quatro anos e oito meses de casa. O Vida de bosta existe há cinco voltas da Terra, e Maria há seis. A maior parte dos meus poucos amigos eu conheço há pelo menos nove anos, e até meu relacionamento platônico com a Isis Valverde já está aí me calejando há um bom tempo também.

Eu nunca tinha durado mais de 11 meses num emprego, nem tive um blog que vivesse mais de um ano, e o Jamanta, meu gato mongo de uma orelha só (a outra ele perdeu apanhando, tipo um Evander Holyfield felino), respirou por 3 anos até encontrar a parte de baixo dos pneus de um carro qualquer. A idade vai chegando e, pelo jeito, as coisas vão adquirindo um senso de permanência maior. Não só elas duram mais, elas não parecem durar mais, como se a partir de algum momento as coisas não existissem mais pra acabar. E isso é tanto um sinal dos tempos como uma percepção pessoal cagada pela digestão da informação pela experiência. A idade adulta é, de longe, a maior de todas, e parece que as coisas se esticam pra se adaptar a todo esse espaço disponível.

E, no entanto, não dá seis horas nunca nessa porra.

quinta-feira, 17 de maio de 2012

Pra viver em paz

11/05/2012

Eu tinha quase 19 anos, e era a única coisa que eu quase possuía. As outras - emprego, perspectiva, amigos, dinheiro -, nah. E naquela primeira semana de janeiro de, ahn, 2004, eu recebi pegar a merreca que tinha tirado de algum freela mal feito e mal cobrado e me comprar presentes de aniversário, porque alguém tinha que fazê-lo.

Então eu fui ao saudoso Stand Center, que ficava perto da faculdade, e saí de lá com uma caixa de lápis de cor e um CD do Los Hermanos (o Ventura). E era com isso, três dúzias de lápis coloridos e um CD com um passarinho na capa, que eu me preparava pra enfrentar o futuro. Amor e arte, é o que dizem.

Até os 18 anos você sabe exatamente como sua vida vai ser - ou como gostaria que fosse. Brincar, estudar, jogar, bater, beijar, transar, passar no vestibular, dirigir. Toda fase de crescimento de qualquer pessoa acontece com os 18 anos na mira. Passou dali, meu amigo, é como ter assistido a todos os episódios de um seriado e agora ter que esperar sair o próximo. Volta, Breaking Bad.

Eu não lembro o que aconteceu com os lápis. Lembro de ter comprado mais duas caixas depois daquela, mas dela mesmo, nada. Já o CD do Los Hermanos se transformou num gosto pela banda, o gosto pela banda se transformou em uma daquelas fases em que nada mais no mundo importa além das canções sobre flores e morenas, e as flores e morenas eu vi às centenas nos shows que frequentei com certa assiduidade nos dois anos que seguiram à data que começou o post. Coisas aconteceram nesse tempo. Coisas vieram e se foram, prometeram e sumiram, empolgaram e cansaram. E lá no fundo, rolando baixinho, os acordes dissonantes, as flores e as morenas.

Os shows do Los Hermanos em São Paulo na semana passada já não eram mais os mesmos. As pessoas com roupas de hippies agora se vestiam como pessoas com emprego, alguns cabelos cresceram e outros caíram, o pincel que desviou o vento foi parar no mesmo lugar que os meus lápis de cor. Mas, ah, que se foda. Aqueles nem foram anos bons.

E se de lá pra cá eu consegui emprego, dinheiro e alguma perspectiva, é curioso que meus momentos mais felizes nas últimas semanas tenham sido ouvindo a banda que já me acompanhou até no cemitério. Talvez a gente esteja no mundo só pra rir da tristeza, ou talvez a gente seja só trouxa. Nem importa. O que importa é que muito difícil fechar esse texto sem usar um verso de alguma música, o que eu estou evitando porque isso aqui já tá brega demais.

Volta, Breaking Bad.

segunda-feira, 9 de abril de 2012

Lollapalooza, 8 de abril

I poured my aching heart into a pop song

É assim que se faz.

domingo, 8 de abril de 2012

Lollapalooza, 7 de abril

Música que enfia a mão no seu peito e te arranca o coração, pra você lembrar que ainda tem um. Essa é a música que importa.

sábado, 18 de fevereiro de 2012

Um milhão de amigos

Eu comentei aqui que uma das minhas metas para esse ano (ou daqui pra frente, sendo mais exato e simultaneamente vago) era escrever mais. E não se deixe enganar: não é porque já vamos pra três semanas sem posts no Vida de bosta que eu estou parado. Tenho até escrito bastante atas de reunião, descobri que eu sou muito bom nisso, só não aqui.

O que eu não havia comentado, porque tinha esquecido e fui lembrado essa semana - quando você precisa ser lembrado dos próprios objetivos de vida é porque a coisa não tem caminhado bem, né? - é que outra das metas era ~vergonha~ fazer mais amigos.

(Já notaram que normalmente os dois primeiros parágrafos dos meus posts poderiam perfeitamente ser um só?)

Sei que parece besta, que todo mundo conhece um monte de gente e está sempre fazendo amigos e eles são a família que a gente escolhe e todo esse tipo de bosta. Mas não é assim que funciona comigo, porque nessa parada de relações sociais - com pessoas ou animais - eu sou um fracasso. Imagino que você já tenha percebido isso pelos textos que eu aqui publico, mas vamos lá.

Em primeiro lugar, porque eu sou tímido. Muito. Muito. Tipo, quando você diz que é tímido, está me ofendendo. Você é um amador, e olha que eu nem te conheço. Em segundo lugar, porque eu não sei conversar. Eu até funciono bem se for a terceira pessoa numa conversa, fazendo rápidas interrupções com alguma piadinha inconveniente, mas se for só eu e o outro pobre coitado, não há bola de feno suficiente nesse mundo pra tantas reticências.

Mas aí digamos que eu passe dessa parte, que eu já conheça a pessoa, que já tenha alguma intimidade, saiba um pouco da vida dela e ela saiba um pouco da minha, o bastante pra gente ter o que falar. Chamemos essa pessoa de - cof - amigo. Então o meu - cof - amigo tem lá o seu problema, porque hoje em dia esse povo só quer saber de ter problema. Sério, se problema fosse um animal você ia ver muito menos anúncio de bicho perdido no Facebook. De todo modo, o amigo tem problema e abre o seu coração comigo. E pra cada frase que ele me arremessa eu rebato com uma piada. De direita, de esquerda, na diagonal, no corredor, eu sou o Pete Sampras da esquiva humorística. Até que uma hora o amigo enche o saco e vai embora, porque ele não estava jogando tênis.

E aí tem o problema de eu não me divertir, de eu não gostar das mesmas coisas que as pessoas que calham de surgir ao meu redor, de eu não ligar pra perguntar da vida, de eu não beber, de eu ser são paulino e todo são paulino é babaca vão se fuder. Eu sou uma boa pessoa, meu coração é puro, mas o do vendedor de algodão doce também é e todo mundo tá cagando pra ele.

Essa parte pareceu mimimi, e não é o caso (e, tendo dito isso, será o caso). O lance é que eu quero ter mais amigos porque tenho poucos e os que eu tenho merecem coisa melhor e cedo ou tarde vão se dar conta disso. Tô antecipando, então. E eu sei que você, potencial candidato, não ficou exatamente motivado em contar comigo na sua carteira de amizades, então deixe-me falar um pouco sobre as minhas qualidades também:

  • Eu sou careca, feio e fraco, o que significa que você nunca vai ser o(a) mais tosco(a) do seu grupo(a)
  • Minha mãe cozinha muito bem
Mas veja também o que outras pessoas tem a dizer a meu respeito, pra eu não parecer tão presunçoso.

...

Bom, acho que podemos enterrar de vez essa meta, não é?

sábado, 28 de janeiro de 2012

Escreveu, não leu, ficou uma bosta

Eu tinha dito, no primeiro post do ano, que a ideia era escrever mais em 2012. E até agora estou firme e forte na função, mas detectei dois problemas.

O primeiro é que tá foda de achar assunto. Não que não tenha coisa acontecendo no mundo, mas isso gera aqueles posts de cagação de regra, que apesar de normalmente serem os textos com mais acessos, são um saco. Sério, vocês não precisam de um imbecil como eu vomitando bosta sobre coisas que eu não faço ideia do que se tratam. Tem gente melhor por aí pra se ler. O lance é que eu estou tentando levar uma vida boa, positiva, leve, o que é a antítese da proposta desse blog. Ainda que nessas aconteçam coisas que mereçam ser relatadas, em geral é só chatice. Tipo o livro do Eric Clapton.

O segundo é que eu estou escrevendo mal padaná. Tudo bem que eu nunca fui um "meu deeeus, como escreve bem esse veado", mas ultimamente tá foda. Muito palavrão, muitas frases preguiçosas, muitas vírgulas, muitos parênteses, pouquíssima inspiração. Então por um momento eu comecei a pensar se existem pessoas que ensinam a nobre arte do artesanato de palavras, e fui esbofeteado pela verdade ao encontrar a resposta bem ao lado da minha cama: livros.

Ora buceta, livros! Quando eu morava na Freguesia do Ó e passava três horas ocioso num ônibus pra ir e voltar do trabalho, tinha a condição ideal pra eu ler (talvez não "ideal", mas funcionava). Agora que eu moro perto do metrô e só gasto 15 minutos (normalmente de pé espremido no meio dos honrados trabalhadores), não rola. Como eu nunca peguei o hábito de ler em casa (sacomé, tem videogame, violão, computadPARA DE ABRIR PARÊNTESES PRA TUDO!), fiquei parado. Ano passado, que me lembre, terminei dois volumes: Eu, Robô do Isaac Asimov e Duna do Frank Herbert. A ficção científica é uma paixão que eu não conseguiria justificar no tribunal da vergonha.

Enfim, é pouco. Então ou eu volto a trabalhar de busão, ou me disciplino a ler em casa. Nesse último caso, seria interessante se eu pudesse ler só no meu quarto, porque já fiz muito coleguinha de moradia cagar nas calças ao ficar uma hora trancado no banheiro esperando chegar no final do capítulo. Juro que era isso.

O problema dessas resoluções de ano novo é que elas nunca se resolvem em si mesmas: uma coisa abre outra necessidade, que depois abre outra e por aí vai até a hora que você desiste e não faz porra nenhuma. Olha aí a minha ideia de vida simples indo pro saco :\

(E com esse emoticon de careta fechando o texto, eu oficialmente me filio ao partido do humor pastelão. Minha mãe ficaria orgulhosa, se ela se importasse)

quinta-feira, 26 de janeiro de 2012

Três coisas que eu não gosto nos cachorros de casa

1- O cocô

Quando eu me mudei, já moravam cá dois cachorros: a Pepita e o Rocky. São vira-latas adultos e adoráveis, mas cagam como o inferno. A única experiência de vida que eu tinha e julgava ser útil nessa nova rotina longe dos mimos dos pais era a de limpar cocô de cachorro, mas como eu estava errado. Oh, como eu estava errado. Nos meus primeiros dias, costumava limpar a caca do quintal diariamente, numa rotina que se dava mais ou menos assim: pego o jornal, o saco plástico e o desinfetante; pego o cocô com o jornal; o cocô quebra, liberando um inacreditável cheiro que estava aprisionado, como um feitiço milenar dentro de um baú de merda; paro um minuto pra me recuperar do baque, volto à tarefa; o cocô quebrado começa a esfarelar mais e mais, e se enfiar nas frestas entre os blocos de cerâmica do chão; raspo o chão com o jornal, transtornado; os cachorros vem e a) pegam a sacola e espalham toda a merda que eu já havia juntado ou b) pulam em cima de mim, me desequilibrando e... bem; eu sento no chão (a alguns metros) e choro copiosamente; eles, sensíveis, chegam perto e me abraçam, eu enxugo as lágrimas e penso que agora está tudo bem; termino o serviço e volto pra casa satisfeito. Dia seguinte tá lá aquela colônia de bosta de novo.

E o que me deixa inconformado é que tinha jornal lá pra eles fazerem os seus serviços fundamentais em cima. Mas eles cagavam e mijavam em todos os lugares, menos na porra do jornal. Devem ser intelectuais os filhos da puta, preferiam ler as notícias. Meses depois chegou uma outra bonitinha em casa, a Zula, que ao menos pegou o hábito de fazer suas coisas no local apropriado (ainda não sabe ler, provavelmente), mas o cheiro do que ela faz não pode ser explicado pela ciência.

2- O latido

Eu tomo meu banho quentinho, assisto a algum episódio da minha série favorita e me preparo pra dormir. Arrumo o lençol, a fronha, o edredon, deito-me e sinto a milagrosa maciez do colchão, cada fibra, cada linha se adaptando perfeitamente ao meu corpo depois de um cansativo dia de trabalho. Fecho os olhos e deixo minha mente me guiar, primeiro relembrando os acontecimentos recentes, depois distorcendo a realidade até quWAWAWAWAWAWAWAWWOOWOOWOOWOOWAWAWAWOO

WAWAWAWAW

WAWAW

WAW

...

Como eu ia dizendo, os pensamentos vão ficando confWAWAWAWAWAWAWOOWOOWAWAWOOWAWA

Então eu bato delicadamente na janela e grito KLABOCAFIDAPUTAQRODORMEVOUTRABLHAAMANHÃPSIUCARAI

O que eu acredito que os cachorros entenderam do meu arroubo:

São Paulo, 20 de onzembro, 2h14

Caros Rocky, Pepita e Zula

Não sei se isso é claro para os senhores, então gostaria de manifestar formalmente minha satisfação pelos ótimos serviços prestados na manutenção da segurança de nossa moradia, demonstrando a cada pobre alma que tem a audácia de passar a um raio de cinquenta quilômetros que estão atentos e não tolerarão ousadias. Além disso, como assim nomeado responsável por vossas senhorias (já que as antiquadas leis de nossa sociedade consideram a nós, humanos, seres dignos de tal honra), também fico muito feliz em constatar que não perdem tempo ao responder para todo colega de espécie que ladra na vizinhança. Entendo que, por questões de ofício, nem sempre seja possível comparecer à casa de Lulu, o rotivailer do Olavo, para uma animada rodada de chá com bolachas e bateção de papo. Desta maneira, é importante mesmo que não percam o contato e contem as novidades, mesmo que à distância e durante a madrugada. Como está ele, por sinal? Curado daquela otite?

Enfim, talvez eu tenha soado tolo ao dizer algo óbvio, mas não poderia correr o risco de não deixar claro meu júbilo e alacridade ao ter por perto tão notáveis amigos.

Forte abraço,
Thiago Padula de Oliveira (ou, como devem me conhecer, o "Havaianas pretas")
3- Seus escudos mágicos contra o ódio

Eles cagam debaixo da minha janela, latem de madrugada, soltam pelos por todos os lados (o que pra alguém com a minha rinite é tipo veneno), pulam em mim quando estou usando camiseta branca, comem meu chinelo, fogem pra rua, deixam cicatrizes permanentes no meu braço por medo da agulha de injeção (claro que não é esse o motivo que eu digo quando me perguntam), abrem a porta da frente e fazem minha alma dar um pulo de três metros enquanto o corpo permanece no mesmo lugar, catatônico de susto. E quando eu penso em arrancar fora as suas cabeças... eu não consigo. Não dá. Eu não sei a que tipo de bruxa maligna esses filhos da puta juraram devoção, mas eles lançam um feitiço poderosíssimo que torna impossível odiá-los. E eu acho tudo tão adorável, a cara de delinquente da Pepita, os dentes de Hannya do Rocky (o cachorro feio mais lindo do mundo), a misteriosamente interminável energia da Zula. Talvez porque eles não sejam meus animais, e na hora do aperto você pode sempre empurrar a encrenca pro dono, mas enfim. Provavelmente é isso mesmo.

E o fato de eu não ter NENHUMA moral com eles (a única ordem minha que eles obedecem é "continuem fazendo o que vocês quiserem") só contribui pra minha fama de perdedor vida de bosta. Eu passo vergonha, mas é engraçado (pros outros).

quinta-feira, 19 de janeiro de 2012

Só sei que ZzZzzzzZZz

Eu não escrevo isso com muita frequência por aqui (não gosto do assunto), mas eu não acredito em deus. Em nenhum deles, nem Deus, nem Alá, nem Dendê. E não é que eu refute a existência deles, eu só acho que o universo é grande demais e tem tantas possibilidades que alguém com o meu intelecto de merda não deveria achar que sabe de alguma coisa. É brega aquela frase do Sócrates (o filósofo), mas é por aí.

E eu fui autodegradante pra ser educado com os visitantes, mas já que vocês chegaram ao segundo parágrafo eu posso falar: ninguém sabe de merda nenhuma. A gente não entende o planeta, o universo, o corpo humano, a vida, a morte, nada. Em uma semana, beber cerveja faz mal. Na outra, descobrem que faz muito bem. Na outra, faz mal de novo. E se não dá nem pra saber se afinal de contas é bom beber uma porra dum líquido amargo, imagina essas coisas maiores que a gente, tipo deus. Portanto, quando eu digo que não acredito, não tô dizendo que não existe. Eu sei lá se existe. Pode ser que exista, e pode ser que seja um ser de infinita bondade, mas que ao invés de ter a aparência de um simpático senhor de barbas longas seja na verdade uma galinha verde com uma perna de pau, um olho de ciborgue e um pedaço do crânio aberto deixando o cérebro à mostra. Por que não? Probabilisticamente, as chances são iguais. De modo que, se eu não estou dizendo que deus não existe, não venha você também me dizer que existe sim, por quaisquer razões absurdas que sejam. No fim das contas, é só uma questão de crença mesmo.

Mas não, não pode ser. Crença é um negócio muito subjetivo, e se é subjetivo tudo tá valendo, e se tudo tá valendo ninguém ganha, e se ninguém ganha EU não ganho. Eu sei lá o que diabo aconteceu com o mundo que todo mundo agora quer currar o cérebro do próximo na parede na base da martelada intelectual, mas tá foda. Naquele tempo primitivo em que a grande biblioteca do conhecimento humano tinha só umas revistinhas de fofocas, podia mais quem batia mais. E eu sei que parece absurdo dizer isso hoje em dia, mas aquilo fazia muito mais sentido. Porque já que todo mundo quer ser melhor que o outro, não tem jeito mais sem erro que por esse povo pra cair na porrada. Quem ficar de pé no final ganha, é muito simples. Mas depois que algum desgraçado inventou que o cérebro valia mais que os músculos, fica essa palhaçada de gente se agredindo com superargumentos tipo "Deus existe porque tá escrito na bíblia", no que o outro rebate dizendo... bem, dizendo nada, só fazendo cara de esnobe, porque parece que nesse jogo uma atitude blasé vence um argumento. Sei lá, deve ser tipo papel ganhar da pedra.

O problema é que a gente processa essas questões complexas com base nas ideias e informações que conhecemos, e as esquadrinhamos de acordo com nossos padrões lógicos (ou simplesmente aceita o que outra pessoa falou, acontece também). Só que nossos padrões lógicos são nada. Nossos padrões lógicos são tão medíocres que pra muitas pessoas ainda é um mistério se o tomate é uma verdura ou um fruto. E essa maldita classificação foi inventada justamente pelas pessoas! Então a gente fica aí achando que precisa haver um criador com C maiúsculo, ou que a ciência sabe de tudo, ou que o Luciano Huck é um bom apresentador. Eu não consigo nem começar a imaginar essa questão, porque tente, num esforço de pensamento, encaixar no seu cérebro a totalidade da ideia de deus ou do universo. É demais. É maior que esse espacinho, não cabe. Não faz sentido! Como pode o universo não ser infinito? Ou como pode ele ser infinito, como isso acontece?

Tem um livro chamado You are not so smart, do qual eu só li o prefácio porque não sou lá muito esperto, que trata um pouco disso. Tem lá aquelas pesquisas com um monte de gente pra demonstrar que essa coisa de a gente procurar motivo em tudo e ter explicação pra tudo é só uma autotapeação, pra não nos sentirmos uns merdas ignorantes. Se você também for um grande preguiçoso, dá pra ler uma entrevista com o autor aqui. Mas se estiver engajado mesmo na causa, me manda um email que eu te, ahn, 'providencio' o livro. O Megaupload morreu, mas seu espírito continua vivo nos nossos corações bucaneiros.

terça-feira, 17 de janeiro de 2012

Esse não é um texto sobre o Big Brother

Tirando momentos esporádicos nas primeiras temporadas, eu nunca acompanhei o Big Brother. Em algum período foi pelo meu afastamento gradual da televisão, em outro foi pelas obrigações noturnas da faculdade, em mais algum pela alternativa de assistir aquela Casa dos Artistas que tinha a Tiazinha, a Feiticeira e a Ellen Rocche. Mantenho minha posição de que esse último é o melhor programa de TV de todos os tempos, mas isso não vem ao caso. Era pra falar sobre Big Brother, mas eu não quero falar sobre Big Brother.

Também não quero falar se o cara estuprou a mina ou não, se cu de bêbado tem dono ou não, se a Globo tem que se fuder ou não, se o programa tem que sair do ar ou não. É um assunto chato pra cacete, e a única lição que a gente deve tirar daí é que estupro é uma coisa feia e não deve ser praticada (talvez o Rafinha ache que só deve ser praticada com mulheres feias e o Maluf abra a ressalva de que é permitida desde que não seja seguida de morte, mas que eles discorram sobre isso nos seus próprios blogs).

E eu quero lá ficar dizendo se as pessoas devem assistir ou não, ou fazer qualquer análise sobre a degradação do intelecto humano baseado no interesse por esse suposto lixo. Primeiro porque se juntar aos amigos que normalmente são tão inteligentes quando uma tampa de tupperware pra encher o cu de cachaça e passar a noite vomitando num banheiro sujo também não acrescenta nada ao seu repertório cultural e ninguém deixa de fazer - nem deveria; segundo porque nego argumenta que ficar vigiando a vida dos outros e decidindo o que os outros devem fazer é uma merda, mas estão fazendo exatamente o mesmo. Enfim, dane-se, não vou falar sobre isso.

Eu não vou falar sobre nada. Só o que se fala é Big Brother, Brigbródi, Bebebê, e eu não queria falar sobre isso, portanto aí está, não falei. Parece que a gente sempre tem que falar sobre tudo que acontece e etc, mas não!, abracemos a opção de ignorar também. Como eu fiz, e agora sou um exemplo a ser seguido. Me siga.

sábado, 7 de janeiro de 2012

All apologies

Todo mundo tem um objetivo na vida. Tá, nem todo mundo tem, mas dar à sua vida um objetivo é meio que bom e tal. É difícil achar, mas tem uns por aí. Tá, quase ninguém tem.

Eu tenho um: morrer. É, eu sei, é apelação, porque pra não alcançar esse eu preciso ser muito ruim. Mas é alguma coisa. E não é porque eu acho que a vida é uma bosta miserável que não vale a pena continuar (eu acho tudo isso, mas não é por isso), é porque a morte é um negócio que me atrai de um jeito esquisito.

Se querem um bom exemplo, o post mais visitado do Vida de bosta (com exceção dos que tem algum tipo de auxílio à punheta do colega internauta solitário) é o 5 grandes maneiras de morrer, que eu escrevi há quase três anos. A continuação dele, 5 maneiras ruins de morrer, também tem números bons. Foram posts divertidos de escrever, fluíram facilmente, como se estivessem já ocupando boa parte do meu fluxo de raciocínio. A morte, amigos, é quase minha amiga.

Só não é minha amiga porque a morte é uma merda. Só no último ano, levou minha prima e minha gata, e essa semana levou minha tia-avó. É uma filha da puta (a morte, não minha tia, por favor), mas está aí e a gente tem que se acostumar com a ideia.

Completo hoje 27 anos (primeiro recorde pessoal alcançado: esse deve ter sido o post com o maior número de parágrafos enrolando antes de entrar no assunto de verdade). 27, você sabe, é uma idade que está enrolada nas pernas da morte. Tudo bem que - condição 1 - isso só vale pra quem era artista, famoso e relevante e - condição 2 - há que se deixar de lado algumas coisas aprendidas no curso da vida, como coincidência e tal.

Eu não vendi a alma pro diabo, não fundei os Rolling Stones, não dei pro Serguei. Na verdade, é engraçado como o mesmo tempo que não foi suficiente pra eu conquistar nada na vida foi mais que o bastante pra eu perder quase todo o meu cabelo. Mas, vocês sabem, as pessoas são idiotas e morrer aos 27 talvez me faça ganhar mais prestígio do que eu mereço. Eu não ligo.

Não vou, entretanto, por um fim à minha vida. Eu não, credo. As coisas tem que acontecer naturalmente, é assim que é bonito, é assim que é legal. Quando você força ou planeja, é tudo uma merda. E vai ajudar muito se eu for pro saco de um jeito mais rock 'n' roll. Como eu só corro risco de morrer de overdose se for de Coca-cola ou pão com manteiga, acho que essa possibilidade não vai rolar. Robert Johnson, um do clube, morreu envenenado por um chifrudo que ficou puto pelas liberdades que a versão bluesman de Fausto tomou com sua mulher. Mas não vou ficar dando ideia na mulher de ninguém, porque eu sou bunda mole bagarai. Aí vai ficando difícil.

Bom, deixa pra lá. O fato é que eu tenho 365 dias pra morrer em grande estilo, e o resto da vida pra me arrepender da oportunidade perdida. Fazer alguma coisa em grande estilo não é muito minha praia, então podem contar comigo reclamando aqui ano que vem.

Agora me dá parabéns.

terça-feira, 3 de janeiro de 2012

Assim vocês me enchem o saco

Deixa eu já explicar uma coisa antes: eu odeio 'Ai, se eu te pego'. Acho uma bosta de música, fácil, feita de qualquer jeito, mas do jeito certo, e por isso bombou. Imagino até que por alguma movimentação cósmica arbitrária, porque nessa linha de música sertaneja para retardados há tantos outros exemplares até mais bem acabados, mas que não tiveram o mesmo sucesso. Essa é a graça da vida, o acaso.

E é bastante provável que se eu escrevesse sobre esse Michel Teló (que, pela cara de velha, poderia muito bem jogar no Flamengo) há duas semanas, o parágrafo de cima fosse um resumo do texto. Mas então parece que descobriram o cara. 'Descobriram', né, porque esse puto tá estourado nas rádios faz um tempão. Faixa mais vendida no Itunes em vários países, coreografia de celebridades internacionais como Cristiano Ronaldo e Rafael Nadal, possível motivo de expulsão de uma dezena de soldados israelenses. A mídia internacional fala dele. Então, a mídia nacional presta atenção. E cabum.

O Ronaldo Angelim da música aparece na capa da Época e neguinho fica maluco. Fica puto. Fica desgraçado da cabeça. Onde já se viu, o cara faz uma música que eu não gosto e vira capa da revista. Chamam de fenômeno, diz que traduz os valores da cultura brasileira. Não, senhor, não a minha cultura brasileira. Rica, cheia de sacis, berimbaus e cocares. Isso é um desrespeito, alguém faça alguma coisa!

Quer saber? É a cultura brasileira, sim. Cultura é coisa do povo, não dos livros de história. Se não é do seu gosto, do seu agrado, foda-se. Não é do meu, e eu tô cagando. A 'minha' cultura não me representa, meu país não me representa, quem me representa sou eu e acabou. E se isso é comprado, fenômeno de marketing ou o que quer que seja, paciência. O mundo de hoje é assim. Os Beatles são fenômeno de marketing, a Madonna é fenômeno de marketing, a Katy Perry, apesar - ou por isso mesmo - dos olhos lindos e seios perfeitos, é fenômeno de marketing. Independentemente do talento, da mensagem, da voz.

Michel Teló é o típico personagem que vai desaparecer daqui a alguns meses, e talvez com sorte reapareça no futuro (ex. Latino). O mundo hoje é assim, mastiga, mastiga bastante, e então cospe. Características do tempo, características do povo, características do lugar. Cultura, afinal. E o fogo reacionário só confirma isso - o que seria do Elvis sem os pais das adolescentes enfurecidos? E se colocar acima da população porque a cultura 'deles' não é alta o suficiente para alcançar os seus patamares rebuscados de bom gosto é coisa de moleque. Já discutimos isso no post sobre o Restart, lembram?

Eu também preferiria que os grandes representantes da cultura brasileira fossem a Nação Zumbi ou o Sivuca, como alguns até tentam fazer acreditar, mas não são. São, sim, representantes, parte dessa coisa maluca e linda que é a cultura brasileira, mas são personagens menores. E dane-se, também, porque eu conheço um monte de gente que ia ficar puta se o seu artista preferido estivesse estourado como o Michel Teló, ou o Luan Santana, ou a Paula Fernandes. Coisas do povo, crise de um sistema político, social e de pensamento que privilegia a maioria, não o meu umbigo.

E não me entenda mal, acho saudável se revoltar contra o mundo. Só que às vezes é meio ridículo, também.

O que eu não vou cumprir

Escrever não é preciso, me desculpem os companheiros de jornada. Passar o fio-dental é preciso, beber muito líquido é preciso, preencher o livro de ponto é preciso, fazer exercícios é preciso, conhecer os pais da namorada é preciso, ser proativo é preciso, emagrecer é preciso. E todas essas coisas tem uma característica em comum: são um saco. São atitudes que te ajudarão a viver mais, dirão alguns, sem perceber que viver mais também é morrer mais devagar.

Escrever não é preciso, mas é do caralho. Não pela terapia, não pelo desabafo, não pela expressão. Ou por tudo isso, não importa. É bom porque você não tem que prestar contas a ninguém, ou ao menos não deveria. Ou deveria, não vamos impor limites. Escrever tem sido minha atividade produtiva preferida desde que o Vida de bosta deixou de ser um fotolog pra virar um blog, e lá se vão cinco anos. Nesses cinco anos, eu tenho me achado um merda por todas as coisas que eu não faço: por não jogar bola mais, por não desenhar mais, por não estar mais atualizado a respeito das novidades musicais e cinematográficas e literárias e gamers e por aí vai. Eu tenho me achado pior, metade do homem que eu costumava ser (Lennon/McCartney), por ter largado essas coisas que eu gostava tanto no passado. Mas quer saber? Eu não gosto mais, foda-se. Se eu preciso me forçar a fazer algo que eu supostamente adoro, talvez eu não adore tanto assim. Então que vão pro caralho o desenho, o futebol, a Lana del Rey (ou sei lá que diabo tá bombando hoje em dia).

Pois que ainda que o ano novo não faça muito sentido da perspectiva da razão, é uma data que a gente usa pra fazer checkpoints (minha educação formal veio do Crash Bandicoot, perdoem os termos), reavaliar algumas coisas e tudo mais. E, após essa minha tardia epifania, resolvi que em 2012 eu vou escrever mais. Ou ao menos com mais disciplina, regularidade e tal. Até comprei um caderninho pra levar no bolso, e até agora ele só tem uma anotação: "aposto que eu vendo mais cocô que camiseta". Ainda tá no começo, gente, calma.

Não significa que vai ter mais posts no blog, porque o blog é um suporte com tamanho e cor já estabelecidos e não vai fazer bem eu ficar agarrado em fronteiras. Mas também não pretendo postar tão pouco quanto ano passado, que foi meio vergonhoso. Eu sei lá que porra eu vou fazer, na verdade, mas se for interessante eu aviso aqui. Aceito sugestões, inclusive.

E você, decidiu o quê pra esse ano de merda? (outra resolução: parar de ser tão desgraçadamente negativo) Lembrando que 'entrar na academia' e 'fazer uma tatu' é muito clichê.