terça-feira, 27 de maio de 2014

Feira das nações

Barcelona me surpreendeu em alguns aspectos, mesmo eu tendo feito uma pesquisa relativamente decente durante os meses que antecederam essa viagem. Uma dessas surpresas, por exemplo, está na beleza da cidade: ela é muito, muito mais bonita do que eu esperava, e olha que minhas expectativas eram altas. É verdade que talvez o meu senso estético possa ser colocado em avaliação aqui, já que eu também acho bonito o centro de São Paulo e o primeiro modelo da Variant, mas vamos em frente.

Outra coisa que eu não esperava, apesar de conhecer o caráter turístico da cidade, é que a incidência de turistas fosse tão alta. E de lugares tão distintos. Por exemplo, tem muito turista em Aparecida do Norte, mas o máximo que você vai ouvir é uns sotaques diferentes e pronto. Aqui tem tanto viajante e eu ouço tantos idiomas diferentes na rua que ainda não sei identificar nem a língua oficial da cidade, o catalão.

Mas com base em certos aspectos como o idioma, a cor da pele e a bandeirinha bordada na mochila, dá pra perceber vários grupos de nacionalidades diferentes, e nisso tirar umas conclusões rasas ou avaliar aquelas imagens que chegam até nós pelas poucas informações que recebemos desses outros povos e culturas.

A língua que eu mais ouço aqui, depois do castelhano, é o inglês. É tão comum que agora eu só converso em inglês, porque a vida fica bem mais fácil. E uma coisa que deu pra notar é que crianças inglesas invariavelmente soam como almofadinhas irritantes paus no cu. Isso pode ser só reflexo de uma juventude inteira assistindo filmes que gozavam desse perfil, mas que parece, parece. A criança pode falar qualquer coisa (tipo "tá gostoso esse sorvete, hum") e eu já quero gritar pro pai "porra, ponha limites nessa criança!".

Outro grupo que tem bastante aqui, e hoje eu vi tantos que pensei ter acordado na cidade errada, são japoneses (e a tal cidade errada é São Paulo mesmo, no bairro da Liberdade). Eles são muitos. Hoje eu vi tantos no museu do Picasso que as únicas razões que pude pensar é que ou o Picasso é um popstar tipo Romero Britto no Japão ou eles confundiram com Pikachu.

Entre as línguas que eu não identifico, os mais populosos são os alemães (e por "alemão" eu considero "todo aquele que tem a cara branca, o cabelo loiro e fala grunhindo"). Não sei o que dizer deles, não me importo. Eu já vi alguns russos, e devo dizer que me desapontaram um pouco, porque nenhum deles fez nada bizarro como estou acostumado a ver nos vídeos. Hoje vi também uma caravana da Noruega, de umas 40 pessoas. Existia uma história (que não sei se é real) que a média de idade da população na Noruega era tão alta e a taxa de natalidade tão baixa que eles passavam propagandas eróticas no horário nobre pra incentivar o coito nas pessoas. Vamo procriar, galera. O que eu posso dizer, na minha limitada experiência, é que o mais novo desses 40 deve ter, chutando baixo, uns mil e duzentos anos. São muito assombrosamente velhos. Acho que se você emendasse eles todos numa sequência na linha do tempo daqui pro passado, um de cada vez, o primeiro estaria flutuando no espaço porque ainda não haveria Terra.

E há os brasileiros. Aparentemente Barcelona é um destino para famílias, porque a configuração padrão que eu encontro é pai + mãe + filha encalhada. Já vi também casais com crianças e um casal em lua de mel - e eu sei disso porque, no livro que fica na saída da exposição que mostrava a tenebrosa época em que o General Franco surrupiou da Catalunha toda sua identidade e a encheu de nazistas e fascistas, eles escreveram "Ana e Luis estiveram aqui em lua de mel <3" e eu fiquei meio contrangido porque não consigo imaginar nada mais inapropriado pra escrever, tirando aquela vez que o Justin Bieber visitou a casa da Anne Frank e escreveu que, se ela vivesse hoje, seria uma belieber. Fora do padrão, encontrei só dois amigos que desciam uma ladeira cantando Hello Goodbye. É verdade que eu tenho vontade de abraçar os brasileiros aqui (e as pessoas que cantam Beatles em qualquer lugar), mas eles eram jovens e homens, então nah.

Ah, e há também os com a camisa do Corinthians, porque pelo visto não há lugar no mundo livre dessa desgraça. Eu disse que Barcelona me surpreendeu, mas não falei que era positivamente.

segunda-feira, 26 de maio de 2014

Suerte

Pode não parecer, pelas coisas que eu escrevo aqui, mas eu sou um cara de muita sorte. Claro que destaco os momentos contrários ou exagero a situação pelo apelo autodepreciativo, mas é fato que tenho mais sorte que a maioria das pessoas, haja visto que mesmo com minha evidente e avassaladora inaptidão em lidar com qualquer desafio que o mundo me apresente ainda não estou vivendo dentro de um esgoto com uma barra de ferro enfiada no estômago que eu não posso tirar ou vou morrer.

Hoje meus planos na capital catalã eram simples: pus o despertador pra tocar às 8, pra eu enrolar até as 8h30, pra sair às 9, pra comprar um chip com internet para o meu celular e então dar início às atividades do dia, que incluíam o Montjuic e o Parc Güell (esse eu tentei ir ontem, mas estava cheio e demoraria muito pra entrar, então empurrei pra hoje. Isso não tem a menor importância), dois espaços abertos. Guarde isso.

Pois o celular despertou às 8, eu pus no soneca, tocou às 8h10, soneca, 8h20, soneca e eu nunca mais soube dele até que acordei, no susto, às 10h41. Puta que pariu, puta que pariu! Levantei correndo, escovei os dentes correndo, troquei de roupa correndo e fui à rua, com as pálpebras ainda coladas pelas remelas e a calça vestida ao contrário (mentira). Chegando na rua, mais más notícias: chuva. Continuo. Descubro que meu tênis direito deve ter um furinho na sola, porque minha meia está molhada. Ótimo. Chego na loja da empresa telefônica, espero uma hora, sou atendido e o sistema cai. No mesmo instante em que o cara me pedia desculpas (na verdade ele não pediu desculpas, o povo aqui é meio - eufemismo - mal educado) o meu intestino me pedia permissão para abrir as comportas. Mais de uma hora depois de eu já estar atrasado duas horas, estou com a meia molhada, sem chip e voltando pro hotel com vontade de cagar. Eu atravessei o oceano, mas a minha sorte perdeu o voo.

Frustrado, fiz o que tinha que fazer (cocô) e voltei à rua. Vou mesmo assim, mesmo com meia molhada, mesmo com chuva na cabeça nos lugares abertos (embora vendessem guarda-chuva na saída do metrô, certas coisas são universais). Então o tempo, assim como a minha sorte, começou a mudar. Rodei meia cidade e, quando cheguei ao Montjuic, o céu já estava limpo e lindo. Quando peguei o teleférico para ir até o castelo no topo do monte, havia sol, céu azul e até calor. O castelo estava vazio e sem filas, excelente. A temperatura era boa, as gaivotas faziam "craaa" (ou o que quer que façam as gaivotas, ou o que quer que sejam aqueles bichos) e os gringos faziam "nhenhenhem" com suas caras rosas estúpidas. Agora vamos à avaliação lógica da coisa toda:

Eu tenho sorte pra caralho. Não porque o tempo mudou e ficou bom, porque isso não significaria sorte, significaria apenas um certo equilíbrio, já que eu me ferrei de manhã e a ferrada foi desativada à tarde. Acompanhe comigo: se eu tivesse acordado no horário certo, teria feito todo o passeio com chuva na cabeça e ainda provavelmente teria ficado com vontade de cagar quando estivesse bem no topo da montanha ou, pior, no ônibus, ou, pior, no teleférico. E ainda teria tuitado isso com meu super 3G no celular. Porém, ao cancelar essas duas horas de chuva com meu sono inconveniente, eu me livrei da chuva, cheguei ao topo da montanha junto com o sol e, como saí pouco antes da chuva acabar, também cheguei antes de todo mundo. Ou seja, minha sorte não anulou os efeitos indesejados dos acontecimentos da manhã, ela transformou-os em vantagens. E, mais pro final do dia, andando aleatoriamente pelas vielas de um bairro qualquer, ainda encontrei diversas coisas que estava procurando e não sabia onde achar (como diabo se diz "isopor" em espanhol?) e comprei o chip, finalmente, seco e sortudo. Ah, e vale comentar que na volta do castelo eu fiquei trancado no teleférico com três inglesas que estavam loucas de desejo e fizemos um montão de sexo.

Vai que cola.

domingo, 25 de maio de 2014

Sobre saudades do português (não o Manoel)

Eu saí de solos paulistas às 18 horas da sexta-feira, com os sonhos pulsando e o nariz escorrendo. Duas horas depois cheguei a Salvador com o nariz ainda escorrendo, mas consegui comprar lenços de papel, pelo menos (ê). Na área de embarque a maioria era gringa e o castelhano povoava o ar da Bahia. Ao entrar no avião e avistar a comissária de bordo saudando a todos na porta, pensei que seria minha primeira troca de palavras no idioma dos colonizadores de nosso continente. Eu diria um "buenas noches", ela diria outro "buenas noches" e bacana, bom começo. Então eu cheguei, mostrei minha passagem e ela falou mais ou menos 10 mil palavras em 7 segundos e aquilo foi um choque de realidade tão grotesco que as próximas palavras dela, essas eu entendi, foram "señor, ¿por qué lloras?"*

Sentei na minha poltrona e ao meu lado sentou um espanhol, com sua cara boba e seus dentes tortos  - aliás, inacreditável a qualidade dentária nesse continente. Dá a impressão de que dentista é uma daquelas profissões que só tem em alguns lugares, como limpador de neve ou jogador de futebol americano. Perdi a linha. Enfim, o espanhol sentou do meu lado. Liguei minha telinha e pus o fone de ouvido, e descobri que tava quebrada aquela merda. Paciência, não vamos fazer o classe-média-sofre agora. Aí olhei pro lado e o gringo tava assistindo O Hobbit 2 dublado em espanhol. Ver um filme ruim dublado quando a pessoa ao seu lado não tem nada só pode ser considerado ostentação.

Voei, dormi, acordei (e fiz a burrada de despachar minha escova de dentes com a bagagem maior, então imagina o meu bafo), chegamos a Madri, eba. Aeroporto estranho, gente esquisita e duas coisas me marcaram: como estava cheio de gente com uniforme do Real Madrid ou do Atlético esperando o voo pra Lisboa (a final da liga dos campeões seria realizada naquele dia em Lisboa entre os dois times da capital espanhola, caso você não seja desses ligados nas coisas que importam na vida) e como, agora, havia muitos idiomas mais no ar, mais uma coisa pra aumentar a apreensão do cara com mau hálito que parece terrorista. Nesse momento, senhores, eu confesso: senti saudade de casa pela primeira vez, 12 horas depois de tê-la deixado pra trás. Não de casa no sentido de "minha cama, minha bagunça", mas senti falta da minha terra natal, daquela gente com dentes certos, do meu idioma, puta que pariu. Houve uma hora que passou um grupo de quatro brasileiros, entre os 50 e os 70 anos, e eu fiquei seguindo eles só pra ouvir o doce som de um "nóis chega" ou um "preciso mijá".

O próximo voo, que seria o último, atrasou três horas. Fiquei chateado, fiquei impaciente, estava triste de saudade. Fui no banheiro, larguei um barro e não dei descarga*, pra deixar meu protesto contra esse lugar. Quando finalmente estava embarcando, todo mundo putão, um cara da companhia aérea explicou que aquele avião atrasou porque vinha de São Paulo e alguma coisa aconteceu. Lembro que tive dois pensamentos, sendo o primeiro "aff que conversinha um atraso é um atraso como pode uma coisa dessas" e o segundo "peraê, TINHA UM VOO DIRETO DE SÃO PAULO?!". Infelizmente não pude manifestar essa indignação verbalmente, dado meu limitado conhecimento do idioma, mas sorte que já tinha feito o protesto escatológico horas antes, caso isso fosse verdade.

Cheguei em Barcelona, enfim, e a cidade é bonita que só a desgrama. Todos falam comigo fazendo muitas mímicas, como se eu fosse um retardado (o cara do hotel estava me ensinando a usar a chave, sério), algumas pessoas perguntam se eu prefiro que elas falem inglês ou espanhol (e eu faço cara de "whatever", mas eu não falo "whatever" porque meu cérebro tá chaveado no espanhol e eu não sei falar "whatever" em espanhol - uma hora eu disse "tanto faz", mas a moça não entendeu), e eu só quero que elas falem português. Por esse motivo, em todas as atrações que visitei até agora que dispunham da opção, peguei o áudio-guia. Assim posso sempre me sentir em casa, mesmo que seja aprendendo sobre os pórticos da Sagrada Família com um portuga falando no meu ouvido.

Vale dizer que eu peguei um desses ônibus turísticos que dispõem de um guia em áudio e, nos momentos sem fala, toca uma música incidental que por vezes lembra coisas do Massive Attack. Então, com todo respeito, o Gaudí que se lasque, a coisa mais genial em Barcelona é o trip hop com o português contando a história da construção da cidade. Tem que ouvir isso, gente*.

* Mentira total ou parcial

sexta-feira, 16 de maio de 2014

Te vi na TV

Eu estudei no prédio da TV Gazeta, estudei e trabalhei na Avenida Paulista e no centro de São Paulo. Assim sendo, é bastante aceitável supor que eu já apareci na TV como uma dessas pessoas que passam no fundo enquanto entrevistam alguém na rua - e tem também o show do Johnny Marr nesse último Lollapalooza, em que eu fiquei lançando olhares ameaçadores pra câmera toda vez que ela passava na minha frente, e isso talvez tenha ido ao ar, vai saber.

Mas a primeira vez em que eu fui a pessoa principal na frente da câmera foi, acredito, em 2004. Eu me lembro de uma parte e vou supor o resto, então acho que foi isso: eu e um amigo da faculdade estávamos no parque do Ibirapuera tirando fotos para algum trabalho de fotografia. Uma repórter, acho que da Record, nos abordou e perguntou se alguém queria responder uma pergunta. Eu ia dizer "não", mas meu amigo disse "sim" e eu só fiquei ali esperando. A pergunta era sobre uma greve de sexo da mulher do Schwarzenegger, à época governador da Califórnia. Acho que ela quis protestar sobre alguma coisa e disse que não ia transar com ele por algum período de tempo, e lembro que era um período bastante curto pra ser considerado protesto - tipo uma semana - e a pergunta era como a gente se sentiria se fosse o governator. Meu amigo deu uma resposta ponderada e correta, e beleza. Aí a câmera virou pra mim e a mulher perguntou "e você?". Eu achei que a entrevista era só com ele, fui pego de calças curtas e fiz alguma gracinha (claro) sobre como oh meu deus uma semana sem sexo quem aguenta isso. Como se os telespectadores não pudessem notar pela minha aparência que eu não era exatamente o comedor que minha resposta tentava transparecer.

Eu nem sei se isso foi ao ar, mas, pra todos os efeitos, perdi a primeira vez em que apareci na TV. O que é uma pena, porque deve ser legal, como na vez que meu primo apareceu na novela das 9 e eu não fazia ideia e de repente tava a cara dele gigante na tela e eu saí correndo pela sala gritando "meu deus meu deus por que eu estou assistindo a novela".

Mas haverá uma segunda vez para eu me envergonhar em rede nacional e, coisas do destino, eu não vou ver também. Basicamente é isso: tem a banda que eu estrago, e a gente vai se apresentar num programa que eu nunca ouvi falar de uma emissora que eu tive que procurar no Google pra saber se existe mesmo (existe). A gravação dar-se-á em alguns dias, e não sei exatamente quando vai ao ar, mas é provável que seja no meu período além-mar - e, de qualquer forma, não tem essa emissora na Net. Claro que dessa vez a vergonha vai ser maior porque 1) eu vou aparecer cantando - e eu canto mal, 2) eu vou aparecer tocando - e eu toco mal, e 3) minhas letras vão terminar de contradizer minha entrevista de 10 anos atrás. Ou seja: absolutamente imperdível.

Sorte da vida (e azar o meu) que hoje existe Youtube e provavelmente teremos tal evento nos servidores do Google para os meus bisnetos verem e pedirem a mudança do sobrenome. Isso se, depois dessa, eu ainda vier a ser pai. Mas vocês fiquem tranquilos: pra quem já foi na pediatra aos 25 anos só pra poder ter assunto pro blog (e porque minha mãe mandou), certamente meus vídeo-constrangimentos não passarão impunes nesse espaço virtual. A menos que eu toque tudo direitinho, mas sejamos realistas.