sexta-feira, 2 de setembro de 2016

Emperdedorismo 2.0: como fracassar no Vale do Suplício

Quem quer que tenha nos criado, pessoinhas pensantes numa rocha espacial, cometeu um erro de projeto meio grave, se é que posso assim ter a ousadia de criticar tamanha magnificência. O problema é, vê, que somos seres semanticamente orientados: nos foi dado o dom de ver significado nas coisas. Nenhum outro ser vivo no planeta Terra possui semelhante talento. Onde está o erro de projeto: podemos ver significado nas coisas, mas nas coisas não há, sinto muito, significado nenhum.

Qual o sentido da vida? Por que nós? Pelo que lutamos? Bem, por nada. Nada faz sentido. Nada quer dizer nada. É só caos e colisão de moléculas. E isso cria um certo problema, um problema crônico próprio da nossa espécie, assim como é próprio do poodle ter otite: há o nosso corpo, e nele há a nossa alma, e nela há um imenso vazio.

Sim, um buracão, como se uma bala de canhão nos tivesse transpassado e deixado um buraco que nunca se fecha. E assim vivemos, em dor, em agonia, procurando respostas que nunca virão. Isso não é evitável, não senhor. Mas também somos uma espécie adaptável, e é desse poder maravilhoso que vem nosso combustível pra nos impulsionar permanentemente até o momento da única certeza, da única verdade, você sabe qual é.

Mas vamos deixar isso um pouco mais positivo. Hoje eu não quero lamentar, não quero depreciar, hoje eu quero ajudar! E é com esse propósito totalmente altruísta e demonstrativo da grande nobreza de caráter que me pertence que eu resolvi investir naquela que eu considero a próxima grande onda, aquela que virá depois que essa onda atual nos der um caldo e levar todos os nossos sonhos para o fundo do mar: estou falando de Emperdedorismo, que é a qualidade de todo aquele que não é só um fracassado, um bosta, um pobre diabo que não faz nada que preste, um inútil, um imbecil, um traste, um erro filha da puta, mas também uma pessoa que quer aprender a evoluir e a aprimorar sua própria fracassabilidade. Esqueça promessas de glória, frases edificantes e planos de felicidade: o importante é abraçar a sua própria miséria.

Hoje, pra começarmos de maneira mais leve, quero apresentar algumas formas de nos ajudar a lidar temporariamente com aquele grande vazio de que eu falei alguns parágrafos acima. A palavra chave aqui é "temporariamente", pois lembre-se: não existe sucesso, existe apenas o adiamento da derrota.

[apagar depois: traduzir as palavras-chaves pro inglês porque vai ficar loko d+]


Animais de estimação

Sim! Uma das maneiras mais eficientes de preencher aquele vaziozão no peito é com afeto, amor incondicional e controle absoluto sobre a vida de outrem. E animais são demais: eles são... tão fofos. Eles brincam com você, eles te dão carinho, eles te fazem companhia, eles cagam no seu travesseiro. Não é também um mar de rosas, né. Mas animais são irados e se você não concorda talvez seu problema seja outro. Talvez você apenas seja uma pessoa horrível. Desculpe. Falei.

Lááááá no fundo, porém, a posse de um animal cumpre uma outra tarefa ainda mais importante, embora seja uma que não ousamos admitir, que não ousamos sequer pensar: eles são, basicamente, ferramentas que nós mantemos com o único propósito de nos entregar amor e devoção totais. Calma! Não atire pedras ainda. É um pensamento perfeitamente normal e inclusive é a base de praticamente todas as civilizações já descobertas. Pense nos deuses e demais autoridades místicas (ou, paralelamente, no seu próprio chefe no trabalho) que exigem sacrifícios, ritos, ou orações: eles só nos colocaram aqui pra gente puxar o saco deles. A verdade é aquela: manda quem pode, obedece quem tem juízo.

Mas então, animais. Tão bonitinho os animal.


Escapismo

Se o mundo é assim mesmo e nele só o que nos espera é sofrimento e Zubats, por que não viver em outro mundo? Tem tantos mundos por aí. Cada livro tem uns montes. Cada jogo tem mais outros tantos (alguns jogos também tem Zubats, é verdade). Cada filme, cada série, cada álbum (os jovens ainda ouvem álbuns ou só playlists?), cada pano pra costurar, cada relatório pra redigir, cada pisada firme no acelerador (respeite o limite de velocidade), cada gota amarga de uma cerveja vagabunda, cada picadinha ardida de uma agulha bem intencionada, cada rolagem de dado, cada abraço apertado em quem você ama, cada verso desafinado no karaokê, cada colada de zap na testa do caboclo ao lado, cada série de 15 repetições, cada compra por impulso num produto sem nota fiscal. Mentira, evite o consumismo, consumismo é para a nossa alma o que é um peido de vaca pra camada de ozônio.

Esqueça o mundo por um instante. Deixe-se alienar. Eu era um adolescente nerd, covarde e sem perspectiva de crescimento pessoal. Passava os dias desenhando universos paralelos onde só vivíamos eu e minhas criaturas. E você viu no que deu? Exato, um ADULTO nerd, covarde e sem perspectiva de crescimento pessoal.

Com os índices de criminalidade nesse país isso é algo pra se comemorar, sim.


Se achar inteligentão

Perceba que eu escrevi "se achar" e não "ser". A inteligência é ao mesmo tempo muito parecida e completamente diferente da beleza. É parecida porque é uma qualidade rara, presente nuns poucos abençoados. E é diferente porque ao menos em geral as pessoas sabem que não são bonitas.

Sim, você é feio. E burro. Toca aqui.

Não tem problema. Falta de inteligência nunca inibiu alguns dos maiores palermas do universo de destilar teorias, confeccionar textões, juntar dois fatos irrefutáveis e transformar num pensamento que só poderia ter sido produzido por um fungo. Eu conheço um site cheio deles. É do ser humano querer ser melhor que os outros, de acordo com qualquer critério arbitrário que seja mais conveniente para o orador. Nem todo mundo pode ser mais bonito, ou mais forte, ou melhor atleta, ou melhor músico, ou sei lá o que. Mas todo mundo pode PARECER inteligente, e nem é difícil. É só treinar uma cara no espelho, ofender quem tem opinião diferente da sua, ser obcecadamente impermeável aos fatos que te contradigam e plim!, você sente seu ego se expandindo, sua auto-estima florescendo, talvez o bastante pra cobrir um pouco aquele vão.


Ser ignorante

Ué! Mas isso não é o oposto do tópico anterior?

De certa forma, sim. E a boa notícia é que esse é, de longe, o método mais eficiente. Olhe ao seu redor. Veja quantas pessoas vivem suas vidas obstinadamente, com extrema dedicação, sem nunca fazer a rodinha da chinchila parar de rodar. Quem disse que a vida não tem significado? Tem sim, eu li num lugar ali. Quem disse que eu não vou ter sucesso? Se eu quero, eu posso e consigo! Desistir jamais!!!!!!!!exclamação

Essa pessoa não faz ideia. PSIU, NÃO CONTA! Deixa. É melhor assim. Olha como ela sorri. Olha o instagram dela, tem aqueles emoji da mãozinha dando um soco. Isso é maravilhoso. Deixa.

Já pra você que está lendo isso eu tenho que trazer a má notícia: pra você já era. Você sabe demais. Esses olhos caídos e sobrancelhas arqueadas trazem muita sabedoria. Agora é tarde. E, se você começou esse texto sem saber, ops. Desculpa.

Mas já que está aqui, deixa eu te falar sobre o próximo módulo do meu curso de Emperdedorismo, é sobre um negócio que...

terça-feira, 16 de agosto de 2016

Pokémon

Quando o desenho do Pokémon estreou na Record, chuto que lá por 1999, eu estava naquela idade nebulosa em que seus braços são as cordas de um cabo de guerra entre a realidade e a ficção. A ficção: com 14 anos eu já sou um homem, já tenho um vistoso bigode, já praticamente tenho voz de radialista, já tive meu coração partido em tantos pedaços quanto há Pokémons na última geração. A realidade: se eu ainda sou criança aos 31, imagina aos 14.

Então entre o meu verdadeiro desejo de assistir a todos os episódios jogar todos os jogos ler todas as revistas e a minha ficcional persona neo-adulta que tem coisas mais importantes pra se preocupar como as políticas de privatização do governo FHC e a topologia da minha pele, eu vivia uma vida secreta e sombria, só conhecida por aqueles que eram sanguineamente obrigados a gostar de mim. Foi nessa época que eu aprendi a minha primeira linguagem de programação (programar o videocassete pra gravar os episódios), desenvolvi técnicas avançadas de memorização (pedra tem vantagem contra inseto, Shellder só evolui pra Cloyster usando a water stone) e aprendi a fazer planejamento e gerenciamento de recursos em situações de vida ou morte (a pilha dura 8 horas, já estou jogando desde as 11, preciso parar em 15 minutos, dá tempo de mais uma luta e uma captura caso eu gaste até 3 pokébolas - mais do que isso é muito arriscado). Essa vida subterrânea me transformou num cientista, mas todos esses conhecimentos precisariam ser redirecionados para outras atividades ou eu acabaria morrendo com habilidades que não serviam de nada e sobre as quais eu não me atrevia a falar.

Até que…

Pokémon nunca deixou de ser um sucesso absurdo e continuei jogando esses anos todos (podemos tirar, se achar melhor), mas recentemente algo aconteceu - ou reaconteceu: Pokémon voltou a ser motor dessa nave chamada zeitgeist. Pokémon GO está aí e não há quem não tenha ouvido falar. Minha mãe mandou mensagem perguntando quantos eu tinha capturado. O diretor da empresa veio mostrar áudio do whatsapp do cara falando que na época dele ele saía na rua “pra caçar droga pra dar pra puta”, não Pokémon. Até a CIA está envolvida, aparentemente, nos espionando. E é nessa era de loucura e empolgação, mas de muita incerteza, que se faz necessária a figura daquele que sabe o motivo das coisas, que sabe que um Dratini é raro e um Pidgey não, que sabe diferenciar as silhuetas do Tangela e do Venonat, que sabe que o “ovo podre” se chama Exeggcute e que o nome é Jynx, não “bruxa da neve”. Sim, o mundo deu tantas voltas que finalmente chegou na estação onde eu esperava, com minha Nintendo World debaixo do braço, já cansado e envelhecido, para embarcar. Agora meus conhecimentos servem. Agora minha imaturidade tem utilidade.

Por outro lado, o jogo em si eu não jogo mais. Eu tentei: peguei os Zubats, saí na rua em buscas incansáveis, joguei pedras em outros seres humanos que também jogavam e tentavam uma interação (que nojo). Mas meu celular, coitado, não dá conta. Ele tenta e tenta, mas eventualmente desistiu, como que dizendo que está velho demais para Pokémon. Acho que foi uma indireta. Mas não me abalo: posso ajudar o mundo de outras formas, e antes de virar apenas mais um bug catcher, mais digno e irado é ser um Professor Carvalho, uma voz de experiência e sabedoria, uma bússola que guia os jovens aventureiros. Sim. Sim.



Você: “Mas, professor?”
Eu: “Sim?”
Você: “Não é mais fácil eu usar a internet ao invés de confiar na memória de um mongão?”
Eu: “…”
Você: “…”

Vocês jovens não respeitam mais nada, tá louco.