quinta-feira, 27 de dezembro de 2007

Morte às horrorosas

Em um certo período da minha vida, coisa de uns dois anos atrás, eu me enfileirei no exército do absurdo, e escrevi uma série de pequenos textos sob essa ótica, a maioria deles sem o propósito de ser um texto mesmo no final das contas. Oportunamente vou colocar alguns aqui. Pode ser que eu já tenha postado antes no finado fotolog, mas lá ninguém nunca lia (ao contrário daqui, onde eu tenho em torno de 4 milhões e meio de leitores), então não tem problema eu repetir.

Essa que eu ponho hoje eu escrevi numa das tardes (ou manhãs, não lembro) ociosas de trampo, quando escrever era um dos meus recursos pra manter a sanidade (falhou, como vocês poderão ver). A idéia era de que isso servisse como base pro roteiro de uma história em quadrinhos, então algumas partes (como a sobre 'Dogville') podem não ser claras sem contar com o recurso do desenho. Mas vocês superam.

E bem, segue aí, have fun.


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Escondida entre montanhas distantes, sob o espesso véu de névoa que bafora entre os vales, está o pequeno vilarejo de Beach Town. Com uma população algo considerável para uma geografia tão anal, Beach Town foi assolada, há alguns tempos, por um caso misterioso, e cuja repercussão não encontra pares na história mundial, embora possa se assemelhar metaforicamente (mas isso não vem ao caso).

Durante o soturno inverno de um ano mais ou menos distante, uma série de crimes aterrorizou os moradores. Hernán García, filho de dona Penélope e de seu Ramón, uma família costa-riquenha que entrou no país ilegalmente, é o misterioso e até hoje desconhecido assassino que, por meses, decapitou pela ponta de sua foice um sem-número de vidas femininas, inocentes, e feias. Sim, esse era o critério que, entre o subjetivo e o bizarro, norteava as cavernosas ações do assassino, e confundia os apavorados habitantes de Beach Town.

Reféns de alguém absolutamente oculto, os moradores do vilarejo tomaram algumas medidas para inocular o mal que havia pousado por lá. Os homens, inclua-se aí crianças, faziam buscas pelos arredores do lugar e postavam-se como sentinelas pelas ruas e interiores de suas casas. As mulheres, indefesas potenciais vítimas, faziam o que tinham em mãos para evitar a decapitação: embelezavam-se.

As menos abastadas tinham que se virar com maquiagens e coisas afins. Aquelas que tinham algum poder econômico investiam em cirurgias plásticas, implantes de silicone, lipoaspirações, cabeleireiros, salões de beleza, academia e adjacentes.

Mas o medo ainda prevalecia, e quanto mais as moças se esculturavam, mais achavam que estavam feias, e entraram num ciclo paranóico que desencadeou uma série de roubos e leilões de seus bens, para adquirir dinheiro para mais e mais plásticas, e essas coisas já citadas no outro quadrinho.

Paralelamente a isso tudo, ou não tão paralelamente assim, já que uma coisa estava intimamente conectada à outra, o assassino ia matando, já que, você imagine, tem mulher que nem deus dá jeito.

Após alguns meses nessa rotina, sem nenhuma pista do maldito assassino e com os homens já esgotados e torcendo para que o fora-da-lei matasse logo todas aquelas loucas, já era possível ver em Beach Town todo o rastro que deixou a onda de barbárie. O vilarejo praticamente se extinguiu, tendo tudo sido vendido em troca de botoxes, silicones, etcéteras. Chegou-se a sugerir que o nome do lugar fosse trocado para Dogville, mas o autor da idéia foi imediatamente espancado para largar a mão de ser besta e sem graça.

Como saída para mostrar sua utilidade e evitar a morte, as mulheres começaram a se prostituir. Aliás, 'prostituir' não é a palavra, pois sugere uma relação comercial, que não existia. Elas davam por dar mesmo, praticavam sexo com qualquer um que tivesse um pedaço de carne pendurado entre as duas virilhas. Sem muitas paredes para manter uma certa intimidade na relação, Beach Town virou uma enorme suruba. Não se sabe se foi essa a razão, mas de fato os crimes cessaram, e nunca ninguém descobriu a verdadeira identidade do serial killer.

Hoje existe um monumento em homenagem ao assassino na praça central de Beach Town.

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