quarta-feira, 10 de abril de 2013

Papas na língua

Vivemos num mundo que tem os dois pés atolados no terreno pantanoso da aparência. Cada pessoa é duas: aquela que mostra ser, e aquela que é de verdade, lá no seu íntimo, que só ela mesma conhece ou, no máximo, alguns chegados. Então tudo é calculado: as roupas, o cabelo, o emprego, a pose, o telefone, o carro, o apartamento, os hobbies, o Facebook, o discurso, as piadas, as palavras.

Mas temos os rebeldes, aqueles que rompem com as barreiras da sociedade! Eles se vestem como querem, fazem o que querem, usam o que querem, falam o que lhes der na telha. E há aqueles que acham que fazem parte desse grupo, os autênticos wannabe, que hasteiam orgulhosos sua bandeira com o slogan "eu falo o que penso".

Normalmente essa galera está rodeada de inimigos imaginários. Tudo é conflito. Mas de onde saem tantos desafetos?, você pergunta a um dos guerreiros. "Eu faço inimigos porque eu falo o que eu penso", ele dirá. Não é mentira, não. O lance é como você encara a frase. O "autêntico" dirá que o problema está em falar. Eu digo que o problema é o que ele pensa.

Ora, ora, ora, senhoras e senhores, que beleza há em ser um escroto? Se alguém chegar pra mim desconsolado, perdido na vida e procurando ajuda, e eu disser que ele está nessa merda porque a mãe é uma alcoólatra mentirosa e o pai é um vagabundo que não consegue fazer nada direito, não importa que outros adjetivos eu insista em pregar no meu uniforme, o fato de eu ser um escroto passa por cima e apaga todos os outros.

Isso sem entrar em outro ponto: é capaz que sua mãe nem beba tanto assim e que seu pai seja um fantástico jogador de futebol que teve que largar a carreira e arrumar um emprego como caixa de banco porque era uma carreira mais estável e a namorada estava grávida (ela nem bebia nessa época). O pensamento é rápido e confuso, e o tempo todo ele é servido de informações que mudam a maneira como se interpreta a ideia original. Muitas vezes a pessoa fala o que pensa sem ter pensado muito bem a respeito, sendo não só grosseira como injusta. "Eu falo o que os outros não tem coragem de dizer". Se coragem for burrice, sim.

Não há beleza na sociedade de aparências (PADULA, Thiago, 2013), mas existem alguns limites que a gente precisa se impor. O ideal, de verdade mesmo, seria todos sermos boas pessoas, de reputação imaculada e pensamento puro. Como não passamos perto disso, nos esforçamos. Falar ou não falar o que pensa não é exatamente importante. Importante é não pensar merda.

"A verdade dói", é outro chavão bradado em bom som. Dói, mas um soco na cara dói mais. E, ao contrário da verdade, o soco existe.

Nenhum comentário: