quinta-feira, 23 de janeiro de 2014

Como eu sofro

O sofrimento humano é, sob a ótica dos manuais de autoajuda e mensagens mal diagramadas do Facebook, algo a se expurgar, uma mancha cinzenta sobre nossa imagem de mundo colorida e ensolarada que precisa ser raspada de lá. Essa é a versão oficial que consta no nosso guia de julgamentos a respeito das coisas da vida: sofrimento é mau, ponto.

Mas, curiosamente, ele também carrega algo muito positivo (e cobiçado): status. E não é de hoje: cicatrizes de guerra sempre pintaram sobre a pele de qualquer cabeça-fraca-maluco as marcas da honra, e todos viam e diziam "esse cara sofreu muito, esse cara é bacana". Funciona também metaforicamente, vejam o Ronaldo, o ex-jogador, que traiu a namorada grávida com três travestis e ainda assim era visto por muitos como um exemplo de vida porque fez uns gols no Santos depois de arrebentar o joelho algumas vezes.

E é claro que o fenômeno se repete em esferas menores, numa acelerada viagem vetorial até que chegamos a este ponto maravilhoso de nossas vidas atuais em que (lei universal da dinâmica social contemporânea, parágrafo único) todo diálogo tende à guerra de mimimis. Significa que alguém sempre vai fazer uma reclamação sobre algo e então a outra pessoa vai menosprezar a insatisfação de seu interlocutor com algum problema próprio no mesmo tema ou em contexto semelhante. Acompanhem essa dramatização:

- Tô preocupado, cara. Meu pai tá sentindo umas dores de cabeça, o médico tá desconfiado de câncer.
- Meu pai teve câncer no ombro, teve que fazer quimioterapia.
- O meu já teve na próstata, ia direto no proctologista, tenho a impressão que um dia eu vi ele no telefone com o médico de noite e ele se despediu dizendo "tchau, amor".
- Tiveram que amputar o braço do meu pai por causa disso, o braço direito, ele nem podia trabalhar mais. Teve que por uma vassoura no lugar porque pelo menos podia trabalhar como faxineiro.
- O meu ficou seis anos desempregado.
- Depois com a vassoura ele derrubou sem querer um balde de cândida em cima do cachorro da mulher do presidente e foi processado e perdeu a casa.
- Meu pai teve que se prostituir pra conseguir pagar o aluguel, e estranhamente ele só tinha um cliente que por coincidência tinha o mesmo nome do proctologista.
- Sem a casa, a gente foi morar debaixo da rua e aí apareceu outro câncer, na perna esquerda.
- O câncer na próstata avançou e ele foi parar na UTI, não tinha nem convênio.
- O câncer na perna avançou e ele foi parar na UTI, teve morte respiratória, foi ressuscitado pelos médicos e logo depois foi esfaqueado por um médico que na verdade era o marido da amante dele disfarçado.
- ...
- ...
- Minha mãe levou chifre da própria irmã.

E qual a razão de tudo isso, senhores? Não, eu não faria vocês lerem todo esse diálogo completamente fictício que não se relaciona a ninguém que eu conheço se não tivesse uma resposta. Ei-la: há uma grande pressão social para sermos grandes, para sermos incríveis, para sermos quem sempre quer vitória e perde a glória de chorar. Só que, vamo lá, a gente não é tão bom assim. Nem perto disso. Na verdade, perdoe-me por antecipação o habilidoso leitor, a gente é ruim pra caralho em quase tudo. E nisso fica aquele bailinho adolescente com as meninas de um lado e os meninos do outro: ninguém conseguiu nada impressionante, mas ninguém admite que é medíocre. Na verdade, ninguém nem acha que é medíocre, porque se nossas mães disseram que nós somos especiais, então nós devemos ser. Mas e aí, o que faz com todos esses troféus que estão do outro lado do salão sem a gente poder ir pegar?

Arranja uma desculpa. "Não, sabe o que é, eu até ia na mina mais bonita da festa, mas é que machuquei o lábio e tal", no que outro responde "eu machuquei o lábio e o pinto" e um terceiro vai chegar cheio de band-aids nos dedos. As reclamações nada mais são que justificativas orgulhosas e, também, uma tentativa de relativizar o que é sucesso e o que é fracasso, como se alguém fosse pensar "nossa, ele teve bronquite na infância, então é admirável que hoje tenha chegado nesse ponto em que faz um trabalho burocrático numa empresa pequena e usa um crachá com o nome escrito errado".

Só que ninguém pensa isso, porque apesar de tudo ainda existe a guerra do mimimi, era a guerra das trincheiras. E por que, por que isso, por que essa competição? Porque apesar de tudo que não aconteceu nas nossas vidas, continuamos nos achando especiais, continuamos nos achando melhores que os outros. E isso gera um clima de insensibilidade geral, em que todo mundo está sofrendo mas todo mundo está se lixando para o sofrimento alheio, até que todo mundo morra por dentro.

Isso foi muito negativo, peço desculpas, fiquem com essa foto de gatinho pra descontrair:



Eu tenho um blog, e é um blog chamado "vida de bosta". Mas a minha vida é uma bosta? Não, não é. Na verdade, é até mancada reclamar dela: eu tenho saúde, minha família está bem, tenho um bom emprego, não preciso de carro, o Muricy finalmente pôs o Douglas no banco. Mas eu, eu sim sou um fracasso como produto humano, cheio dessas neuras e medos e baixa autoestima e pouco talento. E o que um blog tem a ver com tudo isso? O blog te dá credibilidade. Te dá respaldo. Se meu maior problema na vida é o chuveiro que esquenta demais, eu não aguentaria cinco minutos em campo aberto contra uma garotinha rica cujo braço do ursinho descosturou. Mas ter um blog me dá uma certa autoridade não merecida no assunto, como se qualquer idiota não pudesse entrar no blogger e criar um em cinco minutos. Não sei exatamente porque isso acontece, mas é um fato e que pode ser estendido a outras realidades: já tive muitos colegas que trabalhavam tão bem quanto uma porta sanfonada mas gozavam de prestígio em suas áreas de atuação por escreverem na internet. Funciona, eu vi.

Significa que ao confessar isso tudo eu estou abrindo mão de minha patente, rasgando minha farda, largando o campo de batalha pra ir plantar algodão numa fazenda no sul do Arizona? Não, claro que não. O sul do Arizona é muito quente (diz o cara que nunca foi além de Caieiras). Estou confessando isso tudo é pra esnobar. Continuarão me achando uma autoridade em má vida, continuarão achando o máximo eu ter chegado onde cheguei mesmo tendo bronquite na infância. É a vida, sinto muito.

Demorei quase 30 anos pra encontrar algo em que eu sou bom, até parece que vou largar agora.

segunda-feira, 20 de janeiro de 2014

O celular e a vida enquanto produtores de possibilidades infinitas

Há quase um ano eu publiquei um texto sobre como eu não tinha um smartphone pra poder cagar melhor (não era exatamente sobre isso, mas é uma interpretação possível). Pois passaram-se 11 meses e meio e meu antigo celular, o velho de guerra, o que me avisava a hora de acordar desde a última Copa, se foi. Na verdade ele não se foi, mas começou a não funcionar da maneira que eu espero que ele funcione (me acordando de manhã) e precisei comprar outro. Estou há uma semana com, sim, um smartphone.

É um aparelho bacana, tem cores, tem som, tem milhões de aplicativos (dos quais eu só uso aquele de afinar o violão e o de fazer flexões) e me abriu a um mundo de possibilidades nunca dantes navegadas (mentira, claro que eu não faço flexões) e isso... não é bem o que eu gostaria.

(eu não tenho força nem pra tirar a capinha do celular, imagina pra fazer flexões)

Não me leve a mal, não é que eu não aprecie o esforço do aparelho, e não é que eu esteja fechando meus portos a toda influência estrangeira, é só que me parece um desperdício. Ok, eu tenho acesso a um mundo de informações e posso estar conectado com todos os meus mil amigos em qualquer lugar. Mas eu tenho tipo dois amigos e as únicas informações que me interessam não vivem assim um período de grande produção, visto que a pré-temporada acabou agora e meu time é um lixo. Não é uma novidade, eu sempre fui assim, não é um paralelepípedo de plástico que vai mudar algo, mas me dói um pouco ver tudo que eu poderia usufruir e, em contraste, o quão pouco eu aproveito.

E esse pensamento me levou a outro, e foi aí que eu fiquei preocupado: nessa dinâmica da decepção entre o posso fazer - realmente faço, existe um sério déficit de minha parte com relação a outro produtor de possibilidades, que vocês talvez já tenham ouvido falar sob o pseudônimo de "vida". Ou talvez tivesse ouvido falar se largasse essa merda uia que jogo é esse tem pra Android? E não foi exatamente isso que me preocupou, esse lance de "oh, cada minuto é precioso, carpe diem, caga pela boca bla bla bla". Me preocupou eu ter ficado mais chateado com o mal aproveitamento do celular que com o da vida.

Claro, é uma comparação injusta, afinal de contas eu paguei pelo celular. Mas a vida tem lá seu valor, e talvez o melhor fosse eu parar de me entristecer pelo telefone. Ou aproveitar melhor a vida, mas sejamos realistas. Então, a partir de agora, nada de ficar olhando a cada três minutos pra ver se a luzinha está piscando ("uau está piscando alguém me ama! ah é spam"), nada de ficar fuçando atrás de aplicativos novos para coisas que eu não vou fazer (eu não tenho um aplicativo de flexões, sério), nada de ficar acompanhando a bateria pra não deixar nunca acabar e correr o risco de não tirar aquela foto do cachorro quando ele fizer uma pose fofa. Se não pela qualidade de vida, pela coerência.

Que fique de ponto positivo que eu nunca mais perdi a hora de acordar, esses negócios são bons mesmo.

segunda-feira, 13 de janeiro de 2014

Faça o que eu digo, faça o que eu não faço

Embora essa seja uma eleição difícil, já que vivemos um tempo em que todo mundo usa qualquer coisa pra criticar qualquer um, uma das causas de insatisfações mais comuns que pessoas atribuem a outras encontra-se no meio do caminho entre a teoria e a prática, aquilo que o dito popular consagrou como "faça o que eu digo, não faça o que eu faço", o dicionário rotulou de hipocrisia e um primo meu chamava de "hepoesia", numa leitura equivocada de antiga canção de Claudinho e Buchecha. A gente não quer só comida, a gente quer comida, diversão e autenticidade.

(não era essa música que meu primo cantava, essa é do Titãs, vá estudar um pouco)

Comigo (é claro que esse texto era sobre mim) funciona assim também, embora não é que eu seja contraditório: eu só sou covarde. Explico: sou, em meu lado conceitual, romântico, político, um apreciador da desordem. Na prática, sou um nerd cagão. Esse tal de rolezinho, por exemplo, que consiste em um bom número de jovens reunindo-se e divertindo-se no shopping center: há os que são contra, acusando de balbúrdia, há os que são a favor, dizendo que não tem treta, só gente curtindo e pá. Eu sou um pouco dos dois: sou a favor, mas pra mim é melhor se tiver putaria. Que entrem todos munidos de canos de metal e pedras e tintas e espírito rebelde e ponham aquele lugar abaixo, os pisos reflexivos, as vitrines limpinhas, aquelas música de filho da puta ("ai não gosto que toque funk acho funk de mau gosto" e essa merda de mpb-eletrônica com disfunção erétil não tem problema?) e entreguem paus e pregos pra cada pobre assalariado de uniforme naquela fábrica de demolir corações e façam uma grande pira olímpica na beira da Marginal. Quanto pior, melhor (se ninguém se machucar e tal, machucar é mancada).

Então na minha cabeça é essa revolução constante moça com as teta de fora no meio dos corpos caídos hasteando a bandeira da França. Mas se eu vou ao banco pagar as minhas contas rigorosamente em dia e aí tem fila e as pessoas não respeitam as linhas amarelas no chão eu já fico transtornado. Gente, isso aqui é pra garantir A ORDEM, vocês não percebem a loucura que é ficar se enfileirando de qualquer jeito, depois disso vão fazer o que, festa no shopping?

Sou cagão, e, mais do que isso, fui feito para obedecer. Nasci pra ser peão. Comigo não tem jeitinho (o que aliás eu aprovo, na minha cabeça), não tem fazer loucuras, não tem quebrar as regras. Em algum momento da minha infância eu devo ter acreditado ser um animal doméstico e agora me coloco imediatamente sob a autoridade de qualquer pessoa, maquininha de senha e faixa amarela. Nem é algo deliberado, é automático. Eu sou aquele professor do Fahrenheit 451 que sabe todos os livros mas não, não quero saber desse negócio de revolução, boa sorte aí, vou trancar a porta. E eu nem gosto desse livro, o que talvez expresse melhor meu sentimento a respeito de toda essa situação.

A verdade é que eu apoio o crime mas tenho medo do castigo, seja este uma bronca da minha mãe ou o encarceramento numa penitenciária maranhense. Não que eu tenha medo de ir para os braços de satanás com a cabeça separada do corpo, é que só deus sabe quantas vezes eu deixo cair o sabonete quando estou tomando banho.

Sendo assim, não arrisco, não petisco, mas você tem todo o meu apoio moral para os seus delitos leves ou celebrações aos hormônios juvenis em espaços públicos. Mas também tenho horror a sangue, então você vai ter que seguir nessa sozinho, companheiro.

terça-feira, 7 de janeiro de 2014

20 e poucos anos

Meus 20 anos chegam hoje ao seu season finale, quando eu completo 29 verões (apesar de esse estar tão quente que tá valendo por dois) e começo meus últimos 365 dias com um 2 na casa das dezenas. Estou, oficialmente, velho pra caralho.

Eu me lembro nitidamente do meu aniversário de 20 anos: passei o dia todo tentando me matricular no terceiro ano da faculdade (numa epopeia que envolveu eu percorrer o trajeto Freguesia do Ó - Avenida Paulista algumas vezes, graças à minha inépcia no preenchimento de cheques, e um plano frustrado de assistir ao filme do Bob Esponja no cinema porque tem gente que é madura demais pra ver um filme de criança - tuin). No aniversário de 21 eu estive o dia todo em Ribeirão Preto, num evento da empresa, com direito a nipslip das coleguinha e flagra num momento de amor entre o cara do escritório do lado e o motorista do busão - que aliás dormiu na estrada e quase matou a gente MENOS TREPAÇÃO E MAIS PROFISSIONALISMO POR FAVOR SENHOR MOTORISTA. Meus 22 anos começaram comigo segurando o mijo durante toda a madrugada abandonado nas areias do Guarujá após um show apoteótico - digo, apocalíptico - de uma banda que eu precisei ir lá pra descobrir que não gosto. E de lá pra cá o blog já existia, então você pode ir no arquivo se quiser saber alguma coisa.

Mas enfim, foco, estou chegando ao final dos meus 20 e poucos anos e gostaria de destacar os melhores momentos dessa última década, cheia de ______, ______, e arrependimento.

Aprendi a tocar um instrumento
Ah, isso é legal (embora minha mãe discorde). Depois que eu peguei aquele violão que estava emprestado em casa e aprendi como fazia Seven Nation Army, nunca mais parei. Montei uma banda de mentira, montei uma banda de verdade, fiz uns punhado de música, e, o mais importante, não toquei na igreja. Sucesso.

Me formei na faculdade
Nhé.

Criei o fabuloso Vida de bosta
Sim! Hoje praticamente uma instituição, esse valoroso blog começou torto e acanhado como uma maneira de arrumar o que fazer, já que eu tinha me formado na faculdade (nhé) e fiquei um tempão desempregado, o que, descobri, pode te levar à loucura. Nunca um projeto meu durou tanto, nunca um projeto meu atingiu o coração de tantas pessoas (quatro, sendo que um era mineiro de Três Corações), nunca um projeto meu não tenho mais o que falar porque também não tem nada assim de tão especial.

Fiquei careca
Nhé.

Abri meu próprio negócio
Obviamente fracassou em questão de semanas, mas enfim.

Saí da casa dos meus pais
Aquele momento de independência, de encarar a vida adulta com sangue nos olhos e conta de luz debaixo do suvaco, aquela hora em que você diz "não, mamãe, eu não preciso que você lave mais as minhas roupas, agora eu sou um hominho!" Mas aí você descobre que nem a empregada e muito menos você conseguem lavar roupa direito, então acaba levando pra mãe no fim de semana, junto com o edredon, o tênis e as cueca com umas raspada de bosta nervosa, porque sua mãe te ama mesmo sem você saber limpar a bunda direito.

Não tenho nem casa, nem carro, nem patrimônio
...mas olha esse boneco do Finn. Legal, hein?

Comi pizza
Duas vezes. Pra vocês que não me conhecem, eu garanto, é um evento sem precedentes na história da civilização ocidental. Na primeira, na casa de um amigo que detinha minha edição de colecionador do Zelda Skyward Sword (não vou dizer que é só por isso que eu fui até lá), eu estava com o braço rasgado e pingando sangue de uma pequena aventura com a cachorra no veterinário mais cedo. Na segunda, na casa de um certo escritor/quadrinista famoso, poupei-me dos acontecimentos importantes do mundo enquanto a TV estava desligada e o São Paulo era massacrado pelo Atlético Mineiro (não vou dizer que é só por isso que eu fui até lá).

Voltei à pediatra
E esse foi com certeza o capítulo principal dessa temporada, aquele que vai ser inscrito no Emmy.

Não vai ganhar, claro.

quinta-feira, 2 de janeiro de 2014

Preguiça sem culpa

Se preguiça pudesse ser medida pela escala Richter, um terremoto nas mesmas proporções da minha poderia afundar um continente. Eu vivo numa espécie de universo diferente meio Supermariogalaxyesco em que a aceleração gravitacional de cada cama e cada sofá é muito maior que a da Terra, arremessando-me violentamente à sua superfície fofinha quando entro em sua órbita (leia-se uns dois cômodos pra lá).

Caminho agora para a última parte de um período de férias coletivas e digo, com uma certa confusão de sentimentos, que não fiz nada. O leitor com mais tempo de casa vai saber que essa afirmação não é nova, mas desta vez, além das minhas atividades terem realmente raspado no zero (considerando que jogar o novo Zelda é uma atividade, senão é zero mesmo), uma coisinha preocupante está diferente: eu não me sinto mal.

Todo fim de férias é, pra mim, um longo exercício de arrependimento: olha quanto tempo eu tinha, olha quanta coisa eu poderia fazer, eu sou um inútil, da próxima vez com certeza eu faço uma viagem / gravo um disco / construo um poleiro no quintal do fundo. Dessa vez, entretanto, nada. Tô é achando bom bagarai. Cheguei com uma mochila e um 3DS na casa dos meus pais pra passar uns dias e já estou há quase uma quinzena, aproveitando o que a vida pode me oferecer de melhor: minha família, a cachorra, o gato, roupa passada (de verdade, não aquela esfregada de ferro que eu faço), Coca-Cola sempre geladinha.

Eu sei que a vida pode oferecer mais que isso, mas aí é para as pessoas com aptidão para usufruir essa longa e dolorosa jornada na Terra. Eu só quero a Coca mesmo.

E ainda que nesses dias eu tenha chegado ao portão da rua menos vezes que o Corinthians à final de campeonatos internacionais e meus únicos momentos de esforço real foram pra evitar ver a cena do Anderson Silva quebrando a perna (nenhuminha vez até agora), sinto que estou preparado e confiante para retornar à rotina laboral na próxima semana. Mais do que isso, estou ansioso. Não porque cansei do ócio, não porque quero ver os grandes desafios que me aguardam entre as letras coloridas do Sublime Text 2. Estou ansioso porque por melhor que seja essa vida de vagabundagem, o único lugar onde me deixam entrar, sentar, acessar a internet e ganhar dinheiro sendo lambido pelas doces brisas de um ar condicionado ainda é o trabalho.

Ninguém aguenta esse calor, meu deus.

sexta-feira, 27 de dezembro de 2013

Retrospecbosta 2013

Ano passado eu caí no erro infantil de definir metas para a próxima sequência de 12 meses, o que é infantil porque 1) isso nunca deu certo nunca na história da humanidade nunca; e 2) resoluções de ano novo são infantis e pronto, coisa de quem acha que as coisas podem dar certo (e digo isso sendo um otimista convicto, mas convenhamos, nada nunca dá certo nunca na história da humanidade nunca).

Esse ano eu fui pra uma meta mais simples, uma meta não exatamente de vida - pra não cair no mesmo erro - mas, ahn, "editorial": escrever ao menos quatro textos por mês no blog. E o incrível (juro que nem eu contava com isso no princípio) é que deu certo. Com uma gambiarra aqui e acolá, mas deu certo. 2013 foi o ano com mais posts no Vida de bosta desde 2008, o que me impressiona porque meu deus do céu, como eu arranjava tempo pra escrever tanto?

Caso você tenha perdido alguma coisa, caso você esteja com saudades, caso você queira olhar agora de uma distância segura pra perceber porque perdeu tanto tempo da sua vida lendo essas bagaça, vamos a um rápido (ou nem tanto) resumo dos últimos 12 meses, com um monte de links pra você abrir e ler depois:

Em janeiro, eu falei sobre o aniversário de 10 anos da minha maioridade e sobre minha filosofia de descomplicação na hora de comprar alguma coisa ("eu já acordo cedo de segunda a sexta, trabalho fiel e intensamente até o fim do dia, pego um transporte público lotado, mais o sol, os prazos, as pessoas, a rede que só cai e toda aquela merda. Então, quinto dia útil, eu recebo meu dinheirinho. Pra mim, o trabalho tem que acabar aí"). Em fevereiro, vimos um pequeno conto sobre pessoas aleatórias numa cidade aleatória do interior. Em março, num dos meus textos preferidos - mais pelo assunto que pela obra -, falei sobre uma música do Roberto Carlos e como ela leva pessoas que não tem o costume de escrever e se expressar a abrir seus corações para o mundo inteiro.

Em abril, pra não perder o bonde musical do fim do parágrafo anterior, fiz uma análise investigativa forense (?) de um grande clássico de Daniela Mercury e fiz um relato pobre e apaixonado (com direito a vídeo em que eu apareço, novidade nesse blog) sobre um épico do futebol (que foi rasgado e esquartejado semanas depois). Em maio, um dos posts de mais acesso esse ano, em que eu faço um mimimi desgraçado pela minha voz ser feia fora da minha cabeça (mas o motivo do sucesso de visitações foi, claro, o título do texto) e outro em que sugiro fazermos leitura do futuro pela mancha de cocô no papel higiênico usado. Junho, o mês mais fraco, viu meu relato dramático sobre o chuveiro de casa, que poderia ser melhor. Em julho eu expliquei como a nostalgia me fez ir a um show do Só Pra Contrariar e provei por a + b que estamos numa realidade alternativa, graças a um evento insólito num ponto de ônibus.

Agosto foi bom: eu falei sobre punheta, sobre meus impulsos violentos desenvolvidos por The Sopranos, sobre minha aversão ao hit dos bares Gelimão™ (acho que esse foi o post mais acessado do ano, não sei bem o motivo), cheguei à conclusão de que a gente tá numa escola e, noutro dos meus textos preferidos, uma crônica/conto de ficção científica sobre o metrô da linha amarela e uma invasão alienígena. Agora notei que esse parágrafo começa com "agosto foi bom: eu falei sobre punheta" e confesso que eu talvez não esteja apto pra julgar o que é bom ou não.

Em setembro eu bati no peito pachecão para defender essa pátria maravilhosa e abri meu coração com o Bruce Springsteen, a E Street Band e um fantasma saxofonista. Em outubro eu publiquei um conto sobre ficar com a bunda pra cima que todo mundo achou que era autobiográfico. Em novembro eu falei sobre o Nelson, meu amigão peidorreiro e sobre a sociedade secreta dos cuzões (é nóis). Dezembro foi o mês de eu apresentar meus planos de ser um feiticeiro mecânico automotivo e de revelar os conflitos internos que me atormentam toda vez que preciso ir à igreja.

Teve algum outro texto que o dileto leitor considere digno de nota? Teve algum desses que tocou seu coração/purificou sua alma/te fez ter um AVC de indignação, tipo aquela história do Muse? Conte, conte pra nós.

E é isso, por esse ano é só. Foi um bom ano pro blog, poderia ter sido melhor pro mundo, eu poderia ser mais feliz, você também, mas é o que tem pra hoje. Nos vemos de novo em 2014 - ou quem sabe antes disso ainda, vai que a inspiração bate e a preguiça recua -, aqui pelo blog ou aí pela rua. Divirtam-se, percam os limites, e até lá ;)

sexta-feira, 20 de dezembro de 2013

Divórcio Blues

Não sou aquilo que você pode chamar de especialista em relacionamentos, mas toda a experiência teórica que eu tenho no assunto (Friends, Zezé di Camargo & Luciano) me faz crer que o momento mais difícil num relacionamento formal reconhecido pela sociedade é a hora do fim. Não só pelas consequências por vezes desastrosas (embora muitas vezes recompensadoras), mas também pelos últimos minutos, aquele breve período de tempo que antecede a hora de trazer as lâminas de tesoura sentimental pra junto uma da outra (assumindo que seja você a pessoa a ativamente por um fim).

Porque além do receio da recepção alheia a essa má notícia (você espera que seja uma má notícia, pelo menos, senão é mancada), há o fato de que nenhum motivo é bom o bastante. Você pode partir o coração dele(a) com essas mentirinhas mequetrefes tipo "não é você, sou eu" (eu sinceramente não sei se isso é usado na vida real, espero que não porque é muito escroto) ou você pode não só partir seu coração como apodrecer sua alma e criar cicatrizes psicológicas perpétuas ao ser simplesmente honesto ("eu acho você insuportável de um jeito tão nefasto que o único motivo de termos permanecido juntos pelos últimos seis meses foi pra que eu expiasse a culpa de estar te traindo esse tempo todo com a sua irmã e com um transexual chamado Márcio - eu também não entendi porque ele mudou o sexo mas não o nome, mas enfim, melhor isso que você").

Mas eis que nesse ano de 2013, que viu toda sorte de lançamentos musicais, da ascensão do funk ostentação ao álbum novo do My Bloody Valentine, de Get Lucky à versão brasileira feita pelo marido da Scheila Carvalho, da volta do Só Pra Contrariar ao EP do Volto Logo Joyce, surgiu, no mar de experiências eletrossônicas do novo disco do Bonifrate, essa música, essa frase: eu não vejo Teenage Fanclub nos teus olhos.

Puta merda, os problemas acabaram, coleguinhas.

Porque essa frase serve não só de checkpoint para o seu relacionamento atual ("eu vejo Teenage Fanclub nos olhos dele(a)?") como também de encerramento perfeito para aquele namoro que já deu o que tinha que dar. É tão perfeita que você precisa falar e sair fora imediatamente, porque se ele(a) falar qualquer coisa depois disso seu final apoteótico seria estragado. É um(a) pau no cu(boboca) mesmo, ainda bem que vocês terminaram.

E o mais legal é que é à prova de contra-argumentos. Vejam o diálogo abaixo:

(DRAMATIZAÇÃO)
- Você quer terminar comigo? Mas por que? Eu sou linda, rica, bem sucedida, jogo futebol, toco gaita e ainda topei aqueles seus fetiches estranhos com Pokémons! Por que, eu pergunto, por quê?
- Porque eu não vejo Teenage Fanclub nos teus olhos.
- Ah, então beleza.

Pode ser, admito, que no final das contas essa conversa só valha pra mim, dada minha conhecida paixão pela banda de Glasgow, uma banda que é tanto amor que até o baixista se chama Amor (e pelos meus fetiches estranhos com Pokémons, mas isso é pra outro post). E se só vale pra mim, sejamos honestos, não vale de nada, porque pra terminar um relacionamento é preciso começar, e isso meio que atrapalharia meus planos de futuro ocultistas.

Mas é uma frase tão boa.