sábado, 26 de abril de 2014

Crônica de uma vida entediada

Quando, no ano passado, eu estabeleci essa meta de postar quatro vezes por mês, achei que seria impossível. Em anos recentes, se eu conseguisse postar duas vezes num mês já era uma vitória. Mas daí que deu certo, eu comecei a vasculhar histórias pra contar, observar melhor as coisas, mexer com o formato estabelecido dos textos aqui. Mas eis que, apesar de tudo, a base disso tudo são as coisas que me acontecem na vida, e publicar os tais quatro posts por mês ficou bem complicado quando a minha vida anda tão parada que se fosse água seria um perigo para a infestação do mosquito da dengue.

Então, no melhor esquema "querido diário", vou fazer um resumo geral das coisas que se passaram nas últimas semanas, na esperança de que juntando tudo isso dê um post:

A parte do trabalho: essa é assim: eu acordo, escovo os dentes, troco de roupa, passo o desodorante, calço meus tênis e vou. Vinte minutos depois eu ponho meu dedinho no marcador de ponto, e de acordo com a hora que eu cheguei faço o cálculo de que hora vou precisar sair, dentro de um plano maior de acumular infelicidade pra poder fazer aquela viagem mês que vem. Aí na hora de ir embora eu pego minha mochila e meu guarda-chuva enorme e caminho até a minha casa.

A parte da casa: eu chego em casa, faço cocô, limpo o bumbum, lavo as mãos, deito na cama e fico lá até meu corpo e o colchão tornarem-se uma unidade indivisível. Aí eu divido-as, porque preciso tomar banho, e aí eu durmo.

A parte da diversão: essa parte está em falta, desculpe o transtorno.

A parte em que eu tento me desapegar do futebol: PORRA DOUGLAS ACERTA UM PASSE CARALHO

A parte da banda: a gente ensaia uma vez por semana, as mesmas músicas, mas cada vez eu erro uma coisa diferente. Pra dar mais dinâmica.

A parte do entretenimento digital: eu larguei o Bravely Default porque a segunda metade dele é uma canalhice tão grande que eu desejei que todas as pessoas envolvidas no jogo tenham diarreia perpétua. Eu fico vendo documentários sobre música na Netflix. Temporada nova de Mad Men. A temporada que acabou de Community. Xvideos. Digo, cinema, ótimos filmes em cartaz, como aquele do... ahn... ah, eu assisti Cidade de Deus outro dia pela primeira vez. É bom, né? O que me lembra...

A parte da diversão (errata): fui à festa de 50 anos de um certo conhecido escritor/quadrinista brasileiro e lá estava o escritor de Cidade de Deus. Eu fiquei olhando ele de longe, foi irado.

A parte da viagem: estou tão preparado hoje quanto estava quando escrevi aquele texto. Ou seja, vai mal a coisa.

A parte da rinite: lembra que ela tinha ido? Voltou. Não do jeito que eu previa, mas mesmo assim não veio pra brincadeira. Tô adorando.

A parte boa: Magikitos, o pior salgadinho do mundo, o indigerível, nascido no isopor, aquele que você precisa virar a cabeça pra trás quando abre, o que era bem difícil de achar, desapareceu do mapa de vez com a falência da cadeia de supermercados Econ (descanse em paz). Fui um dia ao Extra procurar o presente do supracitado conhecido escritor/quadrinista e aproveitei para buscar Magikitos em suas prateleiras, na vaga esperança de que houvesse um milagre me esperando. Nada. Naquele momento, eu ouvia Bobby Jean do Bruce Springsteen, uma música em que ele conta a história desse grande amigo, de como eles passaram por tantas coisas juntos, e que agora ele queria vê-lo de novo apenas para se despedir. E eu pensei "sim, eu queria ver o Magikitos mais uma vez, só pra dizer que eu sinto sua falta, baby, boa sorte, adeus, Magikitos".

Como também não achei o tal presente, procurei no dia seguinte em outros mercados, até que cheguei ao Pastorinho da Vila Mariana, facilmente o pior mercado num raio de seis continentes. Não havia o presente (a menos que eu estivesse disposto a dar um Drurys, que não é exatamente um presente, é um desafio a um duelo) e, enquanto andava frustrado pelos corredores cheios de produtos de qualidade duvidosa, encontrei, ali, sim, ali, ele: Magikitos. Prateleiras cheias dele! Meus olhos se encheram de água, meu coração se encheu de alegria, minha alma se encheu de esperança: há sim, milagres nesse mundo. Há sim, um fim do arco-íris.

E custa 2,31.


segunda-feira, 14 de abril de 2014

Homem não chora

É sabido, cá entre os habitantes desse planeta, que homem não chora. Ou que não deve chorar, pra ser mais preciso. É uma imposição de conduta, como tantas outras com as quais a gente se habituou a viver, e baseia-se na ideia de que não é produtivo nem abonador para um humano do sexo masculino demonstrar emoções, pois todo homem deve ser um deserto sentimental, uma muralha psicológica e uma máquina no cumprimento de suas funções de macho, porque, sabemos, é bem difícil caçar antílopes com os olhos cheios d'água.

Mulheres choram. Mulheres tem lá seus hormônios, tem lá seus sentimentos, mulheres são frageizinhas, ui, que florzinha. E homens não podem ser como mulheres, porque precisam ser melhores pra manter de pé toda essa estrutura paternalista que precisa existir, porque vai que desaba isso e o mundo vira um lugar melhor. Nem pensar. Então desenhamos nossa complexa arquitetura das atribuições de cada gênero na mecânica da sociedade, em que o homenzinho (representado pela cor azul) não chora e a mulherzinha (representada pela cor rosa) chora um bocado, enquanto lava nossas roupas e põe nossas cervejas no congelador.

Só que o mundo não é assim tão simples e as convenções mudam ou se desencaixam com o estado corrente das coisas, então há os homens que choram, seguros de seu mapa emocional, despreocupados com o tribunal social. Bom pra eles. Mas, ainda que amolecidos os padrões, se você é um homem e tem essa mania besta de fazer escorrer água pelos olhos, precisa dessa confiança no seu próprio taco.

E o que fazer quando você não é lá muito seguro mas chora feito um pano molhado sendo torcido? Eu tenho um amigo (não vou citar nomes, ele prefiro ficar anônimo) que chora mais do que é recomendado não só para um homem, mas também para uma mulher, para uma criança e para um cavaco numa feijoada no sabadão. E não é que ele chore porque é triste e o mundo é cruel, é quase um protocolo de reação solitário. Ficou confuso, mas vou explicar melhor.

Esse meu amigo tem essa mania boba, coisa de quem levou surra de menos e assistiu Chaves de mais, de responder tudo com piadinha, com comentariozinho sem graça. É como um tenista que, mal preparado nas categorias de base, só devolve a bola de um jeito. Mas e quando não é exatamente tênis, pois não há uma contraparte? Quando tem uma máquina cuspindo bolas do lado de lá, mas não tem pra quem ele rebater? Ele chora.

Tá vendo um filme, e o filme é triste: chora. O filme é feliz: chora. O filme é uma merda: chora. Não acontece nada no filme: chora. Vê um episódio de uma série, alguém consegue um objetivo: chora. Alguém não consegue: chora. Alguém se apaixona: chora. Alguém é eleito presidente das Doze Colônias: chora. Ouve uma música triste: chora. Ouve uma música bonita: chora. Ouve uma música ruim: troca de música, também não é assim.

E ele só chora quando está sozinho em um espaço fechado e sem risco de ser flagrado. Não porque em público ele saiba se controlar; na verdade, é justamente por isso que toda fruição de entretenimento ele faça sozinho. No cinema ele vai pouco, mas tá escuro e dá pra disfarçar. Em shows ele dá umas escorregadas também e eventualmente canta "you're asking me will my love gro-o-o-ow" entre soluços, mas também dá pra esconder um pouco. De resto, sua persona pública mantém os olhos secos, o coração duro e as emoções trancadas, porque ele tem uma reputação a zelar e não vai pegar bem se as pessoas começarem a achar que ele é mole desse jeito. Não, esse meu amigo é machão, carrega a bandeira da tradição masculina de outrora, do tempo que homem não chorava, não amava e não depilava o peito. Deu a impressão que esse lugar reservado onde meu amigo chora é dentro de um armário, mas também não é por aí.

 O caso é que nem o mundo está muito preparado para um banana sujeito sensível desses nem esse pamonha sujeito está muito preparado para esse mundo. Mas esse meu amigo se permite sonhar, sonhar com um dia em que ele possa chorar na rua sem ser recriminado, com um dia em que ele não precise usar sua rinite pra disfarçar os olhos molhados. Com um dia em que ele possa escrever na primeira pessoa.

Ou ele pode parar de ser otário, mas tá mais fácil o mundo mudar primeiro.

segunda-feira, 7 de abril de 2014

Eu estive no Lollapalooza esse ano e

Primeiramente, bom dizer que eu só fui num dos dias, o dia legal, aquele que não tinha o Muse (todo dia que não tem o Muse é legal, hoje mesmo eu não ouvi nenhuma vez, foi um ótimo dia). Eu estou meio velho pra esse negócio de festivais (mas ainda não velho o bastante pra aprender), e como a edição desse ano aconteceu no autódromo de Interlagos, também conhecido como puta que pariu que lugar longe dos infernos, foi possível ver as marcas dos pneus da vida manchando meu corpo atropelado e cansado.

Eita.

Pra começar que eu já cheguei lá morrendo. Meio dia, puta solão, supostamente 6 minutos de caminhada entre a estação de trem e o portão de acesso (levei 20, quase voltei pra casa na metade). Assisti pela primeira vez o show do Apanhador Só e foi bem bom, grande banda, boas canções, planeja demais, calcula demais, e nada demais. Pra terem uma ideia, até dei uma grana no Catarse pra bancar o último álbum deles, mas vocês não vão encontrar meu nome nos agradecimentos. Só o de um tal de Thiago Padilha, minha nêmesis. Tem uma música deles cujo refrão tem a frase "decido respeitar a minha dor", o que não tem nenhuma importância para esse parágrafo mas vocês precisam guardar porque eu vou usar em uma piada daqui a pouco.

Ao fim do show, fui caminhar até o palco mais próximo e descobri que, novamente, ou essas medidas de distância e tempo estão equivocadas ou alguém me colocou no slow motion, porque a suposta distância de 300 metros entre eles eu levei 15 minutos pra percorrer e fiquei fora do tempo de qualificação (o que não tem problema porque minha equipe é apenas um esquema de lavagem de dinheiro). Aliás, tudo subida e descida naquele raio de lugar, você vê a corrida pela TV e parece tudo tão plano. Mas, enfim, cheguei no palco seguinte, onde iria rolar o show do Raimundos, mas estava tão cansado e tão suando e tão fedendo e aquele sol de pelamordedeus que decidi respeitar a minha dor (obrigado pela paciência) e fui me encostar nuns dois palmos de sombra, quase sentando em cima de um belo monte de bosta que, honestamente, não quero nem saber como foi parar ali.

Mesmo assim deu tempo de descansar e ver o Raimundos e, talvez por não ser exatamente a minha banda de Brasília da primeira metade dos anos 90 com letras engraçadinhas favorita, não achei de todo mau. Teve Puteiro em João Pessoa, teve Esporrei na Manivela, teve, é claro, Eu Quero Ver o Oco. Não foi ótimo, mas também não foi terrível.

Andei mais um bocado (gente, sério, que tipo de monstro projetou essa distância entre os palcos?) pra ver o Johnny Marr, e embora os Smiths não sejam exatamente minha banda de Manchester dos anos 80 com vocalista vegetariano favorita, foi uma beleza de show. As pessoas estavam empolgadas, o som estava bom, e é bacana ver um ótimo guitarrista tocando ao vivo. Aí teve esse diálogo estranho entre dois caras do meu lado, em que um deles, pra puxar conversa, diz pro outro que viu o show do Morrissey, no que seu companheiro responde "O MORRISSEY É UM DROGADO SAFADO!" e se volta para o palco, continuando sua dancinha. Oxe.

Aí segue o jogo, muito calor, muita gente, Pepsi (oh, deus), aquela banda sem graça com nome de vampiro e vamos ver o Pixies, porque agora sim uma banda de verdade, uma instituição do rock 'n' roll, essa sim exatamente a minha banda norte-americana surgida nos anos 80 com álbum produzido pelo Steve Albini sem contar o Nirvana favorita! Ah, Frank Black, derrama sobre mim esses hits maravilhosos, Debaser, Wave of Mutilation, Gigantic, Velouria!

"Nop", disse Charles. "Não vou tocar nada disso. E Gigantic, sério? A mulher nem tá na banda mais. Mas olha só essas músicas novas aqui ó". Eu não gosto dessas músicas, senhor Black. "Foda-se. E quer saber? Vou pegar então o violão e tocar o resto do show com ele, como se eu fosse o Jack Johnson. Me processa".

Poxa :(

Chateado com essa apresentação - apesar de aparentemente eu ter sido o único no mundo a achá-la um porre - pulei o Soundgarden (obrigado pelos palcos tão distantes, gente, valeu mesmo) e permaneci lá pra guardar meu lugarzinho pro Arcade Fire. "Por que não o New Order?", pergunta o leitor ligado no encavalamento de horários do festival. Ora, porque não. Eu gosto do New Order, mas obviamente nesse festival bizarro isso não significa muita coisa. Então esperei o Arcade Fire e um monstro horroroso feito de espelhos parou do meu lado e ficou dublando na frente do microfone e apresentou a banda e eles entraram e eles tocaram esse disco novo chato mas também tocaram aquelas mais velhas tipo Rebellion e Power Out e The Suburbs e No Cars Go e, pra derreter os nossos corações na chapa, Wake Up. Que grande show, que lindo show, puta merda.

Fui embora caminhando sozinho entre milhares de corações quentinhos até o trem e do trem pro metrô e do metrô pra casa, feliz da vida com esse show do Arcade Fire, e mais feliz de saber que os reencontrarei mês que vem. Meu corpo dói todo, minha pele tá toda vermelha e queimada, mas valeu, foi bom.

E melhor ainda porque não teve o Muse.

segunda-feira, 31 de março de 2014

Essa história

Acordou lá pelas 8, o que era bem tarde (não que ele tivesse algo pra fazer). Abriu a porta, olhou a paisagem se achatando quilômetros abaixo dos seus pés. Era bom estar tão alto. Foi até o esqueleto da baleia, se apoiou numa vértebra e tirou mais um cochilinho. A história de como essa baleia foi parar no topo de uma montanha isolada de quatro mil metros de altitude é muito boa, mas essa história não é sobre isso.

Acabou cochilando mais do que os 15 minutos planejados, até que a sombra do osso saiu de cima dele e entre seu rosto e o sol não havia mais nada visível a olho nu. Acordou assustado, puxou ar bem forte, mas o ar não vem tão fácil quando se está tão alto. Ele ainda não tinha se acostumado. Voltou pra dentro de casa, acendeu o fogo e deixou a água fervendo. Já não chovia tinha algum tempo, e descer pra buscar mais água envolve uma expedição de alguns dias e sério risco de morte, de modo que ele tentava postergar isso o máximo que pudesse, principalmente depois da última vez. Mas deixa a última vez pra lá, vamos nos ater a essa história.

Sentado na mesa, segurou a foto dela e ficou olhando enquanto tomava café. Era a mesma coisa todo dia. A foto já estava desgastada, os cantos rasgados, um buraquinho de cigarro na parte de baixo. Mas ela continuava linda. Suspirou e se arrependeu, como todo dia, como toda hora desde que chegou ao cume daquela montanha. Mas não dá pra voltar no tempo, e ela não estava mais lá. Continuava se lembrando daquele último momento, de como ele deveria ter esticado o braço para ela ao invés de se segurar na árvore. Mas isso é o passado, e não é do passado que essa história se trata.

Essa história é uma merda.

sábado, 22 de março de 2014

Ao contrário do Bruno de Luca, eu não tenho um programa de viagem

Dois meses atrás, num acesso de coragem e desapego pelo dinheiro e pelas obrigações, comprei ingressos para três dias de um festival em Barcelona no fim de maio. Comprei os ingressos, comprei as passagens, reservei o hotel e molhei o carpete do escritório com minhas lágrimas num emocionante pedido de uma semaninha de folga para o meu chefe (que gentilmente liberou, o que me deixa em débito com eles e pode se voltar contra mim, quando por exemplo me pedirem um dia pra fazer as minhas tarefas ao invés de ficar vendo os posts antigos do AjudaLuciano). Estou com tudo pronto, então, para molhar meus pezinhos no Mar Mediterrâneo uma quinzena antes de começar a Copa - ou seja, dá tempo de vir pintar as calçadas de verde e amarelo, o que eu não perderia por nada.

...Só que, né, também não estou tão pronto assim. Depois desse pulsar de determinação e foco nos objetivos, eu voltei a ser eu mesmo e não fiz mais nada. Não comprei euros, não aprendi espanhol nem catalão (apesar de que esse se parece com português dito por alguém com a boca anestesiada), não planejei meus passeios pela cidade, nem liguei ainda na Decolar.com pra perguntar qual foi a mudança no horário do meu voo que eles anunciaram um tempão atrás. Pior, nesse meio tempo ainda inventaram uma iminente guerra no leste europeu e um avião desapareceu sob a suspeita de sequestro terrorista, o que não é um fato que favoreça minha pele marrom, minha barba negra e minhas profundas olheiras. Além disso, pra passar uma semana lá eu precisarei deixar meu coração em São Paulo. Não que eu vá sentir falta desse inferno, é que o Jesus and Mary Chain toca de graça aqui bem no fim de semana em que eu aterrisso lá. E vai que eu fico tão tocado com essa partida que resolvo desembarcar lá cantando "I wanna die just like Jesus Christ", isso não há de me ajudar muito.

Mas, mesmo assim, estou empolgado. E há de ser uma boa experiência para esse blog, ser escrito em outro hemisfério, outro continente, ¡otro idiuema! (preciso treinar um pouco ainda). E, se não quiserem me deixar entrar por acharem que eu sou terrorista, que essa próxima frase seja um atestado da minha inocência: senhores agentes da imigração espanhola, saibam que tenho tanto medo de bombas que só explodiria uma se não tivesse que viver pra ver o resultado depois.

Acho que agora eu tô garantido.

Dodói

Se tem uma coisa que eu gosto a meu respeito (disse "se", não é certeza que eu goste de algo) é que, apesar do meu físico frágil, do meu psicológico tênue e do meu histórico de patologias na infância, hoje em dia é bem difícil eu ficar doente, sabe-se lá por que milagre. E considerando também a minha alimentação (nenhuma) e atividades físicas (nenhuma), posso dizer que sou, eu mesmo, uma afronta à indústria farmacêutica.

Explico: não é que eu e a dona indústria tenhamos grandes conflitos não resolvidos (na verdade, tenho que agradecê-la pela ridícula melhora da minha rinite), é só que, na medida do possível, eu me recuso a tomar remédio. Hoje, e desde alguns dias, estou com uma leve gripinha, nada muito grave. E não, não tomarei remédio por causa disso. Poxa merda, pra que eu vou ficar mimando meu sistema imunológico com presentes e Attack +10 se isso certamente vai criar pra mim lá na frente um grande problema? Na hora que a coisa apertar, se não houver remédio, se o remédio não der conta, como eu espero que meus soldados vão enfrentar o perigo sem o auxílio do dopping? De que adianta ter uma equipe de Lance Armstrongs se na hora do aperto eles precisam de bicicletas com rodinhas pra correr?

Então não, não tomo. Se puder evitar, tô fora. Assim, meu corpo fica forte (por dentro, por fora eu ainda preciso inventar pra moça do trabalho que eu desloquei o pulso e por isso não posso levar o galão de água da cozinha lá pra sala) e eu só fico doente a cada volta completa de Urano ao redor do Sol.

Isso tem alguma base científica? Não, nenhuma (até porque desde que eu nasci Urano não chegou nem perto de completar a volta). Eu recomendo para as outras pessoas? Não, não venha dizer que a culpa é minha. Mas estou bem, estou vivo, estou quase sempre gozando de perfeita saúde, apesar de contrariar todos os bons conselhos da medicina e da minha mãe (em ordem crescente de sabedoria). Então vocês avaliem aí se esse negócio de ficar engolindo remédio para cada dor no cílio é mesmo uma boa estratégia (mas qualquer que seja a conclusão, não me responsabilizem).

Claro que eu tenho só 29 anos e que muita coisa ainda pode acontecer e que, se todos esses milênios de avanços científicos serviram pra alguma coisa, tudo isso vai cobrar seu preço lá na frente e um belo dia eu estarei andando na rua e de repente meu olho vai cair, meu pé vai virar ao contrário e minha cabeça vai ficar do lado da minha virilha. Mas até lá: chupa Pfizer, chupa Novartis, chupa Aché.

Aí acontece igual no Jardineiro Fiel e eles me matam.

terça-feira, 11 de março de 2014

Professor Futebol

Quem gosta de futebol ou pelo menos acompanha os noticiários sabe que nas últimas semanas apareceram alguns casos de racismo, em jogos na América do Sul e mesmo dentro do Brasil (na Europa tem todo dia, nem é notícia mais). Também começou-se uma discussão tímida sobre homofobia após os gritos da torcida corintiana direcionados aos são paulinos (que não é um tratamento exclusivo dos alvinegros paulistanos, diga-se) e vez ou outra uma árbitra ou auxiliar mulher comete algum erro e o machismo vem abaixo.

Os argumentos que relevam ou defendem os fatos baseiam-se naquela história de que foi sempre assim, futebol é isso mesmo, pra provocar o rival vale tudo e tal. E a provocação é o combustível do jogo, concordo: futebol sem zoeira é igual esporte olímpico. Mas acho que pra um esporte que goza de tanto prestígio, influência, importância e adoração popular, passou da hora de deixar de ser apenas esse microcosmo de isolamento moral onde certas coisas são permitidas desde que dentro daquele contexto. Tá na hora do futebol ser exemplo.

Ora porra, vejamos: muito dinheiro é investido no futebol, seja privado, seja público (no último caso é o seu próprio dinheiro, no primeiro caso é de olho no seu próprio dinheiro). Atletas e parasitas associados ganham muita grana, fama, poder, admiração. São parte essencial do movimento popular cotidiano e alvo da dedicação de todo tipo de gente, esses idiotas apaixonados por um esporte babaca que somos nós. E só o que o futebol dá de volta é "entretenimento"? É só esse cirquinho? Tirando ações filantrópicas de atletas mais abonados (muitas vezes mais pelo evento que pela causa) e aquela velha dinâmica do menino-que-poderia-estar-roubando-mas-se-encontrou-no-esporte, o que diabo o futebol realmente entrega pra sociedade que dá a ele sua alma?

Bosta nenhuma, eu digo. E chega dessa porra. É pouco, é nada. Uma máquina dessa proporção, com braços desse tamanho, tem que fazer muito mais. O potencial do futebol para melhorar a sociedade ao seu redor é imensa. Mas ao invés de cobrarmos dele exemplos, entregamos (ao jogo e a nós mesmos, torcedores circulando o gramado) apenas privilégios, o direito de xingar o outro de macaco, de viado, de vagabunda, o direito de chamar o outro de favelado como se isso fosse ofensa, o direito de sentar o dedo no cara da camisa de outra cor sem precisar responder por isso. O futebol deveria ser um instrumento para explicar pra um mundo cada vez mais atrasado e pra essas crianças que veem os seus Batmans no gramado de meião e chuteira que provocar é uma coisa, tirar sarro é uma coisa, ser intolerante com a condição alheia é outra.

E não é só porque eu tenho horror a esse humor de estereótipo, e também não é que eu seja o torcedor de comportamento ideal (e há exemplos - 1, 2 - no blog), o caso é que o futebol é uma delícia e é ótimo como expurgador de demônios. Só que ao invés desses demônios morrerem, eles vão se aconchegando nos espaços vazios da arquibancada e trazendo o pior de cada um de nós à tona. E, meu amigo, se a sociedade já é feia quando finge ser civilizada, imagina quando se deixa levar. Talvez haja um dever social muito maior aqui do que o próprio jogo, e já é mais que hora de fazê-lo prevalecer, sendo você um torcedor, um jogador, um cartola, um profissional da imprensa.

E se há quem diga que isso deixa o futebol chato, eu rebato: se você acha chato um jogo como esse Corinthians x São Paulo do último domingo só porque não pode expressar seus preconceitos em voz alta, seu problema não é com o futebol. Acorda.