segunda-feira, 14 de abril de 2014

Homem não chora

É sabido, cá entre os habitantes desse planeta, que homem não chora. Ou que não deve chorar, pra ser mais preciso. É uma imposição de conduta, como tantas outras com as quais a gente se habituou a viver, e baseia-se na ideia de que não é produtivo nem abonador para um humano do sexo masculino demonstrar emoções, pois todo homem deve ser um deserto sentimental, uma muralha psicológica e uma máquina no cumprimento de suas funções de macho, porque, sabemos, é bem difícil caçar antílopes com os olhos cheios d'água.

Mulheres choram. Mulheres tem lá seus hormônios, tem lá seus sentimentos, mulheres são frageizinhas, ui, que florzinha. E homens não podem ser como mulheres, porque precisam ser melhores pra manter de pé toda essa estrutura paternalista que precisa existir, porque vai que desaba isso e o mundo vira um lugar melhor. Nem pensar. Então desenhamos nossa complexa arquitetura das atribuições de cada gênero na mecânica da sociedade, em que o homenzinho (representado pela cor azul) não chora e a mulherzinha (representada pela cor rosa) chora um bocado, enquanto lava nossas roupas e põe nossas cervejas no congelador.

Só que o mundo não é assim tão simples e as convenções mudam ou se desencaixam com o estado corrente das coisas, então há os homens que choram, seguros de seu mapa emocional, despreocupados com o tribunal social. Bom pra eles. Mas, ainda que amolecidos os padrões, se você é um homem e tem essa mania besta de fazer escorrer água pelos olhos, precisa dessa confiança no seu próprio taco.

E o que fazer quando você não é lá muito seguro mas chora feito um pano molhado sendo torcido? Eu tenho um amigo (não vou citar nomes, ele prefiro ficar anônimo) que chora mais do que é recomendado não só para um homem, mas também para uma mulher, para uma criança e para um cavaco numa feijoada no sabadão. E não é que ele chore porque é triste e o mundo é cruel, é quase um protocolo de reação solitário. Ficou confuso, mas vou explicar melhor.

Esse meu amigo tem essa mania boba, coisa de quem levou surra de menos e assistiu Chaves de mais, de responder tudo com piadinha, com comentariozinho sem graça. É como um tenista que, mal preparado nas categorias de base, só devolve a bola de um jeito. Mas e quando não é exatamente tênis, pois não há uma contraparte? Quando tem uma máquina cuspindo bolas do lado de lá, mas não tem pra quem ele rebater? Ele chora.

Tá vendo um filme, e o filme é triste: chora. O filme é feliz: chora. O filme é uma merda: chora. Não acontece nada no filme: chora. Vê um episódio de uma série, alguém consegue um objetivo: chora. Alguém não consegue: chora. Alguém se apaixona: chora. Alguém é eleito presidente das Doze Colônias: chora. Ouve uma música triste: chora. Ouve uma música bonita: chora. Ouve uma música ruim: troca de música, também não é assim.

E ele só chora quando está sozinho em um espaço fechado e sem risco de ser flagrado. Não porque em público ele saiba se controlar; na verdade, é justamente por isso que toda fruição de entretenimento ele faça sozinho. No cinema ele vai pouco, mas tá escuro e dá pra disfarçar. Em shows ele dá umas escorregadas também e eventualmente canta "you're asking me will my love gro-o-o-ow" entre soluços, mas também dá pra esconder um pouco. De resto, sua persona pública mantém os olhos secos, o coração duro e as emoções trancadas, porque ele tem uma reputação a zelar e não vai pegar bem se as pessoas começarem a achar que ele é mole desse jeito. Não, esse meu amigo é machão, carrega a bandeira da tradição masculina de outrora, do tempo que homem não chorava, não amava e não depilava o peito. Deu a impressão que esse lugar reservado onde meu amigo chora é dentro de um armário, mas também não é por aí.

 O caso é que nem o mundo está muito preparado para um banana sujeito sensível desses nem esse pamonha sujeito está muito preparado para esse mundo. Mas esse meu amigo se permite sonhar, sonhar com um dia em que ele possa chorar na rua sem ser recriminado, com um dia em que ele não precise usar sua rinite pra disfarçar os olhos molhados. Com um dia em que ele possa escrever na primeira pessoa.

Ou ele pode parar de ser otário, mas tá mais fácil o mundo mudar primeiro.

3 comentários:

Babi gothardo disse...

Mais um dos incríveis textos do vida de bosta! = )

Leandro de Andrade disse...

Sou teu fã Padula. Texto minunciosamente escrito, parabéns!

Fernanda Teshima disse...

Adorei o texto, muito sensível, muito singelo (tive que procurar essa palavra, por que ninguém a usa mais?), muito emocionante... chorei.
Mas sabe que essa história de chorar em público não pega bem pra mulheres também né? Sempre tem um imbecil que olha pra sua cara, apontando o dedo, rindo, e pergunta: nossa, tá chorando?? Não, não, to com superávit hídrico.