terça-feira, 11 de março de 2014

Professor Futebol

Quem gosta de futebol ou pelo menos acompanha os noticiários sabe que nas últimas semanas apareceram alguns casos de racismo, em jogos na América do Sul e mesmo dentro do Brasil (na Europa tem todo dia, nem é notícia mais). Também começou-se uma discussão tímida sobre homofobia após os gritos da torcida corintiana direcionados aos são paulinos (que não é um tratamento exclusivo dos alvinegros paulistanos, diga-se) e vez ou outra uma árbitra ou auxiliar mulher comete algum erro e o machismo vem abaixo.

Os argumentos que relevam ou defendem os fatos baseiam-se naquela história de que foi sempre assim, futebol é isso mesmo, pra provocar o rival vale tudo e tal. E a provocação é o combustível do jogo, concordo: futebol sem zoeira é igual esporte olímpico. Mas acho que pra um esporte que goza de tanto prestígio, influência, importância e adoração popular, passou da hora de deixar de ser apenas esse microcosmo de isolamento moral onde certas coisas são permitidas desde que dentro daquele contexto. Tá na hora do futebol ser exemplo.

Ora porra, vejamos: muito dinheiro é investido no futebol, seja privado, seja público (no último caso é o seu próprio dinheiro, no primeiro caso é de olho no seu próprio dinheiro). Atletas e parasitas associados ganham muita grana, fama, poder, admiração. São parte essencial do movimento popular cotidiano e alvo da dedicação de todo tipo de gente, esses idiotas apaixonados por um esporte babaca que somos nós. E só o que o futebol dá de volta é "entretenimento"? É só esse cirquinho? Tirando ações filantrópicas de atletas mais abonados (muitas vezes mais pelo evento que pela causa) e aquela velha dinâmica do menino-que-poderia-estar-roubando-mas-se-encontrou-no-esporte, o que diabo o futebol realmente entrega pra sociedade que dá a ele sua alma?

Bosta nenhuma, eu digo. E chega dessa porra. É pouco, é nada. Uma máquina dessa proporção, com braços desse tamanho, tem que fazer muito mais. O potencial do futebol para melhorar a sociedade ao seu redor é imensa. Mas ao invés de cobrarmos dele exemplos, entregamos (ao jogo e a nós mesmos, torcedores circulando o gramado) apenas privilégios, o direito de xingar o outro de macaco, de viado, de vagabunda, o direito de chamar o outro de favelado como se isso fosse ofensa, o direito de sentar o dedo no cara da camisa de outra cor sem precisar responder por isso. O futebol deveria ser um instrumento para explicar pra um mundo cada vez mais atrasado e pra essas crianças que veem os seus Batmans no gramado de meião e chuteira que provocar é uma coisa, tirar sarro é uma coisa, ser intolerante com a condição alheia é outra.

E não é só porque eu tenho horror a esse humor de estereótipo, e também não é que eu seja o torcedor de comportamento ideal (e há exemplos - 1, 2 - no blog), o caso é que o futebol é uma delícia e é ótimo como expurgador de demônios. Só que ao invés desses demônios morrerem, eles vão se aconchegando nos espaços vazios da arquibancada e trazendo o pior de cada um de nós à tona. E, meu amigo, se a sociedade já é feia quando finge ser civilizada, imagina quando se deixa levar. Talvez haja um dever social muito maior aqui do que o próprio jogo, e já é mais que hora de fazê-lo prevalecer, sendo você um torcedor, um jogador, um cartola, um profissional da imprensa.

E se há quem diga que isso deixa o futebol chato, eu rebato: se você acha chato um jogo como esse Corinthians x São Paulo do último domingo só porque não pode expressar seus preconceitos em voz alta, seu problema não é com o futebol. Acorda.

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