sexta-feira, 4 de setembro de 2009

O punk da periferia

Fuçando nos meus arquivos no computador do trabalho, encontrei esse texto, de fevereiro de 2008, que jurava ter publicado. Como ainda pego o mesmo ônibus, continua valendo.


Julgar as pessoas pela aparência é feio, muito feio. Mas às vezes é necessário, e vou fazer minha defesa pessoal.

Sim, eu julgo. Mas é por um motivo muito nobre. Veja bem: no caminho do trabalho pra casa, eu pego um ônibus em Pinheiros pra Perus, e desço em Pirituba (língua do P?). E Pirituba, por mais que seja um lugar pelo qual eu tenha um carinho especial, é lugar de gente feia.

Não só feia, mas... Olha só: normalmente eu entro no ônibus já com todos os assentos ocupados. Qual o segredo? Ficar de pé ao lado de alguém que vá descer antes de Pirituba. Entende onde eu quero chegar?

O perfil piritubano é diferente do perfil de Pinheiros. No primeiro, reina a aparência humilde, a roupa de operário, o sotaque nordestino. No segundo, o 'arrojamento', o 'ecletismo', o visual 'alternativo'. É nesse tipo de pessoa que eu colo.

Dia desses, por exemplo, andando pelo corredor em busca de uma presa, vi um rapaz de barba propositalmente mal feita, piercing na orelha e All Star preto no pé. Lia a biografia do Eric Clapton. Parei do lado.

Normalmente esse pessoal desce ainda no começo do percurso, na Teodoro Sampaio. Mas o rapaz continuou lá, calmamente virando as páginas de seu livro. Às vezes, jogava um olhar na minha direção, provavelmente atraído pelos Rolling Stones que vazavam pelo meu fone de ouvido. Vamos lá, Clapton e Stones, ele não poderia me decepcionar.

Mas o caso é que vai rua, vem rua, curva pra lá, curva pra cá, página pra lá, página pra cá, e nada do cara descer. Um solo de saxofone estralou em Rip this Joint, ele olhou de novo. Voltou pro livro, virou mais uma página, e eu começo a ficar impaciente. Shake your Hips, Casino Boogie, em Tumbling Dice ele deu mais uma olhadinha. Virou pro livro, marcou a página, cutucou o cara que tava sentado ao lado, levantou, pegou o corredor, deu o sinal, e enfim desceu, quando começava Sweet Virginia.

Julgo sim, estou sentando. Tem gente que não julga e vai de pé.

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