sábado, 23 de março de 2013

Babacas

Eu estava num festival no interior de São Paulo, alguns anos atrás, e entre um show que eu queria ver e outro me sentava num canto mais afastado e ficava tomando Coca sem gás, comendo Trakinas de chocolate e desprezando as pessoas. Eu achava todos uns puta babacas. Os metaleiros, os indies, os grunges, os roqueiros de maneira geral, tudo babaca. O cara com o logo do Pantera tatuado no peito: rei dos babacas, parabéns, babaca.

Sério, o cara... não quero nem lembrar. Meu deus, que babaca.

Em algum momento no meio disso eu me liguei que estava lá eu, a centenas de quilômetros de casa, usando uma capa de chuva/saco de lixo azul, esperando pra ver uma banda mínima e com a qual ninguém se importa, sozinho. Caiu um raio de autocrítica, e enquanto eu era eletrocutado, na minha frente ficava piscando "o babaca sou eu". Tapa na cara, choque de realidade, é bom quando as coisas voltam aos seus lugares, por mais doloroso que seja.

Isso é cíclico. Eu passo períodos desprezando todo mundo e períodos sendo paciencioso, amável e prestativo. Eu odeio os primeiros. Porque para desprezar todo mundo deve-se aceitar a prerrogativa de que você é melhor que os outros - e esse é um terreno muito, muito perigoso.

Porque como a gente pode definir "melhor"? É quem é mais inteligente? É quem tem uma carreira mais próspera? É quem é mais feliz? É quem luta mais pelos seus direitos, quem não come animais, quem faz arte, quem reza mais, quem compartilha mais notícias revoltantes (normalmente falsas) nas redes sociais, quem tem o celular melhor que o do amiguinho ao lado? Como é que uma pessoa pode ser melhor que a outra?

Hein? Quem tem bom coração? Claro que não, não fala bosta.

O curioso é que, segundo as regras do jogo, melhor é quem despreza mais. Para desprezar eu preciso ser melhor, pra ser melhor eu preciso desprezar. É fácil assim, né? Não precisa de treino, nem de virtudes, nem de esforço: só uma cara de bosta, um punhado de indiretas, umas opiniões roubadas e um sotaque paulistano (brinks glr).

Todo mundo quer ser melhor, todo mundo quer ser uma boa pessoa, mas ninguém quer ter muito trabalho, porque sacomé, dá trabalho. Então finjamos, atuemos, forjemos essa aparência imaculada e assustemos os outros. Quem faz mais cara feia pode mais, quem não consegue que fique aí se sentindo inferior. É tipo um branding da virtude, até isso nós conseguimos arruinar.

Então eu fico entre essas duas fases, e no final das contas ainda não consegui descobrir qual é a real: eu sou um babaca que às vezes se reprime ou uma boa alma que se corrompe? É provável que eu seja os dois. Não é estranho que a gente precise se adaptar tanto ao mundo que acabe nem sabendo mais como é de verdade? Eu, hein.

(Prometo que o próximo post vai ser engraçado.)

terça-feira, 12 de março de 2013

São tantas emoções

Eu não sou um estudioso sobre qualquer assunto, porque tenho preguiça de estudar. Assim como também não me interessam tanto a filosofia e a teorização, porque eu canso rápido das coisas, antes de dar tempo de me aprofundar o bastante. Mas existe a curiosidade, e a linguagem é algo que vez ou outra atravessa o meu caminho, por escrever (mal) com frequência (pra ninguém). Lembre-se disso, volto em breve.

Eu gosto do Roberto Carlos, não assim tanto meu deus é o rei se ajoga nos pé do véio mas o suficiente pra procurar nas músicas dele amparo em tempos de cambaleamento. Tenho gosto especial pelas letras, tão simples, tão desinteressadas de floreio artístico. E, como jovem adulto retardatário na corrida da vida, há duas ou três canções que já fizeram o papel de amigo nos momentos de incerteza (não aquela do milhão de amigos).

Então estava eu hoje ouvindo coisas no Youtube e acabei sendo puxado por curiosidade para um vídeo da Fernanda Takai cantando Você já me esqueceu, que eu gosto. Aí, meh e tal, fui ouvir a original. Atraído como sempre sou para os comentários, me peguei ficando embaraçosamente emocionado. O vídeo é esse, não vou inserir aqui porque tem que ir lá na página ler: http://www.youtube.com/watch?v=AMfEnz0X_2s


A primeira coisa que notamos é que os comentários são exageradamente bregas, sem nenhum polimento ortográfico, um horror. E, credo, são pessoas falando dos próprios sentimentos. Gente com saudade, gente arrependida, gente que perdeu um grande amor. Ah, pobres vassalos do sentimentalismo, vítimas ignorantes do próprio sistema límbico.

Mas olha só, e aí entra a linguagem que eu falei: esse é o jeito como as pessoas menos interessadas na escrita e mais preocupadas com as coisas práticas da vida (como todos nós deveríamos ser, afinal) aprenderam a se expressar. São frases de efeito batidas, sim, são mal escritas, sim, mas são sinceras (ou eu estou cometendo um erro vergonhoso), e é só isso que deveria importar. Essas pessoas não foram instruídas nas bases da estética literária que vem com uma educação formal bem estabelecida e nem foram besuntadas de cinismo por crescer em uma geração que não luta por nada além da própria felicidade (e falha miseravelmente). Esses coitados tão ali abrindo os seus corações e derramando desajeitadamente uma parte das suas próprias vidas que não interessa a ninguém - mas se sentiram encorajadas a fazer isso porque a música é uma feitiçaria braba, e meu deus é o rei se ajoga nos pé do véio. É tão triste, mas é tão bonito.

Esse post era bem menos gay na minha cabeça.

Sendo eu alguém que se aventura a escrever letras de música, torço pra que um dia as coisas que eu componho tenham esse mesmo efeito, de quebrar as correntes que dizem "vida que segue" e destrancar esses armários de emoções vergonhosas que todo mundo guarda num canto. Porém, isso envolve repensar o tipo de letra que eu faço, e não sei se, sendo um retardatário na corrida da vida, eu estou nesse ponto. Mas eu chego lá, nem que esteja com 42 anos escrevendo música pra moleque de 14.

Não é uma crítica a ninguém comentado no último post.

quinta-feira, 7 de março de 2013

Sobre mortos e vivos

Hugo Chávez morreu, mas não vou falar sobre ele; esse é um assunto sobre o qual eu não me permito dar opinião. Mas vai-se mais um desses anti-heróis carismáticos que a América Latina parece ter um talento especial para produzir. Chorão morreu, e também não vou falar sobre ele. Mas o fato desencadeou uma dessas séries de eventos que tem se tornado corriqueiros na internet em tempos de luto, e deles eu vou falar.

De um lado, comoção e tristeza. Era a voz de um geração, poeta da juventude, lerolero. Não gosto, tô fora, mas cada um sabe a dor que sente e eu respeito. Outros, no entanto, preferiram tentar entender porque as pessoas faziam luto e choravam por alguém que elas não conhecem, que não é o pai delas, cujas músicas são uma bosta e etc. É o tal do povo que acha que em algum momento da evolução da humanidade (eu chuto que seja a internet 2.0) virou uma entidade com autorização celestial para validar o sentimento alheio. Vá entender.

Mas então tem a galera da piadinha. Eu, particularmente, mijaria na cara da mãe de cada pessoa que fizesse graça com a morte de um conhecido meu, mas humor também é bom e é preciso nessa era de tanta tristeza e solidão, beleza. O problema é que às vezes a coisa parece piada, mas é só maldade. Tipo, quando o cara faz uma enquete no Twitter pra saber quem deveria ser o próximo roqueiro brasileiro a morrer e as pessoas respondem "Dinho Ouro Preto, por favor", isso é ruindade pura. Eu não sentiria falta nenhuma do referido cantor, vejam bem, mas daí a pedir "por favor, morra", é um tanto demais. Porque não é que ele faça mal a alguém: a música é ruim, certo, mas até onde eu sei ninguém é obrigado a ouvir. Só que parece que existe essa dimensão paralela ao bom senso que misteriosamente tem acesso às redes sociais em que fazer música ruim é um crime punível com a morte.

Amigos, a morte é um negócio definitivo demais pra tratar com essa leviandade que guia nossas vidinhas urbanas. Só existe um motivo para alguém morrer, que, desculpem o clichê, é nascer. Mais do que isso é ponderação, julgamento e, normalmente, erro. Mas querer que alguém morra, me desculpem novamente, é só maldade. Não é esperteza, não é humor negro, não é "bom gosto" (vinte aspas), é mal-da-de.

E, voltando à tristeza pela morte do cara (eu não ia falar dele, pééém): não sei o que ele fez pela juventude, pelos skatistas, pela música brasileira (tenho um palpite não lisonjeiro sobre esse último). Uns vão julgar ele por todas essas coisas, outros vão lembrar do soco no Marcelo Camelo, e ficaremos nesse maniqueísmo bobo (aqui o nosso morto objeto de análise se assemelha ao morto do começo do texto). Mas cada um sabe onde dói - eu mesmo engoli uma lágrima ou duas quando o Levon Helm se foi há um ano -, e, a esses, meus sentimentos. Pra falar a verdade, os únicos momentos da minha vida que foram de alguma forma marcados pelo Charlie Brown Jr foram aquelas tardes de domingo em que eu e meu irmão ficávamos na arquibancada do Morumbi esperando o jogo começar e os falantes podres do estádio tocavam Lugar ao Sol repetidamente. Foram boas tardes, afinal.

quarta-feira, 6 de março de 2013

Atchim e espirro

Hoje, quarta-feira, 6 de março de 2013, completa-se um mês que eu tive a minha última crise de rinite (última até então, que fique bem claro). Esse é um recorde absoluto e maravilhoso que emoção obrigado satanás pela glória com que me iluminas. Imagine você que a frequência normal com que as crises de espirro e coçação de nariz me abatem é a cada 5~10 dias. E hoje vão-se 28 dias (fevereiro e tal) desde que eu acordei com o nariz arrebentado pela última vez.

Mas esse blog jamais vai tratar de um assunto que seja belo e inspirador, portanto estou pensando no futuro. Se você já teve algumas experiências nesse mundo e é capaz de reconhecer padrões deve saber que a lei que rege o universo é a do equilíbrio, na dúvida sempre pendendo pra piroca galática dilacerando a sua bunda. Sendo assim, óbvio é que isso vai dar merda. Um mês sem rinite é inaceitável para os padrões dos senhores do cosmos, então a compensação virá e não será dócil. Entra aquele efeito de redemoinho na tela, corta pro futuro.

É uma ensolarada manhã de dia útil, eu estou a caminho do metrô e começo a espirrar. Um, dois, três, quatro. "Opa", penso, "alerta". Entro no metrô, o nariz coça, coça, os olhos lacrimejam. Chego no trabalho, bom dia, bom dia, ponho a mochila no armário, o fone de ouvido no computador, a carteira na mesa e saco o spray nasal da caixinha. Dois jatos na narina esquerda, puxa, respira pela boca. Dois jatos na narina direita e algo dá errado, eu espirro de novo. E de novo. Três, quatro, cinco, seis, sete, oito, nove! É meu novo recorde de espirros consecutivos. Dez, onze, doze, cinco minutos, meia hora, uma hora, não para! Os colegas vão para suas casas, o prédio é evacuado, a agência de vigilância sanitária faz uma cerca ao meu redor com faixas listradas amarelas e pretas. Duas, três horas, aquilo que devia estar dentro de mim já está no meio das minhas canelas. Helicópteros sobrevoam, música do plantão na Globo. Um dia.

Quarenta dias. Dos prédios mais altos, veem-se os topos. Dos outros, só as lembranças. Todo o continente está encoberto por catarro. Sobreviventes flutuam em ilhas de catotas, ricos choram a perda de suas propriedades em albergues na Europa. Meu rosto, ou o que uma vez foi meu rosto, virou uma massa arroxeada sem forma. Os espirros cessaram, meu nariz não existe mais. Alguém me oferece uma Loratadina, a única que restou, salva como que por milagre, como uma rosa no deserto. E eu só consigo me lembrar daquele dia em que comemorei um mês sem uma crise de rinite.

sábado, 2 de março de 2013

Seguindo a canção

Comecei há algum tempo a seguinte rotina enquanto trabalho: entro no Youtube e pego um daqueles vídeos que tem um álbum completo. Precisa ser um álbum que eu nunca ouvi, não pode ser coletânea nem bootleg. Terminado esse (tem que ouvir até o fim), eu vou nos vídeos relacionados e clico em outro - também álbum, também nunca ouvido, também não-coletânea e não-bootleg, de preferência de um artista diferente.

É um bom jeito de preencher aquelas lacunas imperdoáveis na formação musical (na lista abaixo vocês vão ver várias) e de ouvir coisas que eu nunca ouviria se não fosse desse jeito. Eventualmente pode acontecer de as opções serem tão escassas que eu sou obrigado a clicar em algo que eu detesto. Faz parte. É uma roleta russa, com a óbvia vantagem que ninguém morre no final (tenho quase certeza que eu já escrevi uma frase muito parecida com essa em outro post). Também não dá pra prestar muita atenção assim e as audições são prejudicadas por conta disso, mas, se alguma coisa me fisga, eu vou e baixo depois. Digo, compro. Cof.

Tem sido uma experiência divertida, e é uma pena que não haja muitos álbuns brasileiros nesse mesmo esquema pra mesclar mais a lista. Como eu tenho todas as sequências registradas, só pela curiosidade, transcrevo abaixo. É legal ver como o Youtube considera que determinadas coisas são parecidas com outras, mas faz tudo parte desse espetáculo de imprevisibilidade que é a vida. Vida, nesse caso, sendo o algoritmo do Youtube.

Sem mais, ei-la:

Dia 1 (19/02/2013)

  1. Yo La Tengo - Ride The Tiger
  2. Brian Eno - Here Come The Warm Jets
  3. Devo - Q: Are We Not Men? A: We Are Devo!
  4. Blue Oyster Cult - Fire of Unknown Origin
  5. Jethro Tull - Stand Up
Dia 2 (20/02/2013)
  1. Oasis - Standing On The Shoulder Of Giants
  2. MGMT - Oracular Spectacular
  3. The Prodigy - Invaders Must Die
  4. The Velvet Underground - Loaded
  5. Miles Davis - Kind of Blue
  6. Norah Jones - Come Away With Me
Dia 3 (21/02/2013)
  1. Television - Marquee Moon
  2. The Kinks - Preservation Act 2
  3. The Jam - All Mod Cons
  4. Creedence Clearwater Revival - Bayou Country
  5. Jefferson Airplane - Surrealistic Pillow
  6. Bon Iver - For Emma, Forever Ago
Dia 4 (22/02/2013)
  1. Sweet Smoke - Just A Poke
  2. Fu Manchu - The Action is Go
  3. The Offspring - Smash
  4. The Black Keys - Brothers
Dia 5 (25/02/2013)
  1. Sonic Youth - Sister
  2. Spiritualized - Lazer Guided Melodies
  3. Modest Mouse - The Moon and Antarctica
  4. The Antlers - Hospice
  5. Godspeed You! Black Emperor - Lift Your Skinny Fists Like Antennas to Heaven
Dia 6 (26/02/2013)
  1. The Flaming Lips - Clouds Taste Metallic
  2. T. Rex - The Slider
  3. David Bowie - The Man Who Sold The World
  4. Pink Floyd - Wish You Were Here
  5. Ween - The Mollusk
  6. The Jesus Lizard - Goat
Dia 7 (27/02/2013)
  1. Beach House - Bloom
  2. Two Door Cinema Club - Tourist History
  3. Foster the People - Torches
  4. Dinosaur Jr - Without a Sound
  5. Van Morrison - Moondance
  6. Joni Mitchell - Blue
Dia 8 (28/02/2013)
  1. The Rolling Stones - Their Satanic Majesties Request
  2. Joey Ramone - Don't Worry About Me
  3. Dead Kennedys - Fresh Fruit for Rotting Vegetables
  4. Queens of the Stone Age - Queens of the Stone Age
  5. AC/DC - T.N.T.
Dia 9 (01/03/2013)
  1. The Clash - Combat Rock
  2. Rancid - And Out Come The Wolves

Nesse último dia eu resolvi parar a coisa pela metade, porque só tinha hardcore na lista e eu tenho mais de 16 anos. Retomo o projeto na segunda, ou não. Mas é divertido, recomendo que vocês façam, e, se fizerem, mandem a lista aí.