segunda-feira, 26 de maio de 2014

Suerte

Pode não parecer, pelas coisas que eu escrevo aqui, mas eu sou um cara de muita sorte. Claro que destaco os momentos contrários ou exagero a situação pelo apelo autodepreciativo, mas é fato que tenho mais sorte que a maioria das pessoas, haja visto que mesmo com minha evidente e avassaladora inaptidão em lidar com qualquer desafio que o mundo me apresente ainda não estou vivendo dentro de um esgoto com uma barra de ferro enfiada no estômago que eu não posso tirar ou vou morrer.

Hoje meus planos na capital catalã eram simples: pus o despertador pra tocar às 8, pra eu enrolar até as 8h30, pra sair às 9, pra comprar um chip com internet para o meu celular e então dar início às atividades do dia, que incluíam o Montjuic e o Parc Güell (esse eu tentei ir ontem, mas estava cheio e demoraria muito pra entrar, então empurrei pra hoje. Isso não tem a menor importância), dois espaços abertos. Guarde isso.

Pois o celular despertou às 8, eu pus no soneca, tocou às 8h10, soneca, 8h20, soneca e eu nunca mais soube dele até que acordei, no susto, às 10h41. Puta que pariu, puta que pariu! Levantei correndo, escovei os dentes correndo, troquei de roupa correndo e fui à rua, com as pálpebras ainda coladas pelas remelas e a calça vestida ao contrário (mentira). Chegando na rua, mais más notícias: chuva. Continuo. Descubro que meu tênis direito deve ter um furinho na sola, porque minha meia está molhada. Ótimo. Chego na loja da empresa telefônica, espero uma hora, sou atendido e o sistema cai. No mesmo instante em que o cara me pedia desculpas (na verdade ele não pediu desculpas, o povo aqui é meio - eufemismo - mal educado) o meu intestino me pedia permissão para abrir as comportas. Mais de uma hora depois de eu já estar atrasado duas horas, estou com a meia molhada, sem chip e voltando pro hotel com vontade de cagar. Eu atravessei o oceano, mas a minha sorte perdeu o voo.

Frustrado, fiz o que tinha que fazer (cocô) e voltei à rua. Vou mesmo assim, mesmo com meia molhada, mesmo com chuva na cabeça nos lugares abertos (embora vendessem guarda-chuva na saída do metrô, certas coisas são universais). Então o tempo, assim como a minha sorte, começou a mudar. Rodei meia cidade e, quando cheguei ao Montjuic, o céu já estava limpo e lindo. Quando peguei o teleférico para ir até o castelo no topo do monte, havia sol, céu azul e até calor. O castelo estava vazio e sem filas, excelente. A temperatura era boa, as gaivotas faziam "craaa" (ou o que quer que façam as gaivotas, ou o que quer que sejam aqueles bichos) e os gringos faziam "nhenhenhem" com suas caras rosas estúpidas. Agora vamos à avaliação lógica da coisa toda:

Eu tenho sorte pra caralho. Não porque o tempo mudou e ficou bom, porque isso não significaria sorte, significaria apenas um certo equilíbrio, já que eu me ferrei de manhã e a ferrada foi desativada à tarde. Acompanhe comigo: se eu tivesse acordado no horário certo, teria feito todo o passeio com chuva na cabeça e ainda provavelmente teria ficado com vontade de cagar quando estivesse bem no topo da montanha ou, pior, no ônibus, ou, pior, no teleférico. E ainda teria tuitado isso com meu super 3G no celular. Porém, ao cancelar essas duas horas de chuva com meu sono inconveniente, eu me livrei da chuva, cheguei ao topo da montanha junto com o sol e, como saí pouco antes da chuva acabar, também cheguei antes de todo mundo. Ou seja, minha sorte não anulou os efeitos indesejados dos acontecimentos da manhã, ela transformou-os em vantagens. E, mais pro final do dia, andando aleatoriamente pelas vielas de um bairro qualquer, ainda encontrei diversas coisas que estava procurando e não sabia onde achar (como diabo se diz "isopor" em espanhol?) e comprei o chip, finalmente, seco e sortudo. Ah, e vale comentar que na volta do castelo eu fiquei trancado no teleférico com três inglesas que estavam loucas de desejo e fizemos um montão de sexo.

Vai que cola.

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