Eu saí de solos paulistas às 18 horas da sexta-feira, com os sonhos pulsando e o nariz escorrendo. Duas horas depois cheguei a Salvador com o nariz ainda escorrendo, mas consegui comprar lenços de papel, pelo menos (ê). Na área de embarque a maioria era gringa e o castelhano povoava o ar da Bahia. Ao entrar no avião e avistar a comissária de bordo saudando a todos na porta, pensei que seria minha primeira troca de palavras no idioma dos colonizadores de nosso continente. Eu diria um "buenas noches", ela diria outro "buenas noches" e bacana, bom começo. Então eu cheguei, mostrei minha passagem e ela falou mais ou menos 10 mil palavras em 7 segundos e aquilo foi um choque de realidade tão grotesco que as próximas palavras dela, essas eu entendi, foram "señor, ¿por qué lloras?"*
Sentei na minha poltrona e ao meu lado sentou um espanhol, com sua cara boba e seus dentes tortos - aliás, inacreditável a qualidade dentária nesse continente. Dá a impressão de que dentista é uma daquelas profissões que só tem em alguns lugares, como limpador de neve ou jogador de futebol americano. Perdi a linha. Enfim, o espanhol sentou do meu lado. Liguei minha telinha e pus o fone de ouvido, e descobri que tava quebrada aquela merda. Paciência, não vamos fazer o classe-média-sofre agora. Aí olhei pro lado e o gringo tava assistindo O Hobbit 2 dublado em espanhol. Ver um filme ruim dublado quando a pessoa ao seu lado não tem nada só pode ser considerado ostentação.
Voei, dormi, acordei (e fiz a burrada de despachar minha escova de dentes com a bagagem maior, então imagina o meu bafo), chegamos a Madri, eba. Aeroporto estranho, gente esquisita e duas coisas me marcaram: como estava cheio de gente com uniforme do Real Madrid ou do Atlético esperando o voo pra Lisboa (a final da liga dos campeões seria realizada naquele dia em Lisboa entre os dois times da capital espanhola, caso você não seja desses ligados nas coisas que importam na vida) e como, agora, havia muitos idiomas mais no ar, mais uma coisa pra aumentar a apreensão do cara com mau hálito que parece terrorista. Nesse momento, senhores, eu confesso: senti saudade de casa pela primeira vez, 12 horas depois de tê-la deixado pra trás. Não de casa no sentido de "minha cama, minha bagunça", mas senti falta da minha terra natal, daquela gente com dentes certos, do meu idioma, puta que pariu. Houve uma hora que passou um grupo de quatro brasileiros, entre os 50 e os 70 anos, e eu fiquei seguindo eles só pra ouvir o doce som de um "nóis chega" ou um "preciso mijá".
O próximo voo, que seria o último, atrasou três horas. Fiquei chateado, fiquei impaciente, estava triste de saudade. Fui no banheiro, larguei um barro e não dei descarga*, pra deixar meu protesto contra esse lugar. Quando finalmente estava embarcando, todo mundo putão, um cara da companhia aérea explicou que aquele avião atrasou porque vinha de São Paulo e alguma coisa aconteceu. Lembro que tive dois pensamentos, sendo o primeiro "aff que conversinha um atraso é um atraso como pode uma coisa dessas" e o segundo "peraê, TINHA UM VOO DIRETO DE SÃO PAULO?!". Infelizmente não pude manifestar essa indignação verbalmente, dado meu limitado conhecimento do idioma, mas sorte que já tinha feito o protesto escatológico horas antes, caso isso fosse verdade.
Cheguei em Barcelona, enfim, e a cidade é bonita que só a desgrama. Todos falam comigo fazendo muitas mímicas, como se eu fosse um retardado (o cara do hotel estava me ensinando a usar a chave, sério), algumas pessoas perguntam se eu prefiro que elas falem inglês ou espanhol (e eu faço cara de "whatever", mas eu não falo "whatever" porque meu cérebro tá chaveado no espanhol e eu não sei falar "whatever" em espanhol - uma hora eu disse "tanto faz", mas a moça não entendeu), e eu só quero que elas falem português. Por esse motivo, em todas as atrações que visitei até agora que dispunham da opção, peguei o áudio-guia. Assim posso sempre me sentir em casa, mesmo que seja aprendendo sobre os pórticos da Sagrada Família com um portuga falando no meu ouvido.
Vale dizer que eu peguei um desses ônibus turísticos que dispõem de um guia em áudio e, nos momentos sem fala, toca uma música incidental que por vezes lembra coisas do Massive Attack. Então, com todo respeito, o Gaudí que se lasque, a coisa mais genial em Barcelona é o trip hop com o português contando a história da construção da cidade. Tem que ouvir isso, gente*.
* Mentira total ou parcial
domingo, 25 de maio de 2014
Sobre saudades do português (não o Manoel)
Postado por Thiago Padula às 17:20
Marcadores: Férias, I hate myself and I wanna die, Música, Viagem
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