- Vejam! É um tubarão!
Gritou o Carlinhos, que àquela hora estava na parte da frente da caixa de papelão embarcação, ao avistar o baldinho vermelho virado de com a boca pra baixo.
- Um tubarão vermelho!
A angústia tomou conta da tripulação. Qualquer um com menos de sete anos sabe que os tubarões vermelhos são os piores, verdadeiros monstros do mar preparados para virar barcos e devorar navegantes.
- Só há uma coisa a fazer! - pronunciou com voz empostada o Douglas, que era sabidamente a referência intelectual no barco - Devemos oferecer uma virgem em sacrifício!
Carlinhos e Maria se entreolharam, confusos. Que diacho é uma virgem?
- Que diacho é uma virgem?
- Ora, uma virgem, uma virgem é... isso! - e Douglas demonstrou a salvação para seus problemas, com pompa e magnificência.
- Isso é uma folha de árvore - disse Maria, cética como não deveria ser com essa idade. Ela deveria estar alimentando sonhos, gritando loucuras, achando que tudo vai ficar melhor, até que a vida encontrasse a idade mais adequada pra dizê-la que não, tsc tsc, sem chance. Talvez a vida já tenha feito isso, no ano passado, quando seus pais se divorciaram.
- Uma folha de árvore é uma folha na árvore - pronunciou Douglas, sempre pomposamente, tendo o cuidado com as palavras que prenuncia um novo Allen Ginsberg, ou quem sabe só uma pessoa muito chata - Uma folha sem árvore é uma virgem, como todos deveriam saber.
Eles ficaram quietos por um segundo, porque talvez todos devessem saber mesmo. Como puderam ser tão descuidados de sair para enfrentar os faniquitos do alto-mar sem nem estudar primeiro?
- Bom, então a gente joga isso pro tubarão, certo? - fez Carlinhos, o prático.
- Bem... sim, é, isso - Douglas não conseguiu inventar nada mais interessante em cima da hora.
- Então me dá aqui.
Carlinhos tomou a folha virgem em sua mão, mirou-a contra o horizonte e atirou-a ao mar. O vento só teve o trabalho de carregar aquilo pra outro lado, lá pra calçada.
- Puta merda, agora fudeu!
Maria gritou a plenos pulmões. Ela aprendeu esses palavrões ouvindo os pais brigarem, mas não tinha permissão pra dizê-los. Bem, mas agora sua vida estava por um fio, então qual o problema? Ela teria acendido um cigarro ali, se tivesse um cigarro. E um isqueiro. Mas era o alto-mar, não tinha nada disso, só desolação e os três e o tubarão vermelho.
- O que a gente faz agora, Douglas? - Carlinhos perguntava legitimamente apavorado e segurava o amigo pelos ombros.
- Temos que remar o mais rápido que pudermos!
Agora, deixe-me dizer que é claro que esses meninos não tinham um domínio tão completo da língua portuguesa. Afinal de contas, eram apenas lobos do mar, mais acostumados ao grasnar das gaivotas que ao raspar das páginas dos livros virando. Mas você pode imaginar uns "sic" aqui e acolá.
Pegaram seus remos, meteram-nos na grama água e puseram-se a navegar para tão longe quanto possível. Infelizmente crianças são burras e, com um remando de um lado e dois de outro, o barco perdeu equilíbrio e - oh, não! - virou.
VIROU!
Fez splash! na água e teriam gritado "homem ao mar" se não fossem eles mesmos os homens. Ali estava o tubarão, e ali estava seu destino. Maria gritou "caralhoooo!" (ela nunca se sentiu tão livre, a vida é mesmo uma prisão), Douglas olhou para Carlinhos e tascou-lhe um beijo na boca. Carlinhos meio que gostou. A sociedade é uma prisão. Estavam eles no mar, lá vinha o tubarão, tam-tam-tam-tam-tam-tam. E eles sabiam que tinham chegado ao fim porque ouviram o chamado do além, e ficaram surpresos porque descobriram que deus era uma mulher e reclamava que eles estavam sujando suas roupas. "Alguém precisa reescrever os 10 mandamentos", pensou Carlinhos, mas já era tarde demais. Era hora de ir pra casa.
- Bucetaaaaa!
Maria estava se divertindo com esse negócio de morrer.
quinta-feira, 27 de fevereiro de 2014
O tubarão vermelho
Postado por Thiago Padula às 20:51
Marcadores: Histórias avulsas, Morte
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