Meses atrás eu comprei o Manual de Sobrevivência dos Tímidos, um guia-chacota sobre a timidez e como se portar num mundo que tem a comunicação como força gravitacional. Eu sou tímido de carteirinha, de cabeça baixa e voz pra dentro, de pouca fala e pouco riso. Nas minhas andanças por esse mundão de meu deus (leia-se Freguesia do Ó, Pinheiros, Ipiranga e av. Paulista), conheci poucos cuja introspecção rivalizava com a minha. Assim eu pensava.
Porque um fenômeno curioso desdobrou-se diante dos meus olhos cada vez que eu mostrava o livro a alguém: boa parte das vezes, a pessoa dizia que eu nem era tímido.
Por alguns segundos me batia uma sensação desagradável, como se eu estivesse vivendo uma mentira. Será que pensei o tempo todo ser recolhido em meus receios quando na verdade desfilo de samba no pé e sorriso no rosto pela passarela da extroversão? Alguns segundos depois, vinha a segunda onda, a da mureta: talvez eu não seja assim tão tímido quanto pensei, talvez até seja saidinho um pouco.
Mas então eu pensava que todos que me diziam isso eram pessoas com as quais eu estava habituado a conviver há anos, muitas vezes até num âmbito doméstico. Ora, falar com gente assim não é ser expansivo, é ser normal (o que eu também não sou, mas por outros motivos).
Também é de se observar que timidez não tem só a ver com falar. Separei para vocês algumas características definidoras importantes, vejam no quadro negro:
Iniciativa: para qualquer interação social acontecer, alguém precisa dar o primeiro passo. E dar o primeiro passo significa sempre dizer "foda-se" para a mais popular questão entre jovens na puberdade (ou homens de qualquer idade): quem perguntou? Pessoas extrovertidas estão pouco se cagando para essas coisas, eles estão desprendidos da expectativa boba de terceiros. Mas aos tímidos, vixe, deus nos livre invadir o espaço de alguém convocando a atenção dessa pessoa para algo que, se ela tivesse mesmo interesse, teria perguntado primeiro. Socorro.
Contra-ataque: mas digamos que a outra pessoa tenha mesmo começado o assunto, e por algum motivo seja esperada de você uma resposta. Quando é só uma pergunta direta ("você é casado?", "pra que time você torce?") é tranquilo. Mas e quando é uma coisa mais etérea, subjetiva, ou quando não é exatamente uma pergunta mas você precisa preencher o espaço que se alarga e grita após o ponto final da outra parte ("essa fila não anda.")? Puta merda, puta merda. Responder o que? Um "é foda"? Coisa mais sem graça, a pessoa vai achar que você não quer falar com ela (o que obviamente é verdade, mas lembre-se que "foda-se" só está no nosso vocabulário quando está entre aspas). Se responder com uma piadinha também é uma merda, porque 1) a pessoa pode estar lá putona, não querendo saber de gracinha; 2) ninguém entende as minhas piadas. Aí existe sempre a saída da resposta fácil padrão ("deviam abrir mais caixas"), mas eu particularmente fico um pouco incomodado com esse tipo de coisa porque a vida é tão maravilhosa e as possibilidades são tantas e a gente fica usando as mesmas respostas formuláicas pra tudo.
Mas elas funcionam, né, fazer o que.
Expressão tridimensional: você ocupa lugar no espaço, e só você ocupa esse lugar. Ele é seu, de mais ninguém! Infelizmente, isso traz certas responsabilidades. Como latifundiário desses metros cúbicos limitados pela sua pele, você precisa fazer valer a pena. Mas aí sua postura é uma bosta, seu zíper tá aberto, você anda de um jeito engraçado e vira a cabeça sempre uma fração de segundo depois de todo o resto do corpo, o que te deixa com aquele ar de ciborgue que acha que aprendeu todos os segredos humanos menos a amar mas na verdade não aprendeu quase nada dos segredos humanos. Você é desastrado e o ar nunca se encaixa bem ao seu redor, então a roupa nunca veste direito e a barba tem toda uma miríade de densidades pelográficas distintas espalhadas tão aleatoriamente que parece que foi de propósito. E você morre de vergonha por isso, claro, mas também não é capaz de apontar exatamente o que está errado, o que é sempre um terror (e nos leva ao próximo tópico).
Neura: e se eu estiver falando alto demais? E se tiver um mato no meu dente? E se o sorriso que eu dei não se configurou exatamente como um sorriso e a pessoa achou que eu tava pedindo silenciosamente pra ela calar a boca? E se usar esse :P não for o mais adequado para esse email enviado pra empresa inteira? E se eu roncar? E se minha cueca estiver com aquela aura marrom? E se eu num momento de desatenção deixar escapar que acho Muse uma das maiores atrocidades que já aconteceram aos meus ouvidos e não conseguir fingir talvez colocando no meio de um texto pra parecer que é um exemplo genérico e não a minha opinião de verdade e que eu preferia que um falcão desse um rasante na minha cara, arrancasse meu olho e logo atrás viesse um pombo e cagasse dentro do buraco que ficou a ter que ouvir uma música deles? E se eu for espirrar e acabar peidando junto? E se
Ora, eu sou tímido porque sou e pronto. Mas daí parece que "tímido" (como "nerd", mas já tratamos desse assunto anteriormente), virou uma insígnia que o cara aleatoriamente se atribui, porque deve ser legal por algum motivo. Estou frequentemente vendo gente se dizendo tímida sem passar nem perto disso. Outro dia mesmo vi uma autodefinição dessa da Britney Spears. Eu teria vergonha de chegar perto da Madonna; ela deu-lhe uma linguada. Ao vivo. Em rede nacional. Usando quatro centímetros quadrados de roupa. Nossa, como ela é introvertida.
A questão é que vivemos - kibarei - em uma expansivocracia, e num mundo em que as pessoas não estão em busca de respostas, estão em busca de desculpas. Eu tive professores na faculdade (sou formado em publicidade, não que me orgulhe) que diziam que naquela carreira não tinha lugar para timidez. Em primeiro lugar, tiremos isso da frente: tem lugar sim, para de ser babaca (embora isso talvez seja pré-requisito, sei lá). Mas claro que nada é mais fácil pra quem é reservado e menos talentoso no trato com os aspectos humanos da vida, então é meio comum por na timidez a culpa por certos insucessos nessa longa caminhada rumo à morte amiga. Então tem sujeito dizendo que é tímido pra justificar o mimimi; ora, deixa disso, campeão. Se você usa a minha desculpa, o que me resta?
É sério: eu conquistei essa ressalva para o fracasso com muito esforço, suor e gaguejadas. Vá caçar as suas próprias desculpas.
Ou tente melhorar, sei lá.
domingo, 24 de novembro de 2013
Timidez
Postado por Thiago Padula às 19:38
Marcadores: I hate myself and I wanna die, Verdades
Assinar:
Postar comentários (Atom)
2 comentários:
Não é timidez, é introversão. ;)
É tímido mas canta igual o Liam Gallagher nos shows e faz pose pras foto. Danado.
Postar um comentário