terça-feira, 13 de agosto de 2013

Ali, moço

Eu moro numa rua tal. Descendo ela e virando no final à direita, tem uma outra ruazona que vai até o metrô. Nessa outra ruazona tem uma escola de crianças pequenas. Nesse dia eu estava saindo de casa mais cedo (leia-se nove horas) porque tinha acordado duas horas antes pra ver meu tricolor perder (não vem ao caso). Ao atravessar a rua bem na altura da escola, noto que por uma pequena abertura no portão um grupo de quatro pequenotes de uns cinco ou seis anos de idade tenta alcançar algo na calçada. Eles, me vendo, começam a dizer:

- Moço, moço, pega pra gente, moço.

Melhor, três deles diziam isso. O quarto ficava só me olhando e repetindo:

- A gente tá numa escola.

Eu tava ali meio perdido, não havia nada na calçada além de folhas caídas, folhetos de mercado e um pote de chamyto amassado. Tentei então travar um diálogo com a criançada, o futuro do Brasil.

- O que vocês querem que eu pegue, seus pestinhas?

Mentira, eu não chamei eles de "seus pestinhas", porque isso seria muito de tiozão.

Só que imaginem que tudo isso não aconteceu como nesse texto, com vírgulas e quebras de linha. A coisa foi mais ou menos assim:

MOÇO PEGA PRA GENTE MOÇO Ô MOÇO a gente tá numa escola PEGA PRA GENTE MOÇO o que vocês querem que PEGA PRA numa escola GENTE MOÇO PEGA o que MOÇO a gente tá numa escola AÍ NO CHÃO seus pestinhas MOÇO MOÇO a gente PEGA MOÇO

Eu não conseguia saber o que eles queriam. Eu queria ajudar, fazer o bem para os pequenos dementes (NÃO É UMA ESCOLA PARA DEFICIENTES MENTAIS ENTÃO A PIADA NÃO É DE MAU GOSTO OK?) em busca de sua pokébola imaginária, só que eu tenho 28 anos e não consigo mais ficar por aí imaginando pokébolas. Eu trabalho, posso comprar as de verdade. Mas nada da gente chegar num diálogo (pentálogo?).

a gente tá numa escola PEGA ALI MOÇO PEGA PRA GENTE o que vocês ALI MOÇO o que NO CHÃO MOÇO PEGA a gente tá numa escola POR FAVOR MOÇO o que voc ISSO ALI MOÇO a gente tá numa escola MOÇO PEGA

Veja bem: eu tinha acabado de ver o meu time sofrer a derrota mais patética dos últimos meses (e os últimos meses foram pródigos em derrotas patéticas). Eu acordei mais cedo, dormi mal, estava saindo para o trabalho às ultrajantes nove da madrugada e ainda borbulhavam em mim aqueles desejos violentos incandescentes. Eu só queria saber o que diabo eles queriam pra entregar aquela merda e deixar eles felizes e ir trabalhar com minha consciência metropolitana satisfeita. Mas nós não conseguíamos nos entender. Não conseguíamos conversar. Todos seres humanos, do mesmo gênero (usar a palavra "sexo" num texto sobre crianças não deve pegar bem), da mesma vizinhança, todos unidos na frustração (eu com o futebol, eles com as grades que limitavam sua liberdade e seu desenvolvimento criativo), mas não havia comunicação. Desistindo, eu peguei o pote de chamyto e entreguei e parece que era isso mesmo que eles queriam. Quando foi que todas as crianças do mundo caíram de cabeça pra achar que Chamyto é melhor que Yakult? Quando foi que o barulho da cidade ficou tão alto que não conseguimos mais ouvir, só gritar? Por que aquele tapado daquele idiota ficava repetindo que eles estavam numa escola EU MORO AQUI CARALHO EU SEI QUE ISSO É UMA ESCOLA E MESMO QUE EU NÃO SOUBESSE O QUE MAIS EU PODERIA PENSAR QUE É ESSE LUGAR?

São tantas perguntas, e o mundo parece ser o lugar com todas as respostas. A gente está mesmo numa escola.

2 comentários:

Dani Perestrelo disse...

O São Paulo tá de deixando mal humorado, vou te levar num jogo da Lusa
:)

Thiago Padula disse...

Justo, é bom ver outro time se fuder pra variar.