Esse mundo é inadequado para uma pessoa simples e de nobre coração, como eu, por uma infinidade de motivos. E, subestimando a minha inteligência, ele faz questão de me reforçar isso o tempo todo, das mais diversas maneiras.
Uma dessas maneiras é o capitalismo. Não estou aqui levantando bandeira nenhuma nem chamando ninguém de camarada, entendam bem, mas o capitalismo tem suas características e seus efeitos colaterais, e em alguns desses eu normalmente levo na bunda. Escolha infeliz de palavras, mas sigamos.
Um negócio que eu detesto fazer, e que não cabe a um otário pacato consumista como eu, é o ritual da compra. Sabe, aquilo de pesquisar, por na balança, ir em mil lugares, pechinchar, chorar, falar que o cara do lado tá fazendo pela metade do preço, mesmo que do lado tenha um açougue e você esteja numa loja de bicicletas. Eu já acordo cedo de segunda a sexta, trabalho fiel e intensamente até o fim do dia, pego um transporte público lotado (tudo bem que só até a estação seguinte, mas mesmo assim), mais o sol, os prazos, as pessoas, a rede que só cai e toda aquela merda. Então, quinto dia útil, eu recebo meu dinheirinho. Pra mim, o trabalho tem que acabar aí.
Eu só quero uma rotina livre de complicações. Quero chegar na loja e dizer "quero podruto, tó diêro". Na maioria das vezes eu sequer pergunto o preço antes (estamos falando aqui de produtos relativamente baratos, também não estou assim tão abonado). Mas o tal ritual de compra tem um roteiro estabelecido, e você tende a se ferrar se não o segue à risca. E, também, não basta apenas seguir o roteiro, é necessário algum talento nas artes do jogo pra passar à próxima fase. Vejamos um exemplo (verídico) dessa falta de talento.
T. P. (estou usando as iniciais para não revelar a identidade da pessoa): Moço, moço, psiu, moço, tem LittleBigPlanet aí?
Vendedor: Tem.
T. P.: Puxa, não encontrei em nenhum outro lugar. Quanto custa?
Vendedor: 190 reais.
T. P.: Nossa, tá caro. Dá desconto?
Vendedor: Não.
T. P.: ...
Vendedor: ...
T. P.: Tá bom, aceita cartão?
Vendedor: Tem acréscimo de 5%.
T. P.: Fechado!
Vê, eu (assim como o personagem do evento descrito acima, uma pessoa aí que eu conheço) não sou bom com relacionamentos interpessoais, e poderia linkar aqui vários posts desse blog que falam sobre isso, mas peguei dois aleatoriamente. Eu não sei conversar com pessoas, nem transmitir emoções e intenções e, o pior de tudo, eu não tenho nenhuma força de vontade. Pessoas são minha kryptonita, eu fico exposto 30 segundos num diálogo aberto e já sinto fraqueza e vontade de ir chorar no colo da minha mãe. Assim, é fácil me enrolar, e essa relação é de duas vias. Por exemplo, quando eu trabalhei num estande na Bienal do Livro:
Clienta, segurando um dicionário de espanhol: Quanto custa?
Eu, pegando o livro e passando na leitora de código de barras (bip!): 20 reais.
Clienta: Tá bom.
Eu: Vou te dar um desconto.
Vou fazer uma pausa aqui. A gente só devia dar desconto se o cliente pedisse ou fizesse cu doce. A tal clienta nada disso fez. Mas tava com cara de mau humor, e eu fui derretendo, e lancei por reflexo a primeira frase que me veio. Dito isso, entenda que o desconto que nós podíamos dar para livros nacionais (o caso do dicionário aí) era de 10%. Play:
Clienta, com cara de "ahn?": Ahn... certo.
Eu, o gênio da matemática, sem nem procurar calculadora ou parar dois segundos pra pensar: Fica por 15 reais.
Clienta: Tá.
Vou cortar o resto aqui porque ainda fico com vergonha de lembrar da cara que fez a menina do caixa quando eu cheguei com aquilo. O que eu quero dizer é que o tal ritual de compra, tema desse post, passa necessariamente pela interação humana, e isso me causa alergia e enjoos. De modo que eu normalmente prefiro comprar na internet ou nessas lojas tão frias e impessoais que você entra, pega o troço sozinho, faz o bip sozinho, leva no caixa sozinho. Há casos em que isso não é possível, aí eu entro nessa dimensão de horror e sorrisos amarelos e fico tendo pesadelos por várias noites seguidas. E é por esse motivo que eu tenho comprado cada vez menos, o que acaba sendo bom porque eu junto uma grana e tal.
Até o dia em que eu vou sofrer de síndrome do pânico enclausurado na minha Caixa Forte. Parece um bom jeito de definhar e morrer, não?
segunda-feira, 28 de janeiro de 2013
Lost in the supermarket (2)
Postado por Thiago Padula às 19:44
Marcadores: I hate myself and I wanna die, Inutilidades
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4 comentários:
Adorei!!!
Adorei o post. Adorei o blog. Me diverti muito por aqui, de verdade! Vou voltar sempre que puder.
Bjão!
Não morre não.
Gosto muito dos seus textos.
Pq não escreve mais no blog corporativo?
Perdi o ritmo. Até tentei retomar, mas não rolou. Hoje em dia já tem gente fazendo coisa melhor com a mesma proposta, então vou deixar ele lá quietinho :)
Ah, então me conta quem é...amava os textos de lá. Vc é tão modesto...
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