Esse texto deveria ir para o Vida corporativa de bosta, mas como este é apenas um fantasma do passado arrastando suas correntes pela noite enquanto uiva o número do seu CNPJ, estamos aqui.
O estagiário, o amigo do blog deve saber, é o profissional novato, ainda não muito experimentado nas agruras do simulacro de pós-apocalipse que é o mercado de trabalho e que possui vínculo com uma unidade de ensino - o que é por si só bastante contraproducente, já que a pessoa passa metade do dia numa sala de aula aprendendo como fazer as coisas e a outra metade num escritório descobrindo que tudo que ensinaram na faculdade não se usa mais na vida prática há uns catorze anos.
Só que as raízes do organismo social caminham por direções inesperadas, e o estagiário, aquele que está lá para aprender, de repente virou o único e eterno responsável por toda bosta que acontece num prédio espelhado. O portal de notícias publicou o obituário do vereador enquanto ele ainda está vivo? Culpa do estagiário. A loja de departamentos respondeu grosseiramente à reclamação da cliente que foi soterrada pelo guarda-roupas que estava com uma perna bamba? Culpa do estagiário. A página do Facebook do canal de TV esportivo postou uma foto do Adriano Gabiru com um texto sobre o aniversário da Sharapova? O estagiário vai ser demitido kkk.
Sejamos razoáveis, amigos. Atribuir ao estagiário (nunca é "um" estagiário, é "o" estagiário, porque todos são a mesma merda) a responsabilidade por tudo que sai de errado nessa vida não é só bastante injusto como é covarde. Por debaixo dessa piadinha inocente sobre a inexperiência do jovem profissional há uma sutil afirmação: quem já tá nessa vida há bastante tempo criou sobre a pele uma camada invisível de fodeza que o torna imune ao erro. Se alguém errou, é o moleque. E, ora bosta, é esse tipo de hierarquização etária trouxa que torna a vida profissional uma coisa tão desagradável de encarar.
E você pode dizer que é só piada, que é só gracinha, e eu direi que de piada sem graça o mercado de trabalho tá cheio. E de gente que assume o erro, tá vazí. É mais fácil ficar na chacota de que o estagiário só erra, que o carioca é folgado, que o nordestino não gosta de trabalhar, que mulher bonita só tá em cargos altos porque deu pra alguém. Principalmente porque lá no fundo, eu sei (não me engane), muita gente acredita mesmo nisso. A vida corporativa é um mundo 2D em que estereótipos são verdades. E, como a gente trabalha mais do que vive, você já sabe o impacto negativo dessa história nas nossas vidas alegres.
E se você reparar que em determinado momento o texto deixou de ser uma alegre tiração de sarro e passou a ficar carrancudo e amargo, é porque foi nessa hora que eu descobri que o Bruce Springsteen vai tocar em São Paulo (depois de eu ter gastado os olhos da bunda para ir vê-lo no Rio). Queria ter um estagiário pra socar agora.
sexta-feira, 26 de julho de 2013
O estagiário, esse leproso
Postado por Thiago Padula às 14:56
Marcadores: Inutilidades, Verdades
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