Começou do nosso lado esquerdo, quando o ônibus do São Paulo desceu por uma ruazinha até a Praça Roberto Gomes Pedrosa. Era uma barulheira, aquele mar de gente, o ar entupido com gritos, rojões e "Arerê, São Paulo eu acredito em você" (em termos de trilha sonora, os épicos do futebol devem muito para os épicos de outros gêneros). Tudo isso misturado ao forte cheiro de bosta de cavalo e à alegria furiosa dos torcedores do lado de fora. Porque torcedor de futebol é isso, é sempre raiva, e aí mistura com alguma outra coisa. Naquele momento, era alegria e ansiedade.
Mas sempre raiva, porque o futebol, em que pese a irracionalidade inerente à apreciação do esporte, te torna uma pessoa ruim. Eu, que me acho boa gente, após a quarta ou quinta cera de Vitor, o guardametas da granja, me peguei desejando - e expressando em voz alta - que a mãe dele fosse arremessada por uma catapulta e o atingisse em cheio e os dois morressem (em termos de nobreza, os épicos do futebol devem muito para os épicos de outros gêneros).
Bola pra lá, bola pra cá, juiz filho da puta, Carleto burro, chuta essa porra pra longe, fim do primeiro tempo. Tremem as pernas, pode ser o frio, mas não é, nem fudendo, é medo, ansiedade, sei lá o que mais.
Começa o segundo tempo, bola pra longe, ae caralho, tomá no cu Gaucho, pênalti, pênalti! Cartão amarelo pro zagueiro, era pra expulsar, juiz maldito, tomara que seu saco pegue fogo enquanto sua mulher estiver fazendo um boquete e os dois morram carbonizados. Vai Rogério, caminha, para, vai pra lá, vai pra cá, CHUTA ESSA PORRA LOGO ROGÉRIO, ele chuta, o matricida não passa perto, gol! Não comemoro, o alívio é maior que a felicidade, alegria de pobre é sapato apertado (ver vídeo).
Canta, pula, bate palma, tomá no cu Galô, etc. O Atlético é uma nulidade, perfeita representação da própria história, mas foda-se o Atlético, tomara que o avião caia e todos os torcedores vão ao enterro e saia um gigante da terra e estupre todo mundo (em termos de malevolosidade, os épicos do futebol devem muito para os épicos de outros gêneros).
Segue, toca, toca, toca, olé, Ganso, Osvaldo, maior jogador do futebol brasileiro em todos os tempos, cruza, GOL! Agora sim, comemoração, Ademilson é o nome dele, mas o nome dele não importa, porque nomes são para pessoas, às multidões são reservados apenas o ruído, os movimentos caóticos e a loucura. Toca, toca, Richarlyson arrebenta o pobre Ademilson, um nome de pessoa, e a pessoa sai machucada. Dá mais uns minutos, apita o juiz, cabou essa merda, todos felizes, tudo está certo, parabéns ao Atlético, jogo honrado, time gigante, tenham uma boa viagem de volta a Belo Horizonte - linda, adorável cidade. Na Argentina, ganham os argentinos, e deus abençoe todo mundo, que os bolivianos façam uma boa viagem, não fiquem tristes, é só futebol (em termos de importância, os épicos do futebol devem muito para os épicos de outros gêneros).
O campeão é sempre campeão. Ele pode até ir. Mas volta.
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