A pandemia tem basicamente zero pontos positivos (não tente olhar os aspectos positivos de uma desgraça como essa, aliás; tá tudo bem achar tudo uma merda). E uma das coisas ruins nesse tsunami de negatividade foi que me deixou trancado num quarto com meus instrumentos, microfones e tempo livre. Aí eu gravei sozinho umas músicas velhas e, se você acompanha esse blog, já sabe que eu não tenho problema em compartilhar as tontices que eu faço. Então aqui está. Ele chama Autoajuda, são 6 faixas, e um dia quem sabe estará nas plataformas todas.
Depois de gravar eu resolvi experimentar com uns textos de alguma forma relacionados ao tema. Vou soltando esses textos aqui de tempos em tempos. Eis o primeiro:
Bom dia. Bom dia. Hoje eu *nnhhhhhhhhhiiiiiiii*... desculpa, gente, o menino do som não veio hoje, disse que tinha que levar a mãe no médico. Médico que atende domingo de manhã, essa é nova pra mim. Mas tá bom, vamos em frente. Melhorou aí, Nestor? Show, vamos em frente, vamos em frente. Bom dia a todos nessa bela manhã. Tô vendo umas caras conhecidas, bem vindos de volta. Tem umas caras novas também. Não fiquem tímidos, cheguem mais. Todos são bem-vindos aqui. Pode chegar mais, moça, como é o seu nome? Neuza, bem-vinda, Neuza. Nome da minha mãe. O dela era escrito com dáblio, acredita? N-E-W-Z-A. Meu vô achava chique. É. É. Haha. Chega um pouco mais pra frente, gente, senão fica muito perto da rua, é perigoso pra vocês. A essa hora tem cara que saiu da balada, tá mais louco que o Batman, passa aí a milhão e nem vê o que tem pela frente. Mais louco que o Batman. Minha sobrinha me ensinou essa. Chega mais, gente, chega mais. É um prazer ver que cada semana tem mais gente aqui. Sinal de que nosso trabalho tá chegando em mais pessoas. Prazer ter vocês aqui. O que eu queria falar com vocês hoje é… é de fome. Vocês já sentiram fome? Já? É, mas não é dessa fome que eu tô falando não, gente. Eu tô falando de fome de vencer. De conquistar. De garra. Sabe? Ambição, tem gente que chama assim. Quem aqui tem fome? Tem ambição? Quem acorda todo dia com um propósito, com aquela coisa de "hoje é o meu dia"? Pois é. O sol tá na minha cara, não tô enxergando muito bem, mas tô vendo umas mãos levantadas. Bom. Sabe o que a gente faz quando a gente tem essa fome? Quem aqui sabe? O rapaz ali no fundo parece que quer falar. É o que? Lutar? Tem que lutar? Ah, entendi. Gente, é o seguinte: não tem que lutar não. Não tem que ter ambição. Tem gente que fala "Nelson, você é louco. Como você fala essas coisas?". Eu falo. A ambição é a mãe do fracasso. Tem uma pessoa aqui, a Narinha, cadê Narinha? Ali ó, levanta a mão pro pessoal te conhecer, Narinha. Narinha chegou pra mim na semana passada, depois do nosso trabalho aqui, e falou: "eu tô preocupada com meu filho. Ele tá nessa de empreendedor, de startup. Disse que quer fazer um aplicativo pra sei lá o que". Falei: Narinha, isso é normal. O jovem tem dessas fases mesmo. É uma fase, só. Tem que deixar quebrar a cara, deixar se estropiar todo. Se tiver que vender o carro, vende o carro. Se tiver que pegar empréstimo, pega empréstimo. O jovem, ainda mais o jovem no Brasil, que é tudo fudido aqui mesmo, desculpa o palavreado, o jovem se alimenta de sonhos. E sonho não morre com a gente falando. Sonho morre é na paulada. É. É. Haha. É. Depois que tudo der errado, quando ele não tiver mais nada, aí ele vai entender que sonho não bota comida na mesa. O que põe comida na mesa é carteira assinada, ou o pejotinha mesmo, salário fixo. Quando o sonho morre, a alma morre junto. Quando a alma morre, nasce o bom empregado. É o ciclo da vida. Faz o que tem que fazer, não fica com cabeça nas nuvens. O bom trabalhador tem os pés no chão e os dentes no saco do patrão. Desculpa o palavreado. O bom trabalhador desiste quando tem que desistir. Desistir é bom demais, gente. Joga fora aqueles fantasmas, aquele peso. Isso cria câncer, saiu uma pesquisa aí outro dia, lá da Inglaterra. O negócio te corrói por dentro. Isso é angústia, né. Se é pra ter angústia, pega a angústia do patrão, que pelo menos tá te pagando. Ficar angustiado de graça ou se endividando pra isso não dá, né. É. Haha. O sonhador não desiste. O otimista não desiste. Não sabem o que tão perdendo. Tem uma palavra da moda que o pessoal usa agora, "guerreiro". Tudo é guerreiro. Até no futebol você vê lá a torcida cantando "time de guerreiro". Vocês sabem da onde vem a palavra "guerreiro"? Vem de guerra. Vocês sabiam? Você sabia? Menina esperta. O pessoal fala em guerreiro como elogio, mas guerra é bom onde? Vai lá tomar um tiro na cabeça pra que? Defender a pátria. Tem que defender nada não, gente. Não defendo nem minha reputação, vou defender pedaço de terra dos outros. Ainda é melhor isso que fazer aplicativo igual o filho da Narinha, mas pelo menos ninguém usa "startupeiro" como elogio. Imagina só a torcida do Flamengo cantando "time de startupeiro". Haha. Não dá, né. Haha. Às vezes a gente fala as palavras e não entende o que elas significam, e isso é um problema. Palavras tem poder. A guerra, como o sonho, ela tem um objetivo. Quando a pessoa alcança aquele objetivo - quando alcança, né, que é raro - faz o que depois? Acha outro? Faz outra guerra? Outro aplicativo? Fica sempre ali a chinchila correndo na roda? É chinchila que faz isso? Enfim, aquele rato lá. O povo fala mal de rato, fala que rato é o primeiro a abandonar o navio quando tá afundando. E tá errado o rato? Vai fazer o que, ficar lá bebendo água? Haha. Não dá pra ter sonho, gente. Quem quer viver bem acha o prazer na rotina. Todo dia lá. Acorda, manda lá o bom dia no zap, trabalha, almoça, vai embora do trabalho, ouve um rádio, lê um livro, brinca meia hora com o filho, com a filha, assiste TV com o marido, com a esposa, com os maridos, sei lá. Às vezes faz lá um rala-e-rola, mas só de vez em quando, que é pra não ficar muito feliz. O negócio é ter uma vida plana. Não plena! Plana. Pra não acostumar com os picos e não deprimir com os vales. Aceita o tédio. A monotonia. A gente acha que tá no mundo com uma missão, que tem um sentido por trás de tudo. Mentira. A gente tá aqui por azar. Podia ter sido outro espermatozoide, calhou de ser o nosso. O mínimo que a gente faz é honrar os espermatozoides perdedores e não ter uma vida muito melhor do que a que eles tiveram. A gente sabe o que é a derrota. É pra isso que a gente vive. Mas só é derrotado quem luta. Lembra o que a gente falou agora há pouco? Cadê o rapaz que tinha falado isso? Foi embora? Foi embora. Tem gente que não gosta de ouvir, faz parte. Não tem problema. Mas nem tudo é luta. Quando um não quer, dois não brigam, não é esse o ditado? Então a lição de casa pra essa semana, vamos chamar assim, é começar a dar essa nivelada na vida de vocês. Dá um jeito de melhorar o que tá ruim e de cortar o que parece bom. Sem pressa, a gente ainda tem muito tempo pra fazer isso. Expectativa de vida tem aumentado, né, infelizmente. Então vai na boa, porque não é fácil. O importante é começar. Uma ideia, ó, uma ideia, já que a gente falou de desistir: desistam de uma coisa essa semana. Uma só, pra começar. Pode ser daquela carreira tocando Djavan em barzinho, daquele aplicativo, daquela promoção. Assim a gente vai acostumando o corpo e vai evitando o câncer. Tá bom? Obrigado, pessoal, semana que vem a gente tá aqui de novo, se não expulsarem a gente. Um abraço, tchau. *nnnnnnhhhhiiiiiii*