terça-feira, 16 de agosto de 2016

Pokémon

Quando o desenho do Pokémon estreou na Record, chuto que lá por 1999, eu estava naquela idade nebulosa em que seus braços são as cordas de um cabo de guerra entre a realidade e a ficção. A ficção: com 14 anos eu já sou um homem, já tenho um vistoso bigode, já praticamente tenho voz de radialista, já tive meu coração partido em tantos pedaços quanto há Pokémons na última geração. A realidade: se eu ainda sou criança aos 31, imagina aos 14.

Então entre o meu verdadeiro desejo de assistir a todos os episódios jogar todos os jogos ler todas as revistas e a minha ficcional persona neo-adulta que tem coisas mais importantes pra se preocupar como as políticas de privatização do governo FHC e a topologia da minha pele, eu vivia uma vida secreta e sombria, só conhecida por aqueles que eram sanguineamente obrigados a gostar de mim. Foi nessa época que eu aprendi a minha primeira linguagem de programação (programar o videocassete pra gravar os episódios), desenvolvi técnicas avançadas de memorização (pedra tem vantagem contra inseto, Shellder só evolui pra Cloyster usando a water stone) e aprendi a fazer planejamento e gerenciamento de recursos em situações de vida ou morte (a pilha dura 8 horas, já estou jogando desde as 11, preciso parar em 15 minutos, dá tempo de mais uma luta e uma captura caso eu gaste até 3 pokébolas - mais do que isso é muito arriscado). Essa vida subterrânea me transformou num cientista, mas todos esses conhecimentos precisariam ser redirecionados para outras atividades ou eu acabaria morrendo com habilidades que não serviam de nada e sobre as quais eu não me atrevia a falar.

Até que…

Pokémon nunca deixou de ser um sucesso absurdo e continuei jogando esses anos todos (podemos tirar, se achar melhor), mas recentemente algo aconteceu - ou reaconteceu: Pokémon voltou a ser motor dessa nave chamada zeitgeist. Pokémon GO está aí e não há quem não tenha ouvido falar. Minha mãe mandou mensagem perguntando quantos eu tinha capturado. O diretor da empresa veio mostrar áudio do whatsapp do cara falando que na época dele ele saía na rua “pra caçar droga pra dar pra puta”, não Pokémon. Até a CIA está envolvida, aparentemente, nos espionando. E é nessa era de loucura e empolgação, mas de muita incerteza, que se faz necessária a figura daquele que sabe o motivo das coisas, que sabe que um Dratini é raro e um Pidgey não, que sabe diferenciar as silhuetas do Tangela e do Venonat, que sabe que o “ovo podre” se chama Exeggcute e que o nome é Jynx, não “bruxa da neve”. Sim, o mundo deu tantas voltas que finalmente chegou na estação onde eu esperava, com minha Nintendo World debaixo do braço, já cansado e envelhecido, para embarcar. Agora meus conhecimentos servem. Agora minha imaturidade tem utilidade.

Por outro lado, o jogo em si eu não jogo mais. Eu tentei: peguei os Zubats, saí na rua em buscas incansáveis, joguei pedras em outros seres humanos que também jogavam e tentavam uma interação (que nojo). Mas meu celular, coitado, não dá conta. Ele tenta e tenta, mas eventualmente desistiu, como que dizendo que está velho demais para Pokémon. Acho que foi uma indireta. Mas não me abalo: posso ajudar o mundo de outras formas, e antes de virar apenas mais um bug catcher, mais digno e irado é ser um Professor Carvalho, uma voz de experiência e sabedoria, uma bússola que guia os jovens aventureiros. Sim. Sim.



Você: “Mas, professor?”
Eu: “Sim?”
Você: “Não é mais fácil eu usar a internet ao invés de confiar na memória de um mongão?”
Eu: “…”
Você: “…”

Vocês jovens não respeitam mais nada, tá louco.