quarta-feira, 3 de setembro de 2014

Renascimento

Ontem eu acordei sabendo que seria um dia mais corrido que os demais. Não sabia, porém, que aconteceria algo que mudaria a maneira como eu enxergo a própria vida.

Vamos pelo começo.

Acordei, fui para o trabalho, trabalhei (bem...). Saí do trabalho, fui pra aula andando, fiquei por uma e meia em pé segurando um baixo acústico gigante. Saí de lá, caminhei por alguns aclives até o metrô, fui até a Vila Madalena, andei mais um pouco, peguei um ônibus. Contei errado o número de pontos, o ônibus desembestou-se por uma ladeira desconhecida e escura e me largou em um pedaço desconhecido de São Paulo. Eu estava cansado. Olhei para os lados, procurei transeuntes. Só o cara que desceu no mesmo ponto que eu. Sutilmente, saquei o celular e abri o Google Maps. Tem que ser discreto, você nunca deve mostrar que está perdido. Digitei o endereço do meu destino e ele traçou uma rota a pé. Olhei novamente ao redor. Você nunca deve mostrar que está perdido. Vou andando, celular abaixado. Tem que ser discreto, você nunca deve mostrar que está perdido. Vou conferir e encosto sem querer no botão de iniciar a navegação. Uma voz no celular começa a gritar "CAMINHE 300 METROS NA DIREÇÃO DA RUA TAL" enquanto eu ficava desesperadamente tentando desligar aquilo e sussurrando filhadaputafilhadaputafilhadaputa. Tem que ser discreto, você nunca deve mostrar que está perdido.

Andei até o local, consegui chegar. Eu estava cansado. Fiquei lá por duas horas, nesse meio tempo choveu uma chuva horizontal e raios verdes pintaram o céu (eu juro). Fui embora, caminhei até a avenida, peguei um ônibus. Eu estava cansado. Desci do ônibus, andei numa calçada lisa, escorregadia e desnivelada. Um pé, outro pé, um pé, outro pé, um pé, chão. Meu pé direito tentou trocar de lugar com o esquerdo e por consequência minha lateral tentou trocar de lugar com a calçada. A rua estava vazia, mas eu ouvia os risos. Tem que ser discreto, você nunca deve mostrar que está ferido. Levantei e segui até o metrô. Eu estava cansado.

Começo a sentir os efeitos da queda. A dor, o formigamento, a intermitência nos sentidos. Há uma sensação líquida no meu tornozelo. Olho e vejo a meia encharcada de sangue. Muito, muito sangue, o suficiente pra salvar duas vítimas de acidentes. Quem vai me salvar agora, o moribundo do metrô com sangue O- manchando-lhe as vestes. Mando uma mensagem de socorro, mas enfrento apenas zombaria. Sinto minhas forças me deixando, ouço o som de anjos cantando a introdução de Kiss from a rose. Vejo a luz no fim do túnel. Estou chegando ao Paraíso.

Depois do Paraíso, cheguei à Ana Rosa, e depois Chácara Klabin e Santos-Imigrantes. Cambaleante, cheguei até a minha casa. Consegui limpar e estancar a ferida, tomei banho e dormi. Eu estava cansado. E hoje... hoje eu acordei. Perdi a hora, mas ganhei a vida. Hoje, três de setembro de dois mil e catorze, eu posso dizer que renasci às nove e trinta e três da manhã. Atrasado para o trabalho, mas nunca é tarde para recomeçar. Tenho agora uma vida nova à minha frente, e vou aproveitar cada segundo, porque se antes a vida só tinha me ensinado a morrer, ontem a morte me ensinou a viver. Esse blog se chamará, a partir de agora, Vida Maravilhosa. Fiquem comigo, temos uma linda jornada pela frente.