terça-feira, 29 de abril de 2014

As aventuras do Detetive Padulão em Ladeirópolis

Sempre que preciso ir a algum lugar pela primeira vez eu faço um planejamento razoável: vejo como chegar, quais os caminhos alternativos, quanto tempo eu levo. E faço isso porque, como vocês sabem (ou não), eu não tenho carro e as coisas são um pouco mais complicadas nessa situação, mas nada que uma pesquisazinha esperta no site da SPTrans ou da EMTU não resolva.

Mas eu também sempre deixo um espacinho para a aventura. Sacomé, se acontecer alguma coisa e o plano for por água abaixo, deixar uma lacuna de planejamento aberta para o acaso, porque é divertido e tal.

No último domingo eu fui ao casamento de um amigo em outra cidade, e, visto que nenhum dos meus outros conhecidos compareceria, resolvi ir na raça mesmo, gravata no pescoço e gibizinho no bolso, em um sacolejante ônibus até um lugarejo próximo ao local do evento. A ideia era descer lá e pegar um táxi, mas eis que eu chego e não há táxi. Decido, então, ir a pé. É hora de aventura.


Pouso meus sapatos gastos sobre o asfalto quente de Ladeirópolis. O ônibus parte. Pessoas, casas eternamente em construção, subidas e descidas. Afrouxo a gravata e sigo ladeira acima pisando em minha sombra pequena. Uma garota, atraente de uma maneira nenhuma, se aproxima, estende a mão e diz "aceita um jornal?". Aceito. "É às sete e meia na Universal". Não compreendo o universo, não me interesso. Olho o jornal. Na capa, uma mulher bonita ao lado do título: "Dormindo com um desconhecido". Prevejo algo mórbido. A chamada diz: "a modelo Reeva Steenkamp foi morta na noite em que dormia com o namorado que conhecia há menos de 3 meses. Por que as pessoas ignoram os perigos de se entregar a quem não conhecem?". Um assassinato. Um caso a resolver. E uma lição: ao cometer um crime, entregue-se a um policial de confiança. Reeva cometeu o crime de dormir com o namorado após três meses e se arrependeu. Foi cruelmente morta. O culpado me parece claro: um policial. Nunca confiei neles, sempre resolvi meus crimes sozinho. Não acredito nas grandes corporações. Elas mentem e cobrem seus rastros. Onde está Reeva? Há algo que não querem que saibamos. Mas há pessoas que ignoram os perigos, como esse grupo "Universal". A garota que me entregou o jornal possuía um piercing azul entre os dentes, claramente um objeto de identificação do grupo. Ninguém usaria algo tão horroroso sem um motivo.

Ladeirópolis se estende ora sobre a minha cabeça, ora abaixo dos meus pés. As pessoas ao redor bebem, conversam e brincam. Algumas me olham torto. Talvez desconfiem de quem eu sou. É preciso tomar cuidado. O sol me banha. Afrouxo um pouco mais a gravata. Subo as ladeiras em direção ao casamento. Pessoas irão se casar, será um lindo dia. Mas não para Reeva. Ela não esperou até o casamento para dormir com o namorado e pagou o preço por isso. Sigo entre olhares desconfiados completamente desarmado, munido apenas de um celular com 3g e o telefone da minha mãe na discagem rápida. 3g da Tim. Cena da mulher virando para trás e vendo o homem com a faca em Psicose. Ele me aponta o caminho. Primeira à esquerda, no final à direita, novamente à esquerda. Chego e não há mais estrada, apenas um pequeno morro. Grama alta nas laterais, e no meio, uso meus talentos de detetive para descobrir, deve haver terra embaixo de toda a bosta de cavalo. Chop, chop, chop, faz meu sapato enquanto luto para subir. Meu velho engraxou esses sapatos, ele não poderia ver essa cena. É muito emotivo. Eu não. Não posso ser. Não nessa profissão.

À minha esquerda, uma cerca de arame farpado. O barulho das pessoas e dos golpes de martelo cessa. Ouço apenas o ruído da minha respiração pesada e da eletricidade nos fios de alta tensão. Eletricidade. Impulsos elétricos, neurônios. Pense, Detetive Padulão, pense. Vejo uma árvore, destacando-se sozinha no cume do morro. Uma árvore sinistra. Penso em Reeva. Meus instintos me apontam que ali está o corpo. Eletricidade.

Chego próximo à árvore, mas não há corpo. Quem fez isso pensou em tudo. Há, entretanto, um rato morto. Uma mensagem. Sabiam que eu viria até aqui. Continuo, agora para a descida. Os sapatos lutam com o terreno escorregadio. Volto ao asfalto, caminho mais um pouco, chego ao local do evento.

Pessoas bonitas, bem vestidas, felizes. Estou suando, desarrumado e com leves sugestões cranianas de que, se eu tivesse cabelos, estariam desgrenhados. Vou ao banheiro e me refresco. É preciso deixar isso para trás. Devo compartilhar da felicidade de meu amigo. Bruno Rocha. B. Rocha. Pílulas azuis. Imagens e palavras aparecem e se desconstroem em minha cabeça aleatoriamente. Pessoas por todo lado. Me cumprimentam. Me oferecem carona para a volta. Recuso, digo que vou voltar de táxi. Mentira, ainda preciso resolver um caso, mas não vou atormentar essa gente boa com coisas terríveis. Eles não merecem.

Começa o casamento. Dia bonito. Noivos felizes. Aquele meu amigo chora copiosamente. Termina o casamento. Todos felizes. Penso em Reeva. O amor que constrói também pode matar. Não foi o caso dela, mas foi algo que me ocorreu. Talvez um título para meu próximo conto policial. Meus contos são sempre mais suaves que a realidade. A realidade é dura demais para entreter alguém. Me despeço das pessoas, finjo que vou pegar um táxi, subo a pé. O silêncio é opressor. Eles sabem que estou aqui e se escondem. Subo o morro e nada. Desço as ladeiras e nada. Me derrotaram. Estou devendo essa para Reeva. Olho para o jornal novamente. Linda mulher. Guardo o jornal para mais tarde, quando estiver em casa. Sento no ponto, espero o ônibus chegar. Grupos de jovens passam para lá e para cá. Um deles puxa um carrinho com uma caixa de som, como um jumento puxando uma carroça. A caixa de som canta que "ele é demais, ele é o senhor". Espero e espero. Pessoas sentam-se a meu lado no banco. O telefone toca. Atendo. "Filhão!", diz a voz do outro lado. Certamente é um impostor, ninguém me chama dessa maneira, não eu que sou um detetive tão respeitável. Ouço as instruções. Cinquenta minutos, posto de gasolina, avenida do Estado. Combinado. Chega o ônibus. Devo entrar? Devo esperar uma ordem? As pessoas não se levantam e não entram porque não devem entrar ou porque me esperam, por eu ser o primeiro da fila? Sendo o primeiro da fila, sou eu que devo tomar uma atitude? Mais um mistério. Minha cabeça dói. O motorista liga o motor. É a minha deixa. Vou até a porta, piso no primeiro degrau. O motorista reclama. O cobrador ainda não entrou. Perdi mais uma. Hoje é um péssimo dia.

O ônibus parte. O impostor me encontra no posto, me leva para a casa dos meus pais, ou daquelas pessoas se passando por meus pais. Há uma festa de criança, da pequena Graziela. Apenas oito anos. Ainda não sabe da crueldade do mundo. Eu sei. Reeva sabe. O policial que a matou sabe. E sorri. Pego uma bala de coco e parto. É hora de ir para casa e relaxar após um dia difícil. Levo o jornal comigo para, ahn, consulta. Minha silhueta se distancia. Mordo a bala de coco. Quase quebra minha obturação. Bagulho duro.

sábado, 26 de abril de 2014

Crônica de uma vida entediada

Quando, no ano passado, eu estabeleci essa meta de postar quatro vezes por mês, achei que seria impossível. Em anos recentes, se eu conseguisse postar duas vezes num mês já era uma vitória. Mas daí que deu certo, eu comecei a vasculhar histórias pra contar, observar melhor as coisas, mexer com o formato estabelecido dos textos aqui. Mas eis que, apesar de tudo, a base disso tudo são as coisas que me acontecem na vida, e publicar os tais quatro posts por mês ficou bem complicado quando a minha vida anda tão parada que se fosse água seria um perigo para a infestação do mosquito da dengue.

Então, no melhor esquema "querido diário", vou fazer um resumo geral das coisas que se passaram nas últimas semanas, na esperança de que juntando tudo isso dê um post:

A parte do trabalho: essa é assim: eu acordo, escovo os dentes, troco de roupa, passo o desodorante, calço meus tênis e vou. Vinte minutos depois eu ponho meu dedinho no marcador de ponto, e de acordo com a hora que eu cheguei faço o cálculo de que hora vou precisar sair, dentro de um plano maior de acumular infelicidade pra poder fazer aquela viagem mês que vem. Aí na hora de ir embora eu pego minha mochila e meu guarda-chuva enorme e caminho até a minha casa.

A parte da casa: eu chego em casa, faço cocô, limpo o bumbum, lavo as mãos, deito na cama e fico lá até meu corpo e o colchão tornarem-se uma unidade indivisível. Aí eu divido-as, porque preciso tomar banho, e aí eu durmo.

A parte da diversão: essa parte está em falta, desculpe o transtorno.

A parte em que eu tento me desapegar do futebol: PORRA DOUGLAS ACERTA UM PASSE CARALHO

A parte da banda: a gente ensaia uma vez por semana, as mesmas músicas, mas cada vez eu erro uma coisa diferente. Pra dar mais dinâmica.

A parte do entretenimento digital: eu larguei o Bravely Default porque a segunda metade dele é uma canalhice tão grande que eu desejei que todas as pessoas envolvidas no jogo tenham diarreia perpétua. Eu fico vendo documentários sobre música na Netflix. Temporada nova de Mad Men. A temporada que acabou de Community. Xvideos. Digo, cinema, ótimos filmes em cartaz, como aquele do... ahn... ah, eu assisti Cidade de Deus outro dia pela primeira vez. É bom, né? O que me lembra...

A parte da diversão (errata): fui à festa de 50 anos de um certo conhecido escritor/quadrinista brasileiro e lá estava o escritor de Cidade de Deus. Eu fiquei olhando ele de longe, foi irado.

A parte da viagem: estou tão preparado hoje quanto estava quando escrevi aquele texto. Ou seja, vai mal a coisa.

A parte da rinite: lembra que ela tinha ido? Voltou. Não do jeito que eu previa, mas mesmo assim não veio pra brincadeira. Tô adorando.

A parte boa: Magikitos, o pior salgadinho do mundo, o indigerível, nascido no isopor, aquele que você precisa virar a cabeça pra trás quando abre, o que era bem difícil de achar, desapareceu do mapa de vez com a falência da cadeia de supermercados Econ (descanse em paz). Fui um dia ao Extra procurar o presente do supracitado conhecido escritor/quadrinista e aproveitei para buscar Magikitos em suas prateleiras, na vaga esperança de que houvesse um milagre me esperando. Nada. Naquele momento, eu ouvia Bobby Jean do Bruce Springsteen, uma música em que ele conta a história desse grande amigo, de como eles passaram por tantas coisas juntos, e que agora ele queria vê-lo de novo apenas para se despedir. E eu pensei "sim, eu queria ver o Magikitos mais uma vez, só pra dizer que eu sinto sua falta, baby, boa sorte, adeus, Magikitos".

Como também não achei o tal presente, procurei no dia seguinte em outros mercados, até que cheguei ao Pastorinho da Vila Mariana, facilmente o pior mercado num raio de seis continentes. Não havia o presente (a menos que eu estivesse disposto a dar um Drurys, que não é exatamente um presente, é um desafio a um duelo) e, enquanto andava frustrado pelos corredores cheios de produtos de qualidade duvidosa, encontrei, ali, sim, ali, ele: Magikitos. Prateleiras cheias dele! Meus olhos se encheram de água, meu coração se encheu de alegria, minha alma se encheu de esperança: há sim, milagres nesse mundo. Há sim, um fim do arco-íris.

E custa 2,31.


segunda-feira, 14 de abril de 2014

Homem não chora

É sabido, cá entre os habitantes desse planeta, que homem não chora. Ou que não deve chorar, pra ser mais preciso. É uma imposição de conduta, como tantas outras com as quais a gente se habituou a viver, e baseia-se na ideia de que não é produtivo nem abonador para um humano do sexo masculino demonstrar emoções, pois todo homem deve ser um deserto sentimental, uma muralha psicológica e uma máquina no cumprimento de suas funções de macho, porque, sabemos, é bem difícil caçar antílopes com os olhos cheios d'água.

Mulheres choram. Mulheres tem lá seus hormônios, tem lá seus sentimentos, mulheres são frageizinhas, ui, que florzinha. E homens não podem ser como mulheres, porque precisam ser melhores pra manter de pé toda essa estrutura paternalista que precisa existir, porque vai que desaba isso e o mundo vira um lugar melhor. Nem pensar. Então desenhamos nossa complexa arquitetura das atribuições de cada gênero na mecânica da sociedade, em que o homenzinho (representado pela cor azul) não chora e a mulherzinha (representada pela cor rosa) chora um bocado, enquanto lava nossas roupas e põe nossas cervejas no congelador.

Só que o mundo não é assim tão simples e as convenções mudam ou se desencaixam com o estado corrente das coisas, então há os homens que choram, seguros de seu mapa emocional, despreocupados com o tribunal social. Bom pra eles. Mas, ainda que amolecidos os padrões, se você é um homem e tem essa mania besta de fazer escorrer água pelos olhos, precisa dessa confiança no seu próprio taco.

E o que fazer quando você não é lá muito seguro mas chora feito um pano molhado sendo torcido? Eu tenho um amigo (não vou citar nomes, ele prefiro ficar anônimo) que chora mais do que é recomendado não só para um homem, mas também para uma mulher, para uma criança e para um cavaco numa feijoada no sabadão. E não é que ele chore porque é triste e o mundo é cruel, é quase um protocolo de reação solitário. Ficou confuso, mas vou explicar melhor.

Esse meu amigo tem essa mania boba, coisa de quem levou surra de menos e assistiu Chaves de mais, de responder tudo com piadinha, com comentariozinho sem graça. É como um tenista que, mal preparado nas categorias de base, só devolve a bola de um jeito. Mas e quando não é exatamente tênis, pois não há uma contraparte? Quando tem uma máquina cuspindo bolas do lado de lá, mas não tem pra quem ele rebater? Ele chora.

Tá vendo um filme, e o filme é triste: chora. O filme é feliz: chora. O filme é uma merda: chora. Não acontece nada no filme: chora. Vê um episódio de uma série, alguém consegue um objetivo: chora. Alguém não consegue: chora. Alguém se apaixona: chora. Alguém é eleito presidente das Doze Colônias: chora. Ouve uma música triste: chora. Ouve uma música bonita: chora. Ouve uma música ruim: troca de música, também não é assim.

E ele só chora quando está sozinho em um espaço fechado e sem risco de ser flagrado. Não porque em público ele saiba se controlar; na verdade, é justamente por isso que toda fruição de entretenimento ele faça sozinho. No cinema ele vai pouco, mas tá escuro e dá pra disfarçar. Em shows ele dá umas escorregadas também e eventualmente canta "you're asking me will my love gro-o-o-ow" entre soluços, mas também dá pra esconder um pouco. De resto, sua persona pública mantém os olhos secos, o coração duro e as emoções trancadas, porque ele tem uma reputação a zelar e não vai pegar bem se as pessoas começarem a achar que ele é mole desse jeito. Não, esse meu amigo é machão, carrega a bandeira da tradição masculina de outrora, do tempo que homem não chorava, não amava e não depilava o peito. Deu a impressão que esse lugar reservado onde meu amigo chora é dentro de um armário, mas também não é por aí.

 O caso é que nem o mundo está muito preparado para um banana sujeito sensível desses nem esse pamonha sujeito está muito preparado para esse mundo. Mas esse meu amigo se permite sonhar, sonhar com um dia em que ele possa chorar na rua sem ser recriminado, com um dia em que ele não precise usar sua rinite pra disfarçar os olhos molhados. Com um dia em que ele possa escrever na primeira pessoa.

Ou ele pode parar de ser otário, mas tá mais fácil o mundo mudar primeiro.

segunda-feira, 7 de abril de 2014

Eu estive no Lollapalooza esse ano e

Primeiramente, bom dizer que eu só fui num dos dias, o dia legal, aquele que não tinha o Muse (todo dia que não tem o Muse é legal, hoje mesmo eu não ouvi nenhuma vez, foi um ótimo dia). Eu estou meio velho pra esse negócio de festivais (mas ainda não velho o bastante pra aprender), e como a edição desse ano aconteceu no autódromo de Interlagos, também conhecido como puta que pariu que lugar longe dos infernos, foi possível ver as marcas dos pneus da vida manchando meu corpo atropelado e cansado.

Eita.

Pra começar que eu já cheguei lá morrendo. Meio dia, puta solão, supostamente 6 minutos de caminhada entre a estação de trem e o portão de acesso (levei 20, quase voltei pra casa na metade). Assisti pela primeira vez o show do Apanhador Só e foi bem bom, grande banda, boas canções, planeja demais, calcula demais, e nada demais. Pra terem uma ideia, até dei uma grana no Catarse pra bancar o último álbum deles, mas vocês não vão encontrar meu nome nos agradecimentos. Só o de um tal de Thiago Padilha, minha nêmesis. Tem uma música deles cujo refrão tem a frase "decido respeitar a minha dor", o que não tem nenhuma importância para esse parágrafo mas vocês precisam guardar porque eu vou usar em uma piada daqui a pouco.

Ao fim do show, fui caminhar até o palco mais próximo e descobri que, novamente, ou essas medidas de distância e tempo estão equivocadas ou alguém me colocou no slow motion, porque a suposta distância de 300 metros entre eles eu levei 15 minutos pra percorrer e fiquei fora do tempo de qualificação (o que não tem problema porque minha equipe é apenas um esquema de lavagem de dinheiro). Aliás, tudo subida e descida naquele raio de lugar, você vê a corrida pela TV e parece tudo tão plano. Mas, enfim, cheguei no palco seguinte, onde iria rolar o show do Raimundos, mas estava tão cansado e tão suando e tão fedendo e aquele sol de pelamordedeus que decidi respeitar a minha dor (obrigado pela paciência) e fui me encostar nuns dois palmos de sombra, quase sentando em cima de um belo monte de bosta que, honestamente, não quero nem saber como foi parar ali.

Mesmo assim deu tempo de descansar e ver o Raimundos e, talvez por não ser exatamente a minha banda de Brasília da primeira metade dos anos 90 com letras engraçadinhas favorita, não achei de todo mau. Teve Puteiro em João Pessoa, teve Esporrei na Manivela, teve, é claro, Eu Quero Ver o Oco. Não foi ótimo, mas também não foi terrível.

Andei mais um bocado (gente, sério, que tipo de monstro projetou essa distância entre os palcos?) pra ver o Johnny Marr, e embora os Smiths não sejam exatamente minha banda de Manchester dos anos 80 com vocalista vegetariano favorita, foi uma beleza de show. As pessoas estavam empolgadas, o som estava bom, e é bacana ver um ótimo guitarrista tocando ao vivo. Aí teve esse diálogo estranho entre dois caras do meu lado, em que um deles, pra puxar conversa, diz pro outro que viu o show do Morrissey, no que seu companheiro responde "O MORRISSEY É UM DROGADO SAFADO!" e se volta para o palco, continuando sua dancinha. Oxe.

Aí segue o jogo, muito calor, muita gente, Pepsi (oh, deus), aquela banda sem graça com nome de vampiro e vamos ver o Pixies, porque agora sim uma banda de verdade, uma instituição do rock 'n' roll, essa sim exatamente a minha banda norte-americana surgida nos anos 80 com álbum produzido pelo Steve Albini sem contar o Nirvana favorita! Ah, Frank Black, derrama sobre mim esses hits maravilhosos, Debaser, Wave of Mutilation, Gigantic, Velouria!

"Nop", disse Charles. "Não vou tocar nada disso. E Gigantic, sério? A mulher nem tá na banda mais. Mas olha só essas músicas novas aqui ó". Eu não gosto dessas músicas, senhor Black. "Foda-se. E quer saber? Vou pegar então o violão e tocar o resto do show com ele, como se eu fosse o Jack Johnson. Me processa".

Poxa :(

Chateado com essa apresentação - apesar de aparentemente eu ter sido o único no mundo a achá-la um porre - pulei o Soundgarden (obrigado pelos palcos tão distantes, gente, valeu mesmo) e permaneci lá pra guardar meu lugarzinho pro Arcade Fire. "Por que não o New Order?", pergunta o leitor ligado no encavalamento de horários do festival. Ora, porque não. Eu gosto do New Order, mas obviamente nesse festival bizarro isso não significa muita coisa. Então esperei o Arcade Fire e um monstro horroroso feito de espelhos parou do meu lado e ficou dublando na frente do microfone e apresentou a banda e eles entraram e eles tocaram esse disco novo chato mas também tocaram aquelas mais velhas tipo Rebellion e Power Out e The Suburbs e No Cars Go e, pra derreter os nossos corações na chapa, Wake Up. Que grande show, que lindo show, puta merda.

Fui embora caminhando sozinho entre milhares de corações quentinhos até o trem e do trem pro metrô e do metrô pra casa, feliz da vida com esse show do Arcade Fire, e mais feliz de saber que os reencontrarei mês que vem. Meu corpo dói todo, minha pele tá toda vermelha e queimada, mas valeu, foi bom.

E melhor ainda porque não teve o Muse.