sexta-feira, 27 de dezembro de 2013

Retrospecbosta 2013

Ano passado eu caí no erro infantil de definir metas para a próxima sequência de 12 meses, o que é infantil porque 1) isso nunca deu certo nunca na história da humanidade nunca; e 2) resoluções de ano novo são infantis e pronto, coisa de quem acha que as coisas podem dar certo (e digo isso sendo um otimista convicto, mas convenhamos, nada nunca dá certo nunca na história da humanidade nunca).

Esse ano eu fui pra uma meta mais simples, uma meta não exatamente de vida - pra não cair no mesmo erro - mas, ahn, "editorial": escrever ao menos quatro textos por mês no blog. E o incrível (juro que nem eu contava com isso no princípio) é que deu certo. Com uma gambiarra aqui e acolá, mas deu certo. 2013 foi o ano com mais posts no Vida de bosta desde 2008, o que me impressiona porque meu deus do céu, como eu arranjava tempo pra escrever tanto?

Caso você tenha perdido alguma coisa, caso você esteja com saudades, caso você queira olhar agora de uma distância segura pra perceber porque perdeu tanto tempo da sua vida lendo essas bagaça, vamos a um rápido (ou nem tanto) resumo dos últimos 12 meses, com um monte de links pra você abrir e ler depois:

Em janeiro, eu falei sobre o aniversário de 10 anos da minha maioridade e sobre minha filosofia de descomplicação na hora de comprar alguma coisa ("eu já acordo cedo de segunda a sexta, trabalho fiel e intensamente até o fim do dia, pego um transporte público lotado, mais o sol, os prazos, as pessoas, a rede que só cai e toda aquela merda. Então, quinto dia útil, eu recebo meu dinheirinho. Pra mim, o trabalho tem que acabar aí"). Em fevereiro, vimos um pequeno conto sobre pessoas aleatórias numa cidade aleatória do interior. Em março, num dos meus textos preferidos - mais pelo assunto que pela obra -, falei sobre uma música do Roberto Carlos e como ela leva pessoas que não tem o costume de escrever e se expressar a abrir seus corações para o mundo inteiro.

Em abril, pra não perder o bonde musical do fim do parágrafo anterior, fiz uma análise investigativa forense (?) de um grande clássico de Daniela Mercury e fiz um relato pobre e apaixonado (com direito a vídeo em que eu apareço, novidade nesse blog) sobre um épico do futebol (que foi rasgado e esquartejado semanas depois). Em maio, um dos posts de mais acesso esse ano, em que eu faço um mimimi desgraçado pela minha voz ser feia fora da minha cabeça (mas o motivo do sucesso de visitações foi, claro, o título do texto) e outro em que sugiro fazermos leitura do futuro pela mancha de cocô no papel higiênico usado. Junho, o mês mais fraco, viu meu relato dramático sobre o chuveiro de casa, que poderia ser melhor. Em julho eu expliquei como a nostalgia me fez ir a um show do Só Pra Contrariar e provei por a + b que estamos numa realidade alternativa, graças a um evento insólito num ponto de ônibus.

Agosto foi bom: eu falei sobre punheta, sobre meus impulsos violentos desenvolvidos por The Sopranos, sobre minha aversão ao hit dos bares Gelimão™ (acho que esse foi o post mais acessado do ano, não sei bem o motivo), cheguei à conclusão de que a gente tá numa escola e, noutro dos meus textos preferidos, uma crônica/conto de ficção científica sobre o metrô da linha amarela e uma invasão alienígena. Agora notei que esse parágrafo começa com "agosto foi bom: eu falei sobre punheta" e confesso que eu talvez não esteja apto pra julgar o que é bom ou não.

Em setembro eu bati no peito pachecão para defender essa pátria maravilhosa e abri meu coração com o Bruce Springsteen, a E Street Band e um fantasma saxofonista. Em outubro eu publiquei um conto sobre ficar com a bunda pra cima que todo mundo achou que era autobiográfico. Em novembro eu falei sobre o Nelson, meu amigão peidorreiro e sobre a sociedade secreta dos cuzões (é nóis). Dezembro foi o mês de eu apresentar meus planos de ser um feiticeiro mecânico automotivo e de revelar os conflitos internos que me atormentam toda vez que preciso ir à igreja.

Teve algum outro texto que o dileto leitor considere digno de nota? Teve algum desses que tocou seu coração/purificou sua alma/te fez ter um AVC de indignação, tipo aquela história do Muse? Conte, conte pra nós.

E é isso, por esse ano é só. Foi um bom ano pro blog, poderia ter sido melhor pro mundo, eu poderia ser mais feliz, você também, mas é o que tem pra hoje. Nos vemos de novo em 2014 - ou quem sabe antes disso ainda, vai que a inspiração bate e a preguiça recua -, aqui pelo blog ou aí pela rua. Divirtam-se, percam os limites, e até lá ;)

sexta-feira, 20 de dezembro de 2013

Divórcio Blues

Não sou aquilo que você pode chamar de especialista em relacionamentos, mas toda a experiência teórica que eu tenho no assunto (Friends, Zezé di Camargo & Luciano) me faz crer que o momento mais difícil num relacionamento formal reconhecido pela sociedade é a hora do fim. Não só pelas consequências por vezes desastrosas (embora muitas vezes recompensadoras), mas também pelos últimos minutos, aquele breve período de tempo que antecede a hora de trazer as lâminas de tesoura sentimental pra junto uma da outra (assumindo que seja você a pessoa a ativamente por um fim).

Porque além do receio da recepção alheia a essa má notícia (você espera que seja uma má notícia, pelo menos, senão é mancada), há o fato de que nenhum motivo é bom o bastante. Você pode partir o coração dele(a) com essas mentirinhas mequetrefes tipo "não é você, sou eu" (eu sinceramente não sei se isso é usado na vida real, espero que não porque é muito escroto) ou você pode não só partir seu coração como apodrecer sua alma e criar cicatrizes psicológicas perpétuas ao ser simplesmente honesto ("eu acho você insuportável de um jeito tão nefasto que o único motivo de termos permanecido juntos pelos últimos seis meses foi pra que eu expiasse a culpa de estar te traindo esse tempo todo com a sua irmã e com um transexual chamado Márcio - eu também não entendi porque ele mudou o sexo mas não o nome, mas enfim, melhor isso que você").

Mas eis que nesse ano de 2013, que viu toda sorte de lançamentos musicais, da ascensão do funk ostentação ao álbum novo do My Bloody Valentine, de Get Lucky à versão brasileira feita pelo marido da Scheila Carvalho, da volta do Só Pra Contrariar ao EP do Volto Logo Joyce, surgiu, no mar de experiências eletrossônicas do novo disco do Bonifrate, essa música, essa frase: eu não vejo Teenage Fanclub nos teus olhos.

Puta merda, os problemas acabaram, coleguinhas.

Porque essa frase serve não só de checkpoint para o seu relacionamento atual ("eu vejo Teenage Fanclub nos olhos dele(a)?") como também de encerramento perfeito para aquele namoro que já deu o que tinha que dar. É tão perfeita que você precisa falar e sair fora imediatamente, porque se ele(a) falar qualquer coisa depois disso seu final apoteótico seria estragado. É um(a) pau no cu(boboca) mesmo, ainda bem que vocês terminaram.

E o mais legal é que é à prova de contra-argumentos. Vejam o diálogo abaixo:

(DRAMATIZAÇÃO)
- Você quer terminar comigo? Mas por que? Eu sou linda, rica, bem sucedida, jogo futebol, toco gaita e ainda topei aqueles seus fetiches estranhos com Pokémons! Por que, eu pergunto, por quê?
- Porque eu não vejo Teenage Fanclub nos teus olhos.
- Ah, então beleza.

Pode ser, admito, que no final das contas essa conversa só valha pra mim, dada minha conhecida paixão pela banda de Glasgow, uma banda que é tanto amor que até o baixista se chama Amor (e pelos meus fetiches estranhos com Pokémons, mas isso é pra outro post). E se só vale pra mim, sejamos honestos, não vale de nada, porque pra terminar um relacionamento é preciso começar, e isso meio que atrapalharia meus planos de futuro ocultistas.

Mas é uma frase tão boa.

domingo, 15 de dezembro de 2013

Missa

Nasci em família católica, dos lados de pai e de mãe, e cresci sendo treinado a ferro e fogo para poder ser membro do maior grupo religioso do Brasil, o dos católicos não-praticantes. Vai o tempo e as coisas mudam, sabe como é a vida, e deus e eu já não andamos nos melhores termos há algum tempo, eu achando que ele não existe, ele provando que não só existe como também é rancoroso.

Apesar disso, sou respeitoso com a religião alheia. Se te faz bem, se te faz ser uma pessoa melhor, e, principalmente, se você não me enche o saco: vai nessa, filhão.

Só que a minha família não é mancomunada com satanás como eu e permanece firme e forte em seu catolicismo e, assim sendo, eventualmente compromissos dos parentes acabam me levando de volta ao lugar de onde eu corri minha juventude inteira. Não que eu tenha problema com isso, pelo contrário, eu respeito, olha como eu respeito, e é aí que a coisa começa a ficar complicada: minha insegurança e minha disfarçada egolatria - aquela que me leva a acreditar que o tempo todo todos estão de olho em mim e interessados em meus movimentos - me arremessam num redemoinho neurótico onde eu preciso deixar claro que não comungo de nada que tão dizendo ali, mas com todo respeito.

Exatamente como naquele episódio do Seinfeld em que eles ficam tentando provar que não são gays, não que tenha algo de errado com isso.

Então eu estou em pé, porque cheguei atrasado. Eu posso por as mãos no bolso? Não, no bolso demonstra desinteresse, porque homem só põe a mão no bolso pra coçar a virilha com a ponta do polegar. Cruzar os braços pega mal, né? Parece que eu estou me protegendo, como se fosse o anticristo (embora eu ache que se a estratégia do anticristo pra se defender dos superpoderes divinos é cruzar os braços, talvez seja melhor a oposição começar a pensar num sucessor). E deixar os braços esticados, mãos sobrepostas, atrás do corpo? Mas aí parece que eu tô me precavendo caso alguém chegue sorrateiramente e tente colocar alguma coisa no meu cu, e se eu acho que esse é um risco iminente dentro de uma igreja, estou subliminarmente desrespeitando o local, não? É, isso eu não posso. Mesma postura então, mas com as mãos à frente. Tem um monte de gente assim. Mas é pior, né? Porque aí eu tô protegendo o pinto, não do ataque exterior, mas evitando que eu mesmo faça umas cagada. Tipo "me conheço, vou acabar passando a rola em alguma coisa aí, deixa eu tampar o caminho".

Sinal da cruz eu abaixo a cabeça. Proclamação do evangelho segundo Zequinha, com aquela coreografia intrincada do polegar, eu dou uma coçadinha na testa. Hora de ajoelhar: aí não, tô passando mal, vou lá fora respirar um pouquinho.

Rola um som, eu bato palma, bater palma tudo bem. Toca uma música mais empolgante agora, todo mundo se cumprimentando, coisa bacana. O cara chega, estende a mão, diz "a paz de cristo". Eu aperto a mão dele, olho nos seus olhos, sorrio e digo "e aí, beleza?". Volta o discurso do padre. Alguém cochicha. Não pode cochichar, gente, é desrespeito. "Quando um burro fala, o outro abaixo a orelha", eu mando, pra depois perceber que chamei Jesus de burro.

(Aliás, ontem eu fui num evento do magnífico Miolo Frito e, completamente sem querer e discordando veementemente de mim mesmo depois, me referi à revista como "aquela bosta". Sei lá o que tá acontecendo comigo, devo ter Tourette)

Hora da comunhão, todo mundo faz fila, rola mais um som, que consiste num refrão que repete "incendeia minha alma" por 14 minutos, e eu imaginei todo mundo ao invés disso cantando Soul on Fire e batendo palma e dançando e sorrindo. A minha religião é o Spiritualized. O padre (na que eu fui hoje era um bispo, ele usava um chapéu irado) fica falando sozinho por horas e eu fico lá pensando se, pra melhorar a dinâmica, não devesse ter um comentarista junto pra fazer intervenções pertinentes. Tipo o Neto, manja? "Esse Pedro é um baita apóstolo, trabalhei com ele nas categorias de base do Guarani..."

Aí vem o dízimo. Na minha época eles passavam com uma cestinha recolhendo, agora só põem uma urna lá no meio e o povo que se mate pra jogar o dinheiro dentro. Eu continuo respeitando, olha só, mas tão meio folgados esses caras, hein? Quer meu dinheiro, vem pegar. Não que eu fosse dar, como não dei, não é a minha religião, afinal. Eu nunca nem paguei por um disco do Spiritualized, e isso me fez pensar como eu estou pirateando a missa, vendo de graça um negócio que custa uma grana e tal. Fiquei um pouco envergonhado e secretamente orgulhoso.

Não reclamo, vou pela família. E não como um sacrifício, porque pra mim fazer parte de momentos especiais das pessoas que eu finjo que gosto é uma baita honra (pra eles, RISOS). Além disso, tem uma parte que eu gosto de verdade: quando o padre diz "corações ao alto". Que frase bonita, que imagem espetacular. Imagina todo mundo enfiando a mão no peito ao mesmo tempo, arrancando o coração e segurando-o, pulsando e pingando, com o braço esticado para cima. Caralho, que imagem. E logo depois todo mundo ia cair morto e tal, mas você pode pensar nisso como uma espécie de arrebatamento.

Aliás, se o arrebatamento for assim mesmo, eu tô na missa todo domingo a partir de agora. Não perco isso por nada nesse mundo.

terça-feira, 10 de dezembro de 2013

Aquário

Tive a graciosa oportunidade de aproveitar uma folguinha entretrampos alguns meses atrás e planejei a semana toda para uma série de eventos ao ar livre, em contato com a natureza. Ar limpo, sol quente, céu azul, aquela papagaiada. Claro que acabou só chovendo e minhas principais atividades na semana foram doar sangue e tentar resolver os efeitos colaterais de um assalto na frente da minha casa, mas deu pra aproveitar.

Porém, antes dos meus planos serem encharcados e temperados com leptospirose eu pude ao menos riscar um item da lista: conhecer o famoso aquário que fica perto de casa, um que eu não lembro o nome mas cujo ingresso custa um horror de caro. Fui a pé, escalando paredões que estranhamente estavam no meio das ruas (aquilo não podia ser só uma ladeira) enquanto os raios solares despejavam-se na minha cabeça como um shampoo cósmico. Mas vamos lá, vamos ver peixes, vamos contemplar o reino animal por trás de um vidro, o que me deixava superempolgado porque duas coisas que eu adoro são animais e janelas. Ia ser mara.

Só que o lugar é meio escuro e silencioso, talvez para simular vagamente algumas características de um ambiente subaquático, e confesso que isso me deixou meio, como dizer, receoso. E assim que eu parei na primeira "jaula" (como chama aquilo?) e só vi uma pedra, um galho e umas folhas pra depois descobrir que a pedra era um sapo, o galho era um jacaré e as folhas eram folhas mesmo acabei sendo invadido por um terror irracional, como se assim como aquela pedra deu um pulo o chão pudesse se mexer e eu na verdade estar nas costas do Cthulhu.

Assim eu caminhei pelos corredores do aquário, e enquanto crianças corriam e sorriam e famílias tiravam fotos na frente do peixe colorido e da cobra roliça, eu caminhava travado, lentamente, atento a tudo, como um tira num bairro barra-pesada.

E aí você chega nessa salona bem grande que tem um tancão (aumentativo de "tanque") com vitrines em dois lados do cômodo e uma passagem superior que liga os dois compartimentos. E lá estavam eles, magníficos, deslumbrantes: os tubarões. Eram muitos e estavam de boa num canto lá pra ninguém encher o saco, mas eles eram tão lindos que eu fiquei hipnotizado e fui caminhando lentamente em sua direção até ficar com o nariz atochado no vidro, completamente abobado. E nesse momento me passa a PORRA DUMA ARRAIA bem na minha frente, VUUUSH, DO NADA, com aquele :) ridículo rindo da minha cara enquanto eu não sabia o que ia explodir primeiro, meu coração ou meu rego. Vitória do segundo, me caguei inteiro, e se já estava caminhando lentamente antes você imagina agora.

Fui para a próxima área, ainda não recuperado do choque, mas essa era a ala dos peixes do Procurando Nemo e meu coração saiu da minha boca e voltou pro lugar de antes todo aquecido e feliz. Tinha os peixes-palhaço, tinha a Dory, tinha o Gil, tinha aquele baiacu e eu só ficava fazendo "oooown ♥". Estava apaixonado por um filme da Pixar e me humilhando publicamente, sinais claros de que voltava ao meu normal. Ainda acompanhado daquele cagacinho, mas sem o pavor descontrolado do ataque da arraia.

Tirei uma foto com meu celular. Não ficou ótima.

Depois vinha a parte dos dinossauros, e ali eu comecei a achar que a passagem da arraia no meu campo de visão era tipo uma vinheta que fazia a minha transição pra um universo em que é normal ter uma área sobre dinossauros num aquário. Além de uns paineis contando a história de dinossauros brasileiros (cid moreira kkkkkk não, brincadeira) e um esqueletão que se era real demonstra que brasileiro já fazia gambiarra desde quando era réptil, havia uma passagem para outra sala, identificada por uma plaquinha como "Vale dos Dinossauros" e lá de dentro vinha a música tema do Jurassic Park. Imperdível!, empolguei-me sozinho, já que os outros grupos haviam ficado pra trás e eu era o próprio elo perdido. Estava vazio o aquário naquele dia, era segunda-feira à tarde.

Você entra e fica claro que você está mesmo no passado, quando a Terra era habitada por gigantes. Além da trilha sonora cinematográfica, o ar era povoado pelos sons das majestosas criaturas, de piados a grunhidos. No alto, um pterodáctilo plana. À minha frente estende-se uma pequena ponte, e às suas margens estão eles, os dinossauros. Não os de verdade (você acreditou por um instante, hein?), mas estátuas provavelmente compradas de algum circo falido, porque além de mal desenhadas e mal cuidadas ainda estavam completamente fora de escala e proporção. Mas isso nem me desagradou tanto, o que me desagradou foi que logo ao entrar eu tive que me deparar com a bunda de um tiranossauro virada pra mim. Porra, falta de educação. E à medida que eu caminhava em frente, revoltado com essa falta de etiqueta cretácea, a cabeça do monstro vira na minha direção.

Na. Minha. Direção.

Recobrada a consciência, segui em frente para ver algumas representações pouco fieis de diferentes etapas da evolução do ser humano e até o final do passeio ainda pude ver um peixe-boi (ah é, era um aquário), um tamanduá (ou não), um bugio, uns morcegos irados. E foi isso por aquele dia, em que depois eu ainda fiquei vendo vídeos de mulheres peitudas tocando violão e toda a coisa do assalto do primeiro parágrafo.

Escrevo isso agora porque acho que finalmente compreendi a minha desaprovação à obsessão daquele cabeleireiro por peixes. Não era nada contra o cara, era só reação instintiva de proteção depois desse recém-adquirido trauma com criaturas do mar.

Se eu ganhasse um real por cada medo babaca que eu tenho...

quinta-feira, 5 de dezembro de 2013

Songbook

O companheiro que me lê há mais tempo sabe que eu tenho uma banda, e que eu escrevo músicas. Recentemente eu percebi que dei com a cara no muro nesse negócio: esgotou, não sai mais nada, nem torcendo (no sentido de torcer o pano, não no sentido de "me dá um 'V', me dá um 'I', me dá um 'DAAAA DE BOOOSTAAA'"). Como o companheiro que me lê inexplicavelmente tem algum interesse no que eu escrevo, e também pra revisitar esses 4 anos de desserviços prestados à já moribunda música brasileira, pensei em apresentar algumas coisas aqui.

Não apresentar tipo pegar um banquinho e um violão e fazer versões barzinho das canções, mas mostrar alguns trechos de letras usando um filtro que faz sentido para o blog. Explico: ao contrário daqui, onde eu eventualmente tento ser engraçadinho mas ao mesmo tempo finjo que tô falando sério de modo que nunca dá pra saber muito bem se dá pra confiar no que eu escrevo, nas músicas eu procurei fazer as coisas de um jeito mais maduro, mais sereno - apesar do que está escrito num dos links ali de cima. Resultado: frequentemente alguém vem me dizer que morreu de rir ouvindo tal música. Não é pra rir, caralho! Então separei uns versos que levam as pessoas a achar que eu tô querendo ser Tiririca quando eu queria ser Lou Reed, ou frases que todo mundo jura que não fazem o menor sentido quando pra mim são mensagens tão claras quanto um memorando corporativo, ou até algumas coisas que eu me orgulho de ter feito mas só eu achei que são boas. Eis:

Eu sonhei com a Medusa me olhando
Mas ao invés de pedra, eu virei Portugal
Eu não sei muitas gírias de mano
Então vou falar de modo mais formal

Ficção científica
Essa entra fácil no rol das piores coisas que eu já fiz. No refrão eu ainda digo que mijei na toalha da pessoa e termino a música cantando que comprei uma touquinha pra ficar igual ao cara do U2


Te dei minha Trakinas, como pôde
Te amei em Helvetica Extra Bold

Olha
Confesso: o "como pôde" tá ali só pra rimar com "bold", a Trakinas foi citada arbitrária e aleatoriamente e eu tenho quase certeza que roubei a ideia inconscientemente de um documentário sobre a Helvetica


Eu deixo meu amor onde o diabo quer
Os meus sonhos eu guardo numa Tupperware

Só você não vem
Tomara que o diabo não queira que eu ponha meu amor na Tupperware também, pode ser que não caiba


E se eu dormir e não sonhar
Em te foder, em te beijar
Pra que dormir então?

Então (ouve aqui)
Pior que eu acho essa frase bonitinha


Túlio queria comer a Cléo Pires
Mas é impossível

José Luis Fracasso (vê aqui)
Aguenta firme, Túlio


Que eu sou um cara sem muitos amigos
Que eu sou um cara sem nada de mais
Que eu sou um cara sem metas na vida e que mora com os pais

Pra vida ser bem melhor
Esse é um caso reverso: eu achei que tava fazendo algo leve e divertido e ficou parecendo um mimimizão emo foda


E quando a gente bater na porta
Os monstros vão nos convidar para o seu baile de máscaras
E todos usam rostos de celebridades
Eu vou de Lula e você de Beyoncé

Quando a gente virar bosta você vai me querer (vê aqui)
Essa não é a primeira música sobre a dominação de um planeta por outras formas de vida, como você verá adiante. Talvez eu esteja obcecado com isso, não sei


Se pá no espaço, num planeta controlado por zumbis
Ficar do seu lado, estourando miolos, caçando lugar pra se proteger
Dos maiores clichês da cultura pop

Freguesia do Ó
"A gente devia ter uma música sobre zumbis" mas eu não gosto de zumbis


Se houvesse um jeito fácil de ser seu enfoque
Te beijar por te salvar do Ganondorf

Ganondorf (ouve aqui)
- Ai que fofo esse poeminha do seu neto, dona Gisa! Ele tem quantos aninhos, sete?
- É do meu filho, ele tem 28
(eu tinha 25, mas acho que isso não alivia)


Exorcizar o futebol
Por o demônio no gol
Nadar no meio dos teus seios bem molinhos
E seus lábios redondinhos
E lavar a alma

My fake plastic love
Outra na categoria "piores músicas de todos os tempos", além de ter um refrão sobre uma boneca inflável ainda expõe minha materno-dependência ("e os rapazes loucos / que a minha mãe disse pra eu me misturar") e certamente me garantiu um lugar no inferno com o verso "e os Jesuses nunca morrem no cio"


Eu te amo
Mais ou menos
Mas te quero só pra mim

Mais ou menos
Essa foi a primeira música que eu escrevi inteira, letra e melodia. Já expunha minha verve romântica e adulta


Traz a maldade na sacola do mercado
Pra impressionar
Pra enlouquecer
Pra despedaçar aquilo que sobrou

Sendo honesto
Ok, essa não faz sentido mesmo. Mas eu escrevi na época da proibição das sacolinhas plásticas no mercado, e achei que trazendo uma notícia atual pra dentro da canção eu talvez me colocasse na galeria dos grandes bardos do cotidiano, como Woody Guthrie, Bob Dylan e Maurício Ricardo


Escreve torto por linhas certas
Não queira o fogo, deseje a festa
Abrace o medo, transe com fúria
Seja pior

Tudo que o mundo precisa é de um vilão carismático
Essa tá aqui pelo título da música, até porque não dá pra achar que esses são exatamente bons conselhos (tirando o do fogo e da festa, que eu escrevi antes da tragédia em Santa Maria então mais uma vez perdi o bonde dos grandes bardos do cotidiano)


Hoje eu roubei um beijo da garota do rio
Um furto tão bem feito que ela nem sentiu

Calvin e Haroldo (vê aqui)
Eu escrevi essa pensando numa garota meio folclórica, mas de personalidade forte e presença marcante - ela é a garota do rio, ninguém mais pode ser do rio. No final ficou parecendo que eu tô assediando cariocas


Envelhece a foto no Instagram e vê
O tempo que a gente era só eu e você
Tanta água rolou e hoje há uma nação
Eu tenho você, você tem um milhão

Instagram
Um dia eu percebi que não tinha nenhuma música de corno. Problema resolvido


O seu prazer, o meu pesar
A ironia e o azar
E a mulher que eu amo
Dá o cu pra outro cara

2006
Essa é bem antiga, da época que eu tinha uma banda de mentira pra compensar o fato de que ninguém queria montar uma banda comigo porque eu era ruim demais (mais que hoje). Sempre me pareceu uma imagem triste essa da paixão platônica idealizada estar na verdade fazendo sexo anal com outras pessoas


Rolas gigantes
Voando em frente
Ejaculando nos telhados das casas de inocentes

Outro mundo (ouve aqui)
Essa. Pra mim era uma parábola sobre a futilidade da condição humana, de sua ascensão em busca das respostas e de sua queda por ter feito as perguntas erradas, um libelo sobre a nossa pequenez, um alerta sobre como o processo de conhecimento empírico pode ser obstruído pela ausência de registro histórico. Isaac Asimov, Arthur C. Clarke, Stanley Kubrick, Douglas Adams, Planeta dos Macacos

Mas todo mundo só fala nessas porra dessas rola

terça-feira, 3 de dezembro de 2013

Seguindo os passos de Saruman

Eu tenho esse plano de me mudar pra uma cidade distante e acolhedora e fugir dessa selva de pedra inclemente onde você não pode nem ficar uns meses sem pagar uma conta que todo mundo fica te ligando. Não sei bem para onde ir ou o que fazer quando estiver lá (pois 1: é difícil achar emprego na minha área fora de São Paulo; 2: eu não quero trabalhar nessa área de corno; 3: eu não sei fazer mais nada), mas hoje tive uma ideia.

Estou numa fase de transição, sacomé: perto dos 30, crise de meia-idade, aquelas coisas. Há um aspecto na minha aparência que já está bem próximo de atingir um estágio crítico, e você sabe qual é porque eu falei dele dois ou três posts atrás: o cabelo. Tá quase, quase acabando. Pessoas com a mesma quantidade que eu já raspam completamente, e eu não o faço porque ia ficar igualzinho meu irmão e ele não merece ser confundido comigo, coitado. Mas colocando algumas centenas de quilômetros entre nós já dá pra pensar em deixar a cabeça lisinha como a lua e ir iluminar os pensamentos dela, só que isso cria um novo problema do pescoço pra baixo: eu sou tão magro que as pessoas não perguntam meu peso, perguntam minha gramatura, e um musguelinho desse com a cabeça raspada ou parece um monge ou parece que está fazendo quimioterapia. Eu gosto tanto de religião quanto gosto de câncer, então essas duas possibilidades não me agradam. Precisa ter algo mais.

Eu também tenho barba, uma barba singela, presente mas discreta, rente ao rosto. E já tenho pensado recentemente em deixá-la crescer, fazer um volumão maior na cara pra eventualmente no meio da tarde aquele calor da porra eu dar uma lambida no bigode e pegar o gostinho de Coca que ficou grudado lá algum tempo antes. E eis como tudo isso se conecta, senhoras e senhores:

  • A minha barba vai crescer e crescer e crescer até a ponta dela chegar na minha barriga, tipo Bamerindus.
  • Enquanto espero minha pelagem facial acompanhar o mesmo movimento migratório da minha genitália, faço cursos de mecânica automotiva e fico fera no assunto.
  • Mudo pra algum lugar nas montanhas, e construo uma casa na beira da estrada.
  • Vestirei, no dia-a-dia, apenas roupas largas e compridas, como túnicas, e um chapéu longo e pontudo (dane-se o cabelo, já tô em outra).
  • Uns dez metros pra frente da casa eu vou lambuzar o piso da estrada de óleo.
  • Então ficarei todos os dias parado na frente de casa, das 9 às 18. Quando passar um carro, alguma criança vai me ver, apontar e gritar "mãããããeeee, um feiticeiro!" e aí eu vou erguer os braços e por as mãos pra baixo como se estivesse lançando uma magia e aí o carro vai rodar no óleo e se estabacar na beira da estrada, uma tragédia.
  • Caso haja sobreviventes, eu vou até lá e digo "poxa, eu tentei acenar pra avisar que a pista estava escorregadia" e oferecerei meus serviços de mecânico a preços obviamente salgados.

O leitor mais carente das faculdades lúdicas pode dizer "você pode só jogar o óleo e arrumar o carro depois, por que se fingir de feiticeiro?". É uma pergunta interessante, pra alguém tão pouco capaz, mas eu não espero mesmo que você entenda. Não se preocupe, não se avexe, pode ficar aí com seu planinho de carreira. Afinal, quem nasceu pra ser peão nunca vai ser feiticeiro.

segunda-feira, 2 de dezembro de 2013

Pontos sofridos

Esse ano, graças a uma disciplina autoimposta, foi um dos mais produtivos para esta valorosa página da internet. Mas sacomé, na grande massa de textos que se cria e no vai-e-vem dos assuntos algumas pontas ficam soltas, e duas me vem à cabeça. Uma eu não tenho planos de fechar, mas está na hora de cumprir uma antecipação feita no último parágrafo desse post.

Eu sempre gostei de futebol, tanto quanto me recordo. De jogar, de assistir, de acompanhar as notícias no jornal - lembro claramente de uma manchete que dizia "Neto faz golaço e Corinthians vence o São Paulo". Lembro porque eu estava em fase de alfabetização e fiquei fascinado com o jeito como escreviam "golaço", pra mim era algo tipo "goulaço". Sou ao mesmo tempo um produto do meio (já falei sobre) e um alienígena querendo se misturar, então natural que corresse de meião e caneleira sobre o solo gramado da pátria de chuteiras.

(essa última frase usou alguns artifícios estéticos que não necessariamente casam com as melhores práticas da vida: não deixe seu filho jogar bola na rua de meião e caneleira, isso não cria caráter)

Passa o tempo, interesses novos aparecem, se vão, se renovam, e houve um período em que eu estava tão afastado do futebol quanto era saudável (infeliz e coincidentemente, justo na época que meu time começou a ganhar tudo), mas nos últimos anos minha proximidade com o popular esporte é a mesma que tem um carro e um muro ao final de um terrível acidente. E os efeitos não são muito diferentes.

Porque mudou. Eu não me relaciono mais com o futebol como se ele fosse um esporte salutar e divertido para me entreter nas tardes de domingo, me relaciono como se ele fosse a resposta para todos os meus problemas, a emulsão mágica que vai cicatrizar a tênue superfície da minha estabilidade emocional, a pá de areia que tampará esse vazio na minha alma. Eita, que exagero. Mesmo assim, deixou de ser uma relação saudável e produtiva, já passou a ser uma ameaça à minha integridade.

Eu já entrei em discussões irracionais com pessoas que só fizeram uma perguntinha, já desejei que a mãe de um goleiro fosse arremessada de uma catapulta, já quase avancei num segurança de banco que disse em voz alta que tinham que fechar as portas do São Paulo - e isso enquanto eu estava sob o efeito anestésico da conquista de um campeonato! Eu não sou desses babacas que viram outros seres humanos do avesso porque as listras das camisetas deles tem cores diferentes, mas você pode riscar o futebol da lista dos assuntos em que eu sou receptivo à discordância e entusiasta da racionalidade.

Escrevo tudo isso só agora porque acho que podemos embrulhar o assunto futebol por esse ano, já que o São Paulo se humilhou de todas as maneiras possíveis e imagináveis e nada mais há para se fazer. Não foi um ano fácil, e confesso que houve vezes em que eu pensei que não daria conta, que qualquer hora eu ia empacotar na frente do rádio e ia ser aquela cena ridícula, eu morto e babando no chão enquanto as vozes chiadas contavam piadas de duplo sentido ao invés de NARRAR A PORRA DO JOGO MEU DEUS DO CÉU NÃO HÁ RECURSO VISUAL ATRELADO A UMA TRANSMISSÃO RADIOFÔNICA QUER NARRAR ESSA MERDA E PARAR DE FAZER PROPAGANDA? Aí ó, é disso que eu tô falando.

Como estamos em dezembro e na terra dos clichês eu tenho sangue azul, podemos começar nossa retrospectiva dizendo que esse foi o ano em que eu sobrevivi. Mas não sei se aguento mais um assim. Então, se em 2014 você me encontrar caído no meu quarto, inerte e babando, assistido pelas luzes catódicas da televisão, lembre-se disso: o culpado foi o Douglas.