sexta-feira, 31 de maio de 2013

Misticismo contemporâneo

Eu sou alheio ao misticismo, esoterismo, espiritualidade, religiões ou o que quer que seja. Não é a minha praia. Mas sou um observador do meu próprio umbigo e das coisas que me circundam num raio de cinquenta centímetros, e num desses eventos cotidianos desimportantes me veio um pensamento.

É um enredo batido em obras de fantasia (livros, séries, jogos, filmes) a ideia de um mundo que deixou a magia pra trás há muito tempo e tem a tecnologia como deus absoluto - para, posteriormente, a coisa desembostar e um feiticeiro maligno aparecer pra dominar o planeta. Vocês que assistem Game of Thrones devem saber. E não me escapou a sensação de que a vida imita a arte, e passamos por algo parecido.

Se nós formos contar as principais manifestações místicas que enfeitam nossa vida hoje, teremos coisas como astrologia, tarô, bola de cristal, macumba, leitura de mão, borra de café. Mas nenhum desses, caro conterrâneo, pode ser considerado "nosso". Digo, tirando o café, todas essas coisas - e outras tantas - são seculares, milenares, vem de povos obscuros e tempos desconhecidos. Tem raízes com a natureza, com o ocultismo, com a magia, com as coisas que o homem não pode explicar, e por isso fascinam e enganam guiam pessoas por tantos e tantos anos.

Mas não podemos ficar aqui sendo apenas espectadores do envelhecimento de algo tão necessário para a manutenção da nossa cegueira quanto à desimportância da existência. Precisamos de algo novo! Algo com a cara do século 21, moderno, cosmopolita. Corriqueiro, mas precioso. Precisamos de algo que faça sentido, que fale com a pessoa nascida nessa era de maldade. Basta de crendice de cigano, um viva à era da magia 2.0!

"E o que poderia ser isso?", você me pergunta. Volto ao evento anunciado no primeiro parágrafo. Estava eu fazendo aquilo que dá nome ao blog e, durante a higienização posterior, tomei o cuidado de observar o papel que tinha em mãos, manchado de graxa de intestino. Foi então que vi um desenho, algo como um escaravelho. O que isso poderia significar?

Bem, não sei, e os motivos para isso estão no começo do texto. Mas por que é tão difícil acreditar que há aí algo conectado com o íntimo do universo, algo que não seja só um escaravelho feito de bosta, mas uma leitura da minha alma? Cada raspada de papel no cu sujo traz novos desenhos, novos padrões, novas descobertas acerca de nosso presente, passado e futuro. E não só palpites sobre as bobagens que os feiticeiros de outrora acreditavam ser fundamentais na nossa vida (amor, dinheiro e tal), mas também sobre os conflitos que interessam ao vivente de hoje. "Esse aqui diz que terça-feira você vai ficar parado no trânsito", "vejo um Playstation 4 em seu futuro" e coisa e tal.

Não sou a pessoa mais apta para essa tarefa, reconheço. Passo o papel de profeta para alguém mais qualificado. Mas façamos disso algo real, algo que daqui a 100 anos, após o apocalipse, fará pessoas repensarem sua estratégia quanto à abordagem ao ataque da tribo de canibais marcianos por causa da impressão marrom na folha de bananeira. E quando eu digo "façamos", falo como geração, como parte dessa massa respirante que é a humanidade. Eu mesmo tô fora, não é mesmo a minha praia. Mas vou recolher royalties depois, motivo pelo qual esse post será submetido ao meu advogado.

Em tempo: correntes de e-mail e PowerPoint não contam. Porque não.

quarta-feira, 22 de maio de 2013

Muita ousadia

Ah, os anos 90. Os anos 90 são minha casa - eu nasci nos 80, então isso meio que já estragou a década toda -, e tantas são as lembranças boas que daria pra encher uma caixinha de chiclete. Como eu sou um cara que transgride o tempo e vivo ao mesmo tempo o passado, o presente e o futuro (uma maneira afrescalhada de dizer que sou um crianção), essa década tão mágica ainda vive em mim. E hoje falaremos de dois ícones dessa era, duas lendas vivas - na verdade, uma viva e uma morta - do repertório popular nacional. Hoje, leitoras e leitores, gatinhas e respeitáveis cavalheiros, analisaremos um hino de Claudinho e Buchecha, os reis do funk melody.


Quero te encontrar está no segundo álbum de Cláudio e Claucirlei, A Forma, lançado em 1997 (ah, meus 12 anos, quando eu... sei lá, estudava). Veremos como a canção aborda temas que foram entrar na pauta das conversas do populacho muito depois apenas. Vamos a ela:

Quando você vem pra passar o fim de semana
Eu finjo estar tudo bem,
Mesmo duro ou com grana

A primeira coisa a analisar é: quem é "você"? É uma namorada? Um filho ou filha cuja custódia ele divide com a mãe da criança? Será a empregada, que vai lá passar um pano e lavar a roupa no sabadão? Essa última possibilidade certamente explica a aflição monetária dos nossos heróis.

É que você ignora
Tudo que eu faço
Depois vai embora
Desatando os nossos laços

Bom, se a reclamação é da indiferença da outra parte aos esforços do cantor, perdemos a empregada. Mas acrescentamos uma nova: e se for um(a) parceiro(a) de negócios? Sabemos que o reconhecimento pelos objetivos alcançados é uma das grandes queixas do trabalhador, esse incansável delineador do próprio ego. Mas os dois últimos versos nos dão mais profundidade no drama do personagem: se, ao ir embora, os laços são desfeitos, podemos crer que o intérprete é um freela. Só nós sabemos o quanto a vida de um profissional freelancer pode ser dura ou com grana.

E o leitor mais perspicaz vai sacar da sua cartola de deduções uma nova possibilidade: uma prostituta.

Ora, por que não? Se ela ignora tudo que ele faz, pode ser por se tratar de uma profissional já alargada pelos destratos da profissão, ou apenas uma confissão de humildade peniana do compositor (ou, claro, os dois). E, bem, os dois versos finais são autoexplicativos.

Tantas possibilidades. É mesmo uma canção muito rica. Vamos procurar mais respostas no refrão:

Quero te encontrar,
Quero te amar
Você pra mim é tudo
Minha terra, meu céu, meu mar

ORA, ORA, ORA, já enxugamos bastante nosso contingente aqui, hein? No fim, não surpreendentemente, era mesmo amor. É sempre amor. Ainda não sabemos que tipo de amor: até aqui, podem ser filhos, namorada ou prostituta. Mas vamos fazer uma incursão na floresta negra da simbologia da música brasileira para conseguir mais uma luz.

Como já dito em nossa análise musical anterior, muitas vezes no cancioneiro nacional umas palavras são usadas querendo dizer outras. O caso desse refrão é, talvez, o mais popular do estilo: quando o verbo "amar" quer dizer, na verdade, "comer".

Se o Alexandre Pires reclama que o porteiro novo tá desconfiado, e conclui dizendo que "o melhor é subir, te amar e dormir do seu lado", amigos, ele quer passar-lhe a giromba, se me perdoam a expressão. Amar não é algo pontual, que você vai e faz e pronto. O amor não é um segmento de reta, pois tende ao infinito. Cof cof cof brega do caralho cof cof.  Então, toda vez que o verbo designa algo rápido, direto, pontual, ele quer dizer "comer".

Voltando ao Claudinho Bush, o caso é que você não "quer" amar alguém, você ama ou não. A menos que esteja envolvido num casamento arranjado, para juntar as fortunas das duas famílias e construir um império do ramo do comércio de escravos e, já que você vai ter que casar mesmo, melhor se esforçar pra gostar do(a) parceiro(a). Mas esse não é o caso aqui, pois logo a seguir ele diz que "você pra mim é tudo, minha terra, meu céu, meu mar". Esse amor já existe, não precisa de suor. Desta maneira, o verbo "amar" só pode significar "comer", no que a gente retira a possibilidade dos filhos (sim, eu sei que isso não descarta completamente a alternativa, mas vamos acreditar mais no mundo).

Mas outra coisa chama a atenção: como é que lá no começo da música ele tava todo incomodado com a presença do fim de semana, fingindo, reclamando da ignorância, da partida, mimimi, e agora tá aí DE JOELHOS aos pés da amada? Alguém com nenhum conhecimento das patologias da mente e pouca vontade de se informar no Google vai dizer que nosso personagem claramente sofre de bipolaridade. Eu não tenho nenhum conhecimento das patologias da mente e pouca vontade de me informar no Google, então tomem esse descalabro na cara.

É muita ousadia ter que percorrer
O país inteiro pra achar você
Mas tudo o que faço tem um bom motivo
Preta, eu te amo, vem ficar comigo

Certo, agora esse cara tá sendo só burro pra caralho. Em primeiro lugar, vamos descartar a ideia da prostituta: não acredito que elas viajem tanto pelo país, e, se for o caso, deve ser uma de luxo. Embora Claudinho Buchecha nesse ponto já tenha conquistado um disco de platina triplo, vamos recordar que no começo da canção ele diz que as condições de grana nem sempre são boas, tá fácil pra ninguém. Há de ser então uma namorada, vejam que original. Agora, por que esse idiota está PROCURANDO essa mocreia pelo PAÍS INTEIRO (8.515.767 km²) sendo que ele já sabe que ela vem no fim de semana? Se ela vem no fim de semana e o imbecil não consegue aguentar uns dias na punheta, significa que passa de segunda a sexta viajando. Se estivesse, sei lá, TRABALHANDO, talvez tivesse dinheiro. Até pra contratar a prostituta de luxo, de repente. Mas não, é burro, burro.

Burro.

Estou alucinado com o seu olhar
Vou aonde for até te encontrar
Eu te amo demais, você é minha paz
Faz amor gostoso, de novo comigo, faz

Outra coisa comum na música brasileira é a quantidade de vezes que compositores apaixonados entram em estado de demência por amar outra pessoa. Esse aqui ficou alucinado só com o olhar dela. Imagina a cena: jantar romântico, luz de velas, champanhe, os olhares se cruzam e ele ENLOUQUECE, pula no ventilador giratório, derruba os vasos, corre de quatro, caga no tapete, baba escorrendo, língua bifurcada, pula pela janela aberta e vai embora saltitando pelos telhados da vizinhança. E então ele tem a pachorra de dizer "você é a minha paz". PAZ?! Ela te ignora, te deixa falido, te faz correr esse Brasilzão imenso de segunda a sexta-feira, te arremessa nos braços da loucura e você vem dizer que ela é paz? Se isso é paz, tragam-me a guerra. Isso tem nome, senhores: chave de buceta. Claudinho e Buchecha, os pedófilos, os paranormais, os não-hipócritas, os pegadores, totalmente entregues aos caprichos da prima da Medusa.

E assim terminamos mais um trabalho investigativo. Volto em breve, com mais um mistério musical para desvendar.

(preciso de um slogan de detetive)

quinta-feira, 16 de maio de 2013

Amigos e rivais

Fiquei muito tempo sem escrever sobre futebol (quase três anos), porque não me parecia um assunto que agradava ao leitor do blog e, principalmente, porque não consigo discorrer sobre o assunto sem virar um animal batendo com os cascos no teclado (vide essa abominação). Mas tentarei de novo.

O futebol é um esporte, portanto espera-se equilíbrio, igualdade de condições, superação de desafios dentro das regras, espírito esportivo, disciplina e por aí vai. Um esporte é - preparem-se para a obviedade - feito por atletas, estafe técnico e arbitragem. Ao redor, sentados ou em pé nas arquibancadas, calados ou berrando ou cantando, roendo as unhas ou tuitando, ficam os torcedores. E os torcedores não são parte do esporte, porque nada das características desse tipo de manifestação humana se aplica aqui.

A primeira e talvez única coisa que você precisa saber de futebol enquanto torcedor é: seu time presta, todos os outros não. E não basta ignorá-los, deve-se odiá-los. Tire o ódio do futebol e ele vira qualquer outro esporte aguado como handebol ou tênis de mesa. A rivalidade é o combustível do esporte bretão, porque sem ela não existe amor por qualquer agremiação, só amizade.

Eu só sou tão ferradamente apaixonado pelo São Paulo porque existem o Corinthians e o Palmeiras. E não porque a derrota deles é a coisa mais importante, mas porque no esporte só um vence, e enquanto houver são paulinos comemorando, haverá corintianos e palmeirenses chateados. É pra encher o coração de amor ou não?

E se me dou ao trabalho de escrever essa missiva é porque você, amigo torcedor paulistano, esteve triste em algum momento dos últimos oito dias. E na tristeza diz-se muitas coisas, entre elas essa vã tentativa de justificar o injustificável, de eufemizar o indesgrossável, de tentar sair de debaixo da pilha de merda e cagar sobre as cabeças dos gozadores. E, nesse esforço, comete-se o mais básico erro do apaixonado pelo futebol: apelar para a razão.

"Meu time foi prejudicado pela arbitragem", "meu time tem uma folha salarial muito mais menor", "todos os craques do meu time estão machucados". Amigo, o seu time perdeu. Só isso vale. Vão te zoar e aceite isso, de cabeça baixa e moral no chão. Não tente achar que o torcedor rival vai pensar "poxa vida, o juiz não deu aquele pênalti" e deixar barato, porque se esse pamonha disser isso a única coisa que ele merece é uma chuva de tapa na cara. Não espere que o "coirmão" (de todos os termos horríveis usados no futebol, provavelmente o pior) vá respeitar a postura da torcida do seu time ao fim da partida. Não espere que alguém aja com a razão em um negócio em que a razão não é nem opcional, é proibida.

Claro, existe o respeito, existe a importância de não chutar a costela de um torcedor rival que teve a infelicidade de usar a camisa errada no dia errado (a menos que todos os outros estejam chutando, aí ia pegar mal você não fazer), mas isso é básico, é o mínimo, não só no futebol como na vida. A questão toda é num âmbito mais psicológico: no futebol não há espaço para mimimi.

Em um próximo post, explico porque eu não encho mais o saco dos amiguinhos que torcem para os times errados e como não consigo agir como manda o manual escrito por mim mesmo neste texto. Espero vocês.

segunda-feira, 6 de maio de 2013

The voice Brasil

Tirando uma óbvia parte da população, é de se supor que o homem humano não mantém uma relação saudável ou justa com a própria voz. Uso meu exemplo: a minha voz, como eu a ouço dentro do meu crânio, é maravilhosa. Maravilhosa. Tem personalidade, tem corpo, tem graves suaves e bem pontuados, médios cremosos e agudos aparados. Cada sílaba tem seu próprio tempo e espaço para desfilar, todas as frases são projetadas num ritmo agradável, quase musical. É inconcebível que todas as mulheres do mundo não queiram dar imediatamente pra mim ao ouvir um simples "bom dia" (bem, ao menos as cegas).

Mas do meu crânio pra fora, no mundo real, é só pão de batata.

Então vamos a mais uma lição de vida fabulesca: o que esse contraste bizarro nos mostra não só sobre o ar que vem dos pulmões e passa por nossas pregas (vocais), mas também sobre autocrítica? Muito, não é?

NÃO! Você verá esse tipo de analogia babaca e sem cabimento em qualquer outro lugar, menos aqui. (o Vida de bosta tem preferência, não coincidentemente, por utilizar alegorias que envolvam, de alguma maneira, cocô. Como quando o vizinho veio pedir pra gente limpar a merda dos cachorros que se acumulava em nosso quintal porque nem ele do outro lado da rua tava aguentando, e isso nos ensina sobre altruísmo e pensar no próximo)

Recentemente comecei a jogar online - coisa que nunca havia feito, porque sou raízes - com pessoas que eu conheço e mantenho uma distância segura e, eventualmente, um deles não utiliza fone de ouvido, deixando o som vazar pela sala e retornar aos microfones para minha apreciação. Então veja só: eu primeiro ouço o que eu acabei de falar, na minha voz que torna o mundo um lugar melhor, e um segundo depois ouço a mesma coisa na voz que vocês ouvem. É uma experiência transcendental, como se eu estivesse saindo do meu próprio corpo, me humilhando perante o universo feito um demente descontrolado e retornando com o DVD. Criei minha própria nêmesis, com a ingrata realidade de que ela é igualzinha a mim (afinal, quem vai me odiar mais do que eu mesmo? Talvez o vizinho).

Eu nunca vi alguém dizer que prefere a própria voz gravada. E, se alguém preferir, pode-se apurar que é porque o som que só ela ouve reverbera demais e não fica bom.

Porque a cabeça da pessoa é oca, entendeu?

Me desculpem.