segunda-feira, 28 de janeiro de 2013

Lost in the supermarket (2)

Esse mundo é inadequado para uma pessoa simples e de nobre coração, como eu, por uma infinidade de motivos. E, subestimando a minha inteligência, ele faz questão de me reforçar isso o tempo todo, das mais diversas maneiras.

Uma dessas maneiras é o capitalismo. Não estou aqui levantando bandeira nenhuma nem chamando ninguém de camarada, entendam bem, mas o capitalismo tem suas características e seus efeitos colaterais, e em alguns desses eu normalmente levo na bunda. Escolha infeliz de palavras, mas sigamos.


Um negócio que eu detesto fazer, e que não cabe a um otário pacato consumista como eu, é o ritual da compra. Sabe, aquilo de pesquisar, por na balança, ir em mil lugares, pechinchar, chorar, falar que o cara do lado tá fazendo pela metade do preço, mesmo que do lado tenha um açougue e você esteja numa loja de bicicletas. Eu já acordo cedo de segunda a sexta, trabalho fiel e intensamente até o fim do dia, pego um transporte público lotado (tudo bem que só até a estação seguinte, mas mesmo assim), mais o sol, os prazos, as pessoas, a rede que só cai e toda aquela merda. Então, quinto dia útil, eu recebo meu dinheirinho. Pra mim, o trabalho tem que acabar aí.

Eu só quero uma rotina livre de complicações. Quero chegar na loja e dizer "quero podruto, tó diêro". Na maioria das vezes eu sequer pergunto o preço antes (estamos falando aqui de produtos relativamente baratos, também não estou assim tão abonado). Mas o tal ritual de compra tem um roteiro estabelecido, e você tende a se ferrar se não o segue à risca. E, também, não basta apenas seguir o roteiro, é necessário algum talento nas artes do jogo pra passar à próxima fase. Vejamos um exemplo (verídico) dessa falta de talento.

T. P. (estou usando as iniciais para não revelar a identidade da pessoa): Moço, moço, psiu, moço, tem LittleBigPlanet aí?
Vendedor: Tem.
T. P.: Puxa, não encontrei em nenhum outro lugar. Quanto custa?
Vendedor: 190 reais.
T. P.: Nossa, tá caro. Dá desconto?
Vendedor: Não.
T. P.: ...
Vendedor: ...
T. P.: Tá bom, aceita cartão?
Vendedor: Tem acréscimo de 5%.
T. P.: Fechado!

Vê, eu (assim como o personagem do evento descrito acima, uma pessoa aí que eu conheço) não sou bom com relacionamentos interpessoais, e poderia linkar aqui vários posts desse blog que falam sobre isso, mas peguei dois aleatoriamente. Eu não sei conversar com pessoas, nem transmitir emoções e intenções e, o pior de tudo, eu não tenho nenhuma força de vontade. Pessoas são minha kryptonita, eu fico exposto 30 segundos num diálogo aberto e já sinto fraqueza e vontade de ir chorar no colo da minha mãe. Assim, é fácil me enrolar, e essa relação é de duas vias. Por exemplo, quando eu trabalhei num estande na Bienal do Livro:

Clienta, segurando um dicionário de espanhol: Quanto custa?
Eu, pegando o livro e passando na leitora de código de barras (bip!): 20 reais.
Clienta: Tá bom.
Eu: Vou te dar um desconto.

Vou fazer uma pausa aqui. A gente só devia dar desconto se o cliente pedisse ou fizesse cu doce. A tal clienta nada disso fez. Mas tava com cara de mau humor, e eu fui derretendo, e lancei por reflexo a primeira frase que me veio. Dito isso, entenda que o desconto que nós podíamos dar para livros nacionais (o caso do dicionário aí) era de 10%. Play:

Clienta, com cara de "ahn?": Ahn... certo.
Eu, o gênio da matemática, sem nem procurar calculadora ou parar dois segundos pra pensar: Fica por 15 reais.
Clienta: Tá.

Vou cortar o resto aqui porque ainda fico com vergonha de lembrar da cara que fez a menina do caixa quando eu cheguei com aquilo. O que eu quero dizer é que o tal ritual de compra, tema desse post, passa necessariamente pela interação humana, e isso me causa alergia e enjoos. De modo que eu normalmente prefiro comprar na internet ou nessas lojas tão frias e impessoais que você entra, pega o troço sozinho, faz o bip sozinho, leva no caixa sozinho. Há casos em que isso não é possível, aí eu entro nessa dimensão de horror e sorrisos amarelos e fico tendo pesadelos por várias noites seguidas. E é por esse motivo que eu tenho comprado cada vez menos, o que acaba sendo bom porque eu junto uma grana e tal.

Até o dia em que eu vou sofrer de síndrome do pânico enclausurado na minha Caixa Forte. Parece um bom jeito de definhar e morrer, não?

quarta-feira, 9 de janeiro de 2013

Revisitando a maioridade

É engraçado que eu já devo ter dito em algum momento aqui que não gosto de aniversários (porque eu sou o bad boy que mija nas convenções sociais e toda aquela besteira), mas todo ano faço um post no meu nascimento-dia pra falar sobre a nova idade, e normalmente relacionar com alguma daquelas piadinhas de mau gosto pelas quais esse blog é tão conhecido. E o pior é que eu acho que eu gosto sim desse troço. É um dia em que as pessoas são legais com você e se esforçam bem mais pra fingir que se importam. É só uma vez por ano, mas cada um tem o que merece.

E desta vez, dois mil e treze, chego aos meus 28 anos de bosta. Então eu fiquei pensando numa maneira de relacionar essa idade com um assunto qualquer, como eu fiz quando enfrentei meu pai (e perdi) num duelo aos 25 e quando eu desejei morrer e virar uma lenda aos 27, mas nada vinha. Até que plim!, não só apareceu o assunto como também um vórtice de desgraça e desespero que me lembrou do seguinte fato: faz 10 anos que eu sou maior de idade.

Mas 10 anos é uma data redonda, eu deveria comemorar! Deveria pegar meu carro, sair por aí a milhão, pichar o muro da Febem, alugar uns filmes pornô e essas coisas que a gente acha que são legais porque os adultos podem fazer. Mas a verdade é que eu não tenho nem gosto de carro, tenho alergia a spray e ontem mesmo estava comemorando quando anunciaram um Pokémon novo.

("Ah, não, esse é um daqueles posts que você vai passar reclamando das coisas que não fez?". Não. Esse é UM BLOG INTEIRO em que eu fico reclamando das coisas que não fiz)

O problema é que existe um grande terreno baldio chamado "coisas que você pode fazer" logo depois da cerquinha vermelha com os dizeres "só para maiores de 18 anos", e existe uma série de coisas que você quer fazer de fato. Saber preencher esse terreno com essas coisas deve ser o que significa ser adulto. Não é pra mim, me perdoem, eu abro mão. Fiquei pra trás mesmo, com meus bonequinhos, video games portáteis e quadrinhos autobiográficos.

É meio solitário do lado de cá, mas pelo menos existe pornografia na internet. Senão eu ia ter que invadir a propriedade alheia umas cinco vezes por semana. Digo, mês.

Ano?

quinta-feira, 3 de janeiro de 2013

O herói

Aquele mundo não era privilegiado de três dimensões como esse que você conhece, nem cheio de cores. Para usar uma referência, ele era como um papel cartão preto (porque um mundo precisa de um suporte um pouco mais firme), e tudo era preto em cima dele. E não havia sol. E quando a lua aparecia e estava cheia (ela sempre estava cheia, pois se não havia sol, o mundo não fazia sombra), dava para ver os recortes esbranquiçados dos seres, dos objetos, das coisas. Quando a lua se ia, e seu brilho fraco ia alumiar o lado de trás do papel cartão, tudo voltava à escuridão habitual.

Eis então nosso herói. Ele era preto, pequeno, tinha capa e espada. Ele era valente, ah, se era. Com sua espada negra, ele cortou pescoços de dragões, pescoços de hidras, pescoços de zumbis, pescoços de generais corruptos e de crianças que não obedeciam aos pais. E ele sempre enfrentava seus ferozes adversários em frente à imensidão circular da lua; não só porque era um jeito de enxergar melhor o alvo, mas também porque era bonito pacas.

Porém, lamentam os anais, nosso herói nunca recebeu o reconhecimento que merecia. O motivo, o leitor há de ter adivinhado, é que não era possível reconhecer ninguém naquela pretidão absoluta. Mas nosso herói não era assim o exemplo de modéstia que se manifesta nos arquétipos mais comuns dos virtuosos salvadores: ele precisava da fama, dos louros, da bajulação. Teve então uma ideia: sempre que tivesse uma vitória decisiva sobre algum inimigo e pusesse fim a mais uma ameaça à soberania da paz, sairia pelo restante da noite assobiando uma canção, um hino que ele mesmo inventara. Deste modo, sempre que o povo ouvisse aquela melodia, saberia que por lá passava o herói.

Triste é o destino, entretanto. Ao invés de reconhecer na canção o arauto que anunciava a passagem do herói, os habitantes daquele mundo apaixonaram-se de tal modo pela peça que passaram também a cantá-la pelas ruas, nas casas, sob as janelas das amantes e junto aos ombros dos ébrios companheiros de madrugada. O hino tornara-se uma febre popular.

Nosso herói não poderia ter ficado mais insatisfeito. Tentou mudar a canção, mas ninguém ligava; tentou destacar-se com onomatopeias, urros e trejeitos vocálicos característicos. Ninguém dava a mínima. Todos só se interessavam por aquela música, aquela pequena joia de três minutos (que historiadores recentes dizem ser curiosamente semelhante a My Girl). Nosso herói, desiludido, abandonado pela chama do desejo, resolveu fazer-se notar de maneira definitiva: em combate contra um dragão de duas cabeças que surgira nos arredores, ele entregar-se-ia à morte. Sem sua corajosa espada, a população estaria jogada à sorte contra os caprichos das forças bestiais do mal. E então, somente então, lembrariam-se daquele herói, de baixa estatura, de capa e espada, que tanto fez por eles.

Mas quando já estava entre as mandíbulas de uma das cabeças do terrível dragão, nosso herói finalmente apercebeu-se: seu verdadeiro legado era aquela música. Ninguém interessava-se por viver em um mundo sem luz, mas a canção deu ao povo alegria, encheu os homens de coragem e as mulheres de paixão, coloriu o som do mundo que não tinha cor. E eles sabiam, sim, sabiam quem havia começado tudo aquilo, a presença oculta que assobiava a bela melodia entre toda a gente. Ele teve, sim, o reconhecimento que gostaria.

Mas aí já era meio tarde, e ploft.

terça-feira, 1 de janeiro de 2013

Porrada!

Vou lhe ser sincero, não quero mais lhe enganar: eu odeio MMA. Simplesmente porque eu não gosto de ver duas pessoas se espancando até que uma escorregue no próprio sangue e rache a cabeça no chão. E, tipo, nem tem Hadouken, nem Fatality, nem nada. Mas sacomé, cada um é cada um, tem quem goste, parabéns pra eles, mas eu tenho coisas melhores pra fazer numa noite de sábado, se é que vocês me entendem.

(Se vocês pensaram em "assistir um temporada inteira de Friends de uma vez só", vocês me entendem).

Me preocupa, entretanto, esse gosto que a gente parece ter por ver duas pessoas caindo na porrada. Eu também não gosto de boxe, judô, karatê, tudessas merda, mas você poderá argumentar que são competições travadas por pessoas preparadas e que sabem dos riscos que estão correndo ali. Ok, muito bem, concordo. Mas o MMA é a glamourização da coisa toda, é o prazer pelo espancamento levado ao Olimpo da sociedade de consumo e da informação; é uma amplificação, com glitter e canhões de luz, dessa coisa menor, mais simples e mais interioriorizada, que é a vontade que a gente tem de ver pessoas se pegando de porrada.

Eu trabalhei no centro de São Paulo por uns sete meses esse ano, e lá pessoas saem na mão dia sim, dia não. Isso faz inclusive parte do folclore da região, também conhecido como O Lugar Mais Legal Do Mundo. Mas o que me chamava a atenção era como as pessoas ao redor da confusão se divertiam: os olhos brilhavam, os sorrisos iam de orelha-a-orelha; era uma felicidade genuína. E eu não vou dizer que não era legal, porque eu acho curioso quando duas pessoas chegam ao consenso de que a melhor forma de resolver o problema que eles tem - qualquer que seja, desde um que esbarrou no outro sem querer até o cara que tacou uma pedra na mãe de alguém - é ficar se chacoalhando no meio da rua. Essas brigas de rua tendem a ser bem ridículas, aliás, o que acrescenta o fator Pastelão à diversão.

Não estou nem fazendo uma ligação aqui, do tipo "as pessoas veem essas brigas na TV e querem sair fazendo isso na rua", porque seria uma conclusão muito simplista e claramente pretensiosa demais, já que eu não posso provar isso. Eu só acho que essa coisa de se divertir com o derramamento de sangue alheio é o tipo de coisa que é comum há incontáveis séculos, e eu esperava que a humanidade já tivesse achado um jeito de superar isso. Mas até aí, com cada pensamento atrasado que eu vejo voltando à moda ultimamente, deveria é agradecer que nós ainda não estejamos oferecendo virgens em sacrifício pra aplacar a ira de algum demônio.

Bosta, não devia dar ideia.