segunda-feira, 22 de novembro de 2010

Band on the run


Há vários fatores pra determinar se um show é o melhor que você viu na vida. Tem o grau de afinidade (e paixão) que você tem com a banda/artista, tem o momento - tanto o seu quanto o da banda -, tem a própria maneira como o espetáculo é montado, sobre organização, qualidade do áudio, todo esse tipo de coisa.

Eu sou um fã incondicional dos Beatles, que é de longe a minha banda favorita (deixa o Nirvana, segundo lugar, comendo poeira).Desnecessário dizer, portanto, que já entrei no Morumbi ontem pra assistir o show do Paul McCartney praticamente convencido de que aquele seria o show da minha vida. Mas sacomé: da expectativa até a definição tem um caminho enorme (vocês não sabem como eu me controlei pra não fazer uma piada com The Long and Winding Road), e nesse caminho eu cantei alto pra caralho, tossi pra caralho (ah, a doença, que momento inoportuno), chorei pra caralho, até passei mal (ah, a doença, que momento inoportuno), mas dignamente caminhei até um local mais vazio e me estirei no chão enquanto cantava Day Tripper de braços abertos.

Não teve nada errado no show de ontem (bem, o volume poderia ser mais alto, mas ninguém ia conseguir ouvir nada de qualquer jeito): a banda é muito boa, o set list foi quase perfeito (eu incluiria Maybe I'm Amazed e I Saw Her Standing There, mas aí é meu gosto), e o Macca é um barato: conversava o tempo todo, sorria o tempo todo, fazia um monte de gracinha.

Aliás, calmaê, deixa eu me corrigir: eu não sou um opositor das áreas vip (pelo menos não quando não bate na hipocrisia), acho que se tem gente querendo pagar mais pra ficar num lugar melhor, ótimo. Mas a tal área Premium de ontem não precisava ser tão grande. Eu fiquei quase na grade da pista comum e mesmo assim estava a quilômetros do palco. Eu paguei caro também, pessoal, vamos ser um pouquinho mais legais.

E o público é boa parte da graça de um show (para o bem ou para o mal). Se no sábado os fãs do Smashing Pumpkins estragaram minha experiência com o Pavement, ontem tava todo mundo unido e cantando e dançando e se abraçando o tempo todo. É bom estar rodeado de pessoas que gostam da mesma coisa que você, mesmo que elas te olhem torto quando você ACIDENTALMENTE deixa cair uma lágrima ou duas (ou centenas) durante Something. E teve o nananaheyjude, coisa mais linda do mundo, e os balões brancos em A Day In The Life / Give Peace a Chance. Aliás, gostaria de agradecer ao Paul (que lê esse blog, eu sei) por tocar a melhor música do mundo. Quando eu cheguei no final do Sgt. Peppers e ouvi essa pela primeira vez, fiquei acabado. Que música, que música.

Então eu fui do relato simples à babação de ovo desenfreada. Acontece. Mas é engraçado que quando você já viu shows demais e não tem mais o mesmo vigor físico de outros tempos ainda continua se surpreendendo e desabando (metafórica e literalmente) num espetáculo desse tipo. Se você não foi, perdoe minha insensibilidade: você vai rolar pelo resto da vida num mar de ácido do arrependimento. Se foi, meus parabéns: você viu a História.

E isso não é questão de opinião. Tem duas verdades nessa vida: a de que a gente vai morrer e a de que o show de ontem foi foda. Infelizmente, agora só resta a primeira. Mas tá tranquilo, tá tranquilo: agora já pode.

segunda-feira, 15 de novembro de 2010

Scott Pilgrim contra o mundo

Já aviso: tem um monte de spoilers.

Eu gosto do Scott Pilgrim, né. Li a série toda, tenho o jogo (falta terminar ainda) e sabadão fui ver o filme. E gostei.

O lance é que não dá pra evitar ao menos um tequinho de desapontamento quando você acompanha a adaptação cinematográfica de uma obra em papel que você gosta. São formatos diferentes, o tempo disponível pra contar a história é outro, e por aí vai. Então, de uma maneira geral, o filme me agradou. Mas vamos ser específicos.

A história é a seguinte: Scott Pilgrim, canadense, 23 anos, é um bosta. Não tem emprego, é baixista numa banda tosca, mora na mesma casa - e dorme na mesma cama - do Wallace, o clássico melhor amigo gay (ainda que o clichê caberia melhor se Scott fosse uma mulher) e ainda é atormentado pelo fantasma da ex-namorada, com a qual terminou há um ano. Então ele conhece Ramona Flowers, uma americana misteriosa, se apaixona, se relaciona, e aí que mora o perigo: pra poder namorá-la em paz, vai precisar vencer seus 7 ex-namorados do mal. É, tipo, 7 caras que ela chutou e que ficaram malvadões e agora querem matar todos os pretendentes.

O filme começa quase como uma transcrição literal da HQ - com algumas devidas adaptações - e é interessante notar que as piadas que foram feitas pra funcionar em nanquim funcionam também com pessoas de verdade contando. O que é ótimo, porque o filme é engraçado pra caralho, e no mínimo vai valer a visita ao cinema só pelas risadas. Do quinto e sexto ex em diante a coisa começa a despirocar e vira praticamente outra história. O que é bom pra quem não leu o final ainda (especialmente porque os últimos dois volumes não saíram em português).

Michael Cera está excelente como Scott, tornando um personagem que é praticamente um mangá (com seus exageros absurdos) em algo acreditável. O problema está na outra metade da dupla de protagonistas: Ramona é deprimente.

Da moça simpática e adorável da HQ, ela se transformou numa esnobe sem graça. Além de séria e excessivamente arrogante, ela perdeu todo o background que a transformava na personagem mais interessante da história: pouco do passado de vadiagem dela é contado, e, se isso a deixa ainda mais misteriosa, também tira a vontade de desvendá-la. Mas o maior efeito negativo na história é que acaba ficando difícil de entender porque Scott arrisca sua vida por uma mina tão chata. E o final (a gente chega lá), só piora as coisas nesse sentido.

Ramona não foi a única afetada: Knives Chau, a chinesa adolescente que namora Scott logo no começo da história ganha bastante destaque no final. Se por um lado é bom ver um personagem tão legal aparecendo mais, por outro é uma pena que sua essência tenha sido distorcida. Perto do fim, Scott diz que ela é mais madura do que a idade aparente, quando a graça dela era justamente o contrário: apesar de seus 17, ela parecia ter 12. Nisso, o filme tenta criar um triângulo amoroso de verdade (porque na HQ isso tudo é tratado como uma piada), e quando Knives, no finzinho, sugere ao herói que vá atrás de Ramona ao invés de ficar com ela, cria um clichê tão bobo que faz toda a aura sarcástica do filme perder um pouco de sua força. Além do que, naquela situação, que tipo de imbecil deixaria uma moça tão legal pra ir atrás daquela escrota?

(Justiça seja feita, o final da HQ também é uma merda. Só que, ao invés de apelar para um clichê cinematográfico, vai no vácuo dos finais épicos e bregas dos mangás, com pessoas transformadas em monstros e esse tipo de bobagem)

Pra fechar a parte de críticas, o grande (e, até certo ponto, previsível) inimigo do fluxo do filme é o fato de que, para condensar a história da HQ, o foco acaba sendo nas lutas com os ex-namorados - justamente a parte menos legal. No princípio, quando a luz está sobre a vida de Scott e seu relacionamento com os amigos, o filme é uma delícia. Depois, vai gradualmente ficando chato.

Mas vamos às coisas legais: além de ser engraçado pra cacete, a montagem, que busca inspiração nas histórias em quadrinhos, funciona muito bem. O amontoado de referências nerds (a música do menu principal de Zelda, o riff de baixo de Seinfeld, a camiseta que Scott usa num show com o ícone do baixo do Guitar Hero) manteve o espírito do gibi. Um ponto positivo do filme sobre a HQ é a relevância maior dada aos Sex Bob-Omb, a banda de Scott, que aparece tocando bastante. E, no final, quando eles assinam contrato (o que nunca existiu no gibi) e trocam o baixista, o filme amarra a piadinha que ficou aberta nos quadrinhos, sobre Stephen Stills e Young Neil tocarem na mesma banda.

O filme é bem legal e tem grandes chances de agradar muita gente. Apesar de ser um pouco mais leve que a HQ, em que jorra promiscuidade e homossexualidade (acreditem, Wallace está longe de ser o único personagem com aspirações gays na história), ainda é muito divertido. E se o argumento ficou ainda mais absurdo devido ao achatamento da história, o pouco caso com que o filme trata a si próprio ajuda a deixar tudo na boa. Ele é indie até o osso, nerd até o osso, e na sua bizarrice consegue capturar o espírito jovem da nossa geração (ou a nossa fatia dela) como poucos. Eu recomendo, mas recomendo o pacote inteiro: vê o filme, joga o jogo e lê os quadrinhos (não necessariamente nessa ordem).

Aí depois me procura pra gente trocar um ideia.